quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Resenha de Aliens RPG edição em português

 Resenha de Aliens RPG
edição em português


 
Alguns anos atrás, quando vi pela primeira vez o anúncio de que um RPG para a franquia Alien seria lançado, torci muito para que ele chegasse ao Brasil. Ele ser lançado por uma grande e premiada editora de RPG mundial, a sueca Free League Publishing, já era um ótimo indicativo de que isso seria possível... e isso se tornou realidade. Alien RPG já está entre nós, em português, lançado pela New Order.

Sempre fui um grande fã tanto da série de filmes quanto dos quadrinhos. Ainda lembro da primeira vez que assisti Aliens: o Regaste no cinema, em 1986. Eu tinha recentemente assistido Aliens: o 8º Passageiro em vídeo (este eu só vi em VHS já que em seu lançamento eu tinha apenas sete anos), em casa, e fui ao cinema esperando o mesmo turbilhão horror e suspense. A experiência de vivenciar na telona o medo vivido pelos personagens foi ainda maior e mais intensa do que o esperado e me marcou para sempre. Ainda assisti ele mais duas vezes no cinema naquele mesmo mês.

Muitos anos depois, quando já dentro do mundo do RPG, sempre tive aquela vontade de ver Aliens em uma mesa, com um competente mestre fazendo seus jogadores suarem frio. Embora muitos sistemas genéricos fossem (e ainda são) propícios para a criação de aventuras que usem a franquia Aliens como foco, sempre considerei que ela merecia uma publicação somente sua. Com um cenário muito maior do que o apresentado nos filmes, era necessário que uma publicação rica em informações e exclusiva em dados e regras fosse lançada para dar o suporte adequado aos jogadores na recriação do mesmo ambiente, possibilitando aventuras que pudessem ir muito além de um simples ‘horror em uma nave espacial’. Alien RPG é esse livro.
Eu já tinha dado uma boa olhada na edição em inglês, mas esperei a edição em português da New Order ser lançada para lê-lo novamente e fazer uma resenha adequada baseada nela. Vamos lá?

Qual o grande diferencial de Alien RPG? A Free League conseguiu algo que realmente não é fácil e normalmente é a grande falha em livros centrados em horror de um cenário específico. Eles conseguiram emular para dentro do RPG o medo, o horror, a antecipação do inesperado típico dos filmes dessa franquia. Pode-se dizer que aqui o cenário ajuda muito, mas a forma como as regras se encaixam à ele é que tem um grande valor em seu ótimo resultado final. E qual o segredo disso? Simples – as regras não foram mais importantes que o ambiente. As regras se encaixaram no cenário e não o contrário.

As regras básicas seguem uma sistemática simples, fluída e agradável que o Year Zero Engine proporciona - o sistema escolhido para o Alien RPG. Você quer acabar com a emoção ou imersão de um cenário é só atravancar a fluidez da condução do jogo com regras complexas. A Free League já tem um grande histórico de uso dessa mecânica em seus produtos... e como diz o velho ditado: “em time que está ganhando não se mexe”. Ele usa um sistema baseado em d6 onde todos os testes são solucionados com a construção de um conjunto de dados levando em consideração estatísticas do personagem e perícias treinadas por ele adequadas à ação. O número procurado é ao menos um resultado “6”, que significa sucesso na tentativa do que quer que seja que o personagem está tentado fazer.

Isso podem parecer simples (ou simplista), mas o ponto central que consegue sustentar o horror no sistema está justamente aqui. O ajuste de estatísticas dos personagens propicia que qualquer coisa na qual o personagem não seja especialista seja arriscado de ser feito. E em um cenário como esse, a falha é normalmente brindada com a morte terrível e dolorosa.


Junto com essa premissa sustentada pela mecânica, temos os Dados de Estresse. Sempre que o personagem está desesperado por um sucesso (onde ele pode falhar por não ser especialista) ele pode forçar uma rolagem rolando novamente dados que não tenham obtido sucesso, mas esses dados extras podem adicionar Estresse ao seu personagem (simbolizado pela imagem de um xenomorfo no número 1 dos dados amarelos), que vai literalmente se acumulando às jogadas do personagem e possibilitando que esse estresse se torne insuportável. O estresse também significa dados extras em rolagens... bom? Sim, mas sempre com a possibilidade de gerar mais e mais estresse. O estresse pode ser acumulado por vários outros motivos também (sofrer um ferimento grave ou ver um aliado morrer violentamente, entre outros). Em alguns casos isso até pode ajudar nas rolagens, mas quando o estresse ultrapassa o suportável ele leva ao pânico do personagem.

Grupo e mestre sabendo gerenciar essa dinâmica entre necessidade, rolagens e estresse e o palco estará pronto para incríveis cenas de tensão e horror em um ambiente típico da franquia Aliens. Uma tensão crescente conforme a aventura se desenrola e o horror aumenta. A forma simples e inteligente com que o sistema coloca o jogador na posição de se ver obrigado a trabalhar com isso, muitas vezes tendo que se atirar de braços abertos no risco, mesmo sabendo seu preço, é genial e crucial para este cenário. Some à tudo isso um detalhezinho na ficha chamado Meta Pessoal – que determina um agenda particular de conduta ou interesse pessoal do personagem que ele interpretará (ou esconderá) – e temos tudo pronto para emoção pura.

Mas e se o grupo deseja algo dentro do cenário, mas fora do horror. Lembram que eu disse que Aliens merecia um livro só dele por ser muito mais do que uma simples história de horror espacial? Pois há todo um universo de informações sobre o cenário que vão muito além de xenomorfos querendo acabar com sua vida. Você pode jogar Aliens RPG no modo Campanha, em contraposição ao modo Cinematográfico. O modo cinematográfico emula como se estivéssemos dentro de um dos tantos filmes da franquia onde a missão urgente inevitavelmente te colocará contra os mortais xenomorfos.


Já o modo campanha tem mais conteúdo fora do simples horror. O cenário de Aliens é repleto de exploração espacial e missões militares. Ok, normalmente você dará de cara com xenomorfos - ora, é um RPG de Aliens -, mas esse não será o foco central no modo campanha. Há perigos terríveis além dos xenomorfos espalhados pelo espaço e muitas vezes esse horror está nos próprios humanos e seus interesses.

De qualquer forma seja, modo campanha ou modo cinematográfico, todos eles poderão mesclar ou misturar narrativas, oscilando entre mais ou menos horror.

Dessa forma o livro gasta as cento e cinquenta páginas iniciais para nos apresentar mecânicas de jogo, construção de personagens e tudo o que for relacionado com equipamentos. As duzentas páginas restantes são uma incrível viagem tanto pelo cenário da franquia, bem como em informações para construção, emulação e gerenciamento do cenário. As informações e dicas vão de modelos de naves à corporações e seus interesses, de xenomorfos à outras criaturas, de construções de campanhas à como conduzir lima aventura de horror. É um verdadeiro deleite.

Estruturalmente eu gosto muito do resultado final do livro. Inicialmente eu achava que a leitura ficaria pesada com as páginas escuras e os efeitos sombrios que o cenário impõe, mas a verdade é que a baixa saturação das cores dos textos e das caixas de texto ajudaram muito. A leitura transcorre leve. Além disso, para quem é fã (e mesmo para quem não é) a composição de imagens é incrível. Não faltam referencias para suas aventuras. A tradução, do pouco que posso opinar, está muito boa.

Resultado
Muito mais do um RPG baseado em uma franquia de sucesso, Aliens RPG é uma obra competente e impecável para quem gosta não apenas de cenários de terror, mas de ficção científica. Amplo à ponto de abranger essas duas categorias, ele permite emoções distintas em sua mesa conforme a expectativa e os gostos do seu grupo de jogadores. Isso possibilita um tempo de vida longo para ele em suas mesas, mesmo com um grupo constante. Posso ser muito suspeito em dizer isso por minha relação com a franquia, mas eu considero Aliens RPG como uma obra próxima da perfeição, dentro de sua proposta.

E lembre-se... No espaço ninguém escutara seus gritos!





Nenhum comentário: