Pathfinder – Contos
O Caminho
Zellara estava sentada à mesa
em sua pequena casa, com o Baralho Atormentado centralizado na toalha de mesa
vermelha. A luz da lanterna encobria tanto quanto iluminava, deixando sombras
profundas nos cantos da sala, nos espaços atrás dos móveis e sob os armários.
A fadiga fez suas pálpebras
pesarem e embaçaram seus pensamentos. Zellara sabia que deveria fazer uma
leitura do Baralho de Presságio quando bem descansada. Ela também sabia que o
descanso não viria. Desde que Eran morreu, o sono a iludiu. O pedágio da vida
diária - acordar, comer, respirar - a exauria. Seu trabalho de rastrear o
assassino de seu filho aumentou a carga.
Ela passou a mão sobre o baralho.
Hoje passara na guarita local, apresentando seu caso a um indiferente capitão
de Korvosan. Ela expôs suas evidências como se fossem cartas do Baralho do
Presságio, colocando cada peça em seu lugar para mostrar o padrão. Seus olhos
permaneceram fechados, e essa derrota mais recente, após um ano de derrotas,
cansou ainda mais Zellara.
Ela pegou o baralho e
embaralhou. As cartas pareciam estranhas, como se ela fosse uma novata de novo,
treinando no joelho da avó. Ela embaralhou até sentir uma energia despertar na
ponta dos dedos.
Havia muitos caminhos disponíveis
para ela. A Tapeçaria, mostrando as nuances e influências do passado, presente
e futuro. A Ponte, fornecendo orientação e ligações sobre o plano escolhido -
se ela tiver um. Mas a reunião dela hoje tinha sido o último recurso. Todas as
portas pareciam fechadas para ela agora. Todas as avenidas esgotadas.
O passado não a ajudaria. Ela
precisava olhar para o futuro. Saltar adiante no desconhecido.
Zellara colocou o baralho de
volta na toalha de mesa vermelha e pegou a primeira carta.
Ela havia aprendido há muito
tempo a respeitar as cartas, não a temê-las. Mesmo assim, ela recuou diante da
imagem do homem preso acima de um caldeirão borbulhante. O Waxworks. Uma carta
de grande angústia, desamparo e tormento.
O homem na imagem estava
indefeso? Mãos invisíveis o colocaram na cera? Ou ele estava à beira da fuga?
Zellara instintivamente encontrou uma interpretação.
No nível mais básico, esta
carta representava sua vida. Ela era a atormentada, sofrendo todos os dias
enquanto caçava o assassino de seu filho. Toda noite, quando fechava os olhos,
a última imagem que via antes de dormir era a lembrança da cabeça e das mãos
decepadas do filho. Uma mensagem do assassino.
Em um nível mais profundo, o
Waxworks abrangia todas as ruas humildes sob a influência de Gaedren Lamm. Os
vizinhos de Zellara lutavam para sobreviver todos os dias, enquanto o pequeno
senhor do crime causava estragos. Ele roubou, extorquiu e abriu caminho pelo
distrito, e ninguém parecia capaz de detê-lo. As pessoas estavam presas,
penduradas no caldeirão fervente do mal de Lamm.
“Eu sei disso”, Zellara sussurrou. Ela sabia ser paciente durante
uma leitura. O Waxworks pode ser necessário para interpretar adequadamente o
restante das cartas.
Ela ainda não havia decidido
qual caminho estava usando. Era perigoso ler um baralho do presságio sem uma
estrutura clara em mente, mas a cautela a levou o mais longe que pôde. Ela
estava saindo da praia, nadando em águas profundas.
Zellara franziu a testa. Água...
havia algo lá. A figura pendurada acima do caldeirão parecia sombreada à luz
fraca, escura e de cabelos e pele como Eran. Era cera para a qual ele descia,
ou água turva?
Deixando a imagem da água em
sua mente, ela pegou a próxima carta.
A imagem colorida mostrava um
homem com a cabeça de um corvo, olhando para uma mesa coberta de riqueza. Duas
figuras mascaradas estavam sentadas de cada lado. Os Corvos.
Outra carta aparentemente óbvia.
Os Ccorvos significavam assassinato e perda, especialmente daquilo que era
amado. Zellara tentou permanecer paciente, mas uma bolha de frustração cresceu
dentro dela. Por que as cartas estavam mostrando a ela o que ela já sabia?
Gaedren Lamm, o senhor do crime que usou assassinato e roubo para adquirir sua
riqueza. O que ela estava perdendo?
Ela voltou ao Waxworks. A
vítima, Eran, descendo em direção à morte. Cera - ou água? As bolhas de cera
fervente podem ser a espuma nas ondas. Água e corvos. Ela viu bandos de
catadores de asas negras agrupados nas docas na semana passada. Uma pista a
levou até a beira da água, um boato de que Lamm trabalhava em uma taberna
surrada, servindo pescadores. As investigações de Zellara não deram sinais do
senhor do crime.
Ao sair da taberna, assustou um
bando de corvos. Eles se ergueram de uma pilha de tripas de peixe e ossos
descartados, seus gritos ásperos cortando o ar parado da manhã.
“Perda de algo amado.” Zellara falou as palavras em voz alta,
tentando encaixá-las no padrão. A perda do filho, sim, mas além disso?
Ela descobriu vários covis
anteriores de Lamm durante sua investigação. Sempre era tarde demais. Empresas
destituídas ou prédios abandonados onde Lamm administrara suas operações e
aterrorizava a rua. Prédios que antes eram a esperança de seus proprietários,
moradores locais que haviam investido todo o seu dinheiro e trabalho duro em
seu ofício. Agora triste e vazio, o ouro que deveria ter enchido seus cofres se
derramando sobre a mesa de Lamm.
Água. Os corvos nas docas. Um
lugar que antes possuía indústria e esperança, agora cheio de sonhos desfeitos.
Zellara alcançou o baralho, mas
hesitou. Ela colocou as duas primeiras cartas lado a lado. Suas faces mostravam
a morte de Eran no passado, sua busca por Lamm no presente. O padrão implicava
que a próxima carta mostraria o futuro.
A primeira regra do Baralho do Presságio
era sempre espalhar um caminho de ramificação. Lançar uma única carta futura
não era apenas tolice, era perigoso. Não deixou de recorrer a desviar-se ou
seguir uma corrente diferente do destino. Colocar uma terceira carta agora
seria acabar com a expansão e se comprometer com esse caminho.
Talvez fosse esse o preço que as
cartas exigiam. Para vingar Eran, ela faria qualquer sacrifício.
Zellara virou a terceira carta.
Os olhos dela se arregalaram.
Uma mulher robusta segurava uma
criança diabólica gritando pela perna. A outra mão apontava para cima, dois
dedos estendidos e banhados em chamas azuis. Atrás dela, uma figura
transparente escondia seu rosto.
Zellara não esperava A Parteira.
Uma carta perturbadora, mas
também otimista. A Parteira anuncia as chegadas e indica a descoberta de novas
informações. A figura fantasmagórica poderia ser Eran, lamentando seu próprio
destino - ou um destino ainda por vir. A própria Zellara era a parteira,
canalizando suas descobertas para o mundo. Mas quem era o filho?
Um novo companheiro, talvez. Um
estranho instrumental para sua busca por vingança. Possivelmente uma criança
literal. Lamm era conhecido por usar órfãos e crianças de rua em sua organização.
“Os Cordeiros de Lamm”, os locais os chamavam.
Zellara tinha visto uma criança
assim, não muito tempo atrás. Um demônio faminto e de aparência doentia, com
uma mecha de cabelos escuros que a lembrava de Eran. O garoto havia oferecido
bolinhos na doca para venda, cheirando a peixe e decomposição. Zellara havia
comprado um por caridade e jogado para um gato de rua a caminho de casa.
Ela traçou a imagem da criança
no cartão com um dedo. Água. As docas. Os corvos se deliciando com tripas de
peixe. Um negócio morto, um lugar de sonhos desfeitos. Cordeiros de Lamm. Uma
criança magra vendendo bolinhos feitos de peixe velho.
Uma emoção agitou Zellara. O Baralho
do Presságio tinha sido um risco, mas valera a pena. Ela tinha o que precisava.
Ela pegou as cartas e as devolveu
ao baralho, hesitando apenas por um momento sobre a Parteira. Novas chegadas.
Ela sentiu com o instinto do baralho que um estranho ou estranhos aguardavam em
seu futuro. Aqueles com um papel importante a desempenhar. Ela permaneceria
alerta para aqueles que poderiam oferecer ajuda.
Zellara embrulhou as cartas em sua
caixa e as guardou. Vestiu a capa e pegou a bengala. Era uma noite escura,
perfeita para explorar as docas sob a sombra das sombras.
As cartas a haviam guiado de
verdade. Agora, ela deu os passos finais em seu caminho de vingança.
- Amber Scott
Nenhum comentário:
Postar um comentário