O "Mestre" profissional vs o “RPGista de bem”
Eu
realmente não queria entrar neste tema novamente por achar ele realmente
desnecessário, mas visto que algumas coisas têm me incomodado muito na reação
da comunidade rpgística, me vejo levado à isso. Há quase dois anos eu fiz uma
postagem sobre os cursos de mestragem de RPG, logo que anúncios de mestres
“profissionais” de RPG começaram a surgir com mais frequência – provavelmente
por causa das mudanças causadas pela pandemia. Aquela postagem não tinha a
intenção de encerrar o assunto, mas levantar alguns pontos sobre o tema,
delinear algumas questões e deixar muitas perguntas em aberto. Agora, quase
dois anos depois, as coisas parecem um pouco mais... ásperas.
Vamos
começar com o que me levou à esta postagem. Nas últimas semanas tem aparecido
no Facebook uma postagem patrocinada (uma espécie de anúncio pago na
plataforma) de um curso para mestres de RPG – não darei o nome do curso. O dito
curso apresenta-se na forma de uma aula inaugural (chamada de masterclass) que
ocorrerá em um dia futuro no mês de setembro e que deverá servir de porta de
entrada para aqueles que se sentirem satisfeitos terem a possibilidade de
adquirirem seu material pago (o curso em si). Até aqui tudo bem para mim.
Alguém está prestando um serviço na forma de uma amostra e quem se interessar –
conforme o resultado dessa amostra – adquire o produto. Nada mais normal.
O
problema para mim surgiu quando membros da comunidade rpgistica começou não só a
criticar essa iniciativa, mas assumir uma reação mais agressiva ao tal curso - entenda-se
agressiva não como violenta, mas como preconceituosa, desrespeitosa ou “baixa”.
Os comentários negativos, disfarçados de piada ou com memes que claramente
possuem duplo sentido (sendo um deles nem um pouco adequado) ou mesmo ofensas
diretas demonstraram rpgistas sem um mínimo de discernimento de onde termina a
crítica (sustentada em seu entendimento e gosto pessoal) e onde começa a ofensa.
A crítica em si sempre é saudável para qualquer tema - polêmico ou não. O
debate advindo da crítica sempre é construtivo – ou deveria ser –
possibilitando alteração, melhoria e ajustes de ideias, conceitos e iniciativas.
Infelizmente, o que veio junto com esse debate (reforço que de uma parte da
comunidade apenas) mostra uma outra faceta do rpgista que nós já conhecemos bem
e que sempre lutamos para erradicar e enterrar.
Vamos
entender um pouco o caso. Um viés da crítica de uma parte da comunidade
rpgistica vem da autodenominação ‘profissional’ por parte das pessoas que
ministram esses cursos. Eles criticam a impossibilidade dessas pessoas usarem
esse termo visto que ser um profissional implicaria em uma série de elementos
que quem ministra esses cursos não possuiria – indo desde normas claras e
legislação da “profissão” até reconhecimento legal. Além disso, essa mesma
parcela da comunidade rpgista argumenta que seria “errado” alguém cobrar para
ensinar outras pessoas à mestrarem RPG, visto que a prática do RPG é um hobby e
que todos deveriam ter acesso ao RPG sem custos.
Meus
dois centavos sobre o tema.
Primeiramente
não vejo como um erro o uso do termo ‘profissional’ por parte de quem ministra
esses cursos de mestragem, mas não considero esse termo adequado apenas para
eles. Eu vou além. Eu estaria pronto para considerar o termo adequado para todo
mestre de RPG visto que eles gastam tempo, estudo e recursos na preparação de
suas sessões e campanhas, e tendem a se aprimorar continuamente (muitas vezes mesmo
sem perceber) dentro de seus sistemas e cenários preferidos. Profissionalismo é
dedicação e preparo – algo que está vinculado ao mestre de RPG e não apenas
burocracia. Dito isso, eles não estariam errados. Ao que parece muito da
indignação vem mais deles terem tido a iniciativa em adotarem esse termo do que
de qualquer outra coisa. Lógico que podemos passar horas debatendo em qual
ponto o mestre tem dedicação e preparo o suficiente para poder ser considerado
um mestre ou não, mas realmente é uma conversa sem sentido e infrutífera. O
importante é sabermos: tal mestre dá o que o grupo quer? Se sim, perfeito.
Outra
coisa que percebo é que existe uma indignação um tanto seletiva dessa mesma
parcela sobre o uso do termo “profissional”. Muitos outros deixam transparecer
seu ‘profissionalismo’ usando outros termos, sem escancarar o termo
propriamente dito, mas não geram tanta reclamação. Muitos “mestres” mais
conhecidos, pessoas do ramo e canais de streamings de jogos de RPG nas várias
plataformas usam o mesmo caráter de “profissionalismo” de sua atividade e de
seus programas (às vezes dizendo isso claramente) e não geram a mesma reação. O
problema estaria em quem usa tal termo então? O problema seria alguém “de fora”
o usando? Será que é uma questão separação hierarquizada, quase um elemento de
status? O problema estaria na cobrança pelo serviço que acontece nesses cursos,
mas que não acontece nos outros exemplos?
Até
aqui o debate deveria ser para deixar claro quais os elementos de um mestre
profissional no RPG –deixei clara minha posição anteriormente... somos todos
somos... eu, tu, o badanha e inclusive quem ministra os cursos – do que tentar
provar por a mais b que “eles” não podem se autodenominar assim.
Com
relação à cobrança eu também não vejo um problema. Particularmente eu não
pagaria, mas sou uma pessoa que conhece RPG à um certo tempo e realmente não
seria útil para mim. Já tive experiência com muitos sistemas e cenários ao
longo dos anos, jogo regularmente, já mestrei e sou do meio do RPG produzindo
material. Por tudo isso minha opinião está poluída pela minha própria vivência
dentro do RPG. Mas essa segurança pode ser estendida à todos que jogam ou
desejam jogar? Todos têm essa mesma tranquilidade? Alguém que começaria hoje
estaria disposto à corajosamente se aventurar em mestrar uma aventura ou
campanha de RPG? Todos têm a mesma capacidade de apenas com as diretrizes que
estão nos vários livros básicos conseguirem realizar a mestragem que agrade a
sim e satisfaça sua mesa? Para todas essas perguntas a resposta poderá ser sim
ou não.
Se
alguém que aprecia ou precisa de uma ajuda para ingressar no RPG, ou mesmo
alguém que gostaria de ter uma outra visão, tiver interesse em pagar... qual o
verdadeiro problema disso? Não vejo mal algum em alguém pagar por um serviço
que escolheu livremente receber. Até podemos questionar e ponderar se tal
pessoa não deveria experimentar mestrar (usando livros e coragem) antes de
entrar em um curso, mas isso cabe à cada um. Ninguém está sendo obrigado à ingressar
em um curso ou será excluído de tal hobby maravilhoso se não fizer o curso. Material
gratuito ou pago existe em quantidade para quem quiser pegar ou comprar, de
forma que qualquer um que queria começar sozinho terá condições.
O
debate deveria ser centrado em relação à qualidade que o material ou resultado
final do curso deveria ter para ser justo cobrar por ele, ou qual o valor justo
frente à tal e tal material. Espero não ser injusto, mas em alguns casos e
argumentos contra a cobrança e uso do termo “profissional” eu percebo mais uma
espécie de medo por “reserva de mercado” (se é isso é capaz de ser feito em
RPG) ou mesmo uma espécie de indignação por esses cursos ferirem uma
normatização artificial e arbitrária do que é ser mestre de RPG. Complicado.
Um
segundo ponto, e o que mais me incomoda, é a reação desproporcional de membros
que se acham no dever ou direito de atacar ou ridicularizar os ministrantes
desses cursos por estarem fora do “padrão” que eles acham correto. Isso obrigou
ao tal curso que mencionei no início da postagem a simplesmente fazer sua
propaganda desabilitando comentários. Seja em outra postagem, onde o debate
está sendo realizado, seja na própria postagem do dito curso, muitos se sentem
tranquilos para realizar comentários e ponderações que além de demonstrarem seu
desagrado, também desrespeitam e achincalham as iniciativas desses
ministrantes. É aquela velha história de todos acharem que “têm razão” e se
sentirem seguros de realizar atos sem medo porque estão atrás da cortina das
redes sociais. Triste.
Ao
meu ver, mesmo que seja em outro lugar (uma postagem onde os tais ministrantes ‘nunca’
irão ver/ler ou mesmo uma postagem pessoal), tomar tais ações apenas evidencia
algo que lutamos para acabar dentro da comunidade – o ódio e o desrespeito, algumas
vezes ligados à apoios para outras iniciativas normatizadas/preferidas ou ao
senso comum da comunidade. Temos tido muitos problemas em manter o ambiente
limpo da toxidade quase natural da nossa comunidade de RPG frente à muitos
assuntos como gênero, racismo, preconceitos variados e até mesmo preferência
por sistemas, e esse tipo de ação – quando se sai da crítica construtiva e
parte-se para a irracional e desrespeitosa “piada inocente” ou “comentário sem
pretensões” – deveria ligar uma luz de alerta urgentemente. Essas ações não
constroem nada, apenas servem para um grupo ou uma visão de RPG marcar sua posição
e estigmatizar toda a comunidade.
Profissionalismo
ou cobrança no RPG são debates muito interessantes e, por que não, necessários.
Mas serão uteis apenas se vistos como verdadeiros elementos para melhoria da
qualidade do RPG, para construção de ambientes seguros, para o desenvolvimento
de práticas usáveis e construtivas e não centrados em egos, senso comum e
visões “protecionistas”. Da parte negativa já temos de sobra... que tal
partirmos para algo mais interessante?
2 comentários:
Como tudo atualmente, tá virando bagunça porque todo mundo que ataca acha que não vai dar em nada por estar protegido pelo dito ' véu da rede social '
Perfeito o texto. Eu também não entendi qual a indignação acerca do curso. Ainda mais quando grande parte das críticas se originaram de uma galera já estabelecida no cenário e que volta e meia vem discursar sobre o que é certo e errado no RPG, que quando são confrontados sempre vão atrás do "é assim que eu lido com RPG, cada um faz do jeito que quer" mas que, aparentemente, só é válido para eles, já que são críticos ferrenhos a qualquer um que pense diferente. Afinal, qual a diferença entre a dita "masterclass" com qualquer vídeo no youtube ou podcast destinado ao jogador iniciante? Pra quem joga RPG a mais tempo certas coisas parecem óbvias, mas pra quem não o faz e que está começando, muita coisa no RPG é complicada, eu mesmo, quando quis começar a jogar, não tinha grupo, ia atrás dos livros e simplesmente não entendia o jogo, o conceito de narração, testes, etc. Muitas vezes esses mesmos críticos pintam os iniciantes como preguiçosos, iletrados e respondem as dúvidas dos inexperientes com "vá ler o livro", sendo que muitas vezes os materiais originais não são claros para quem é novo no hobbie.
Outra crítica muito comum foi a de anunciarem algo do tipo "seja o MELHOR mestre", argumentando sempre que não existe um "melhor" dentro do RPG. Pois bem, se não existe um superlativo dentro do RPG, por que estampar "O MELHOR" ou "O MAIOR" ou "O MAIS FAMOSO" em livros de RPG. A impressão que fica é que o erro do curso foi o de não estar sob a chancela dos figurões do RPG nacional.
Além disso, fazer chacota com termos e técnicas que seriam ensinados no curso. Qual o problema em criar técnicas de narrativa e as nomear? Muitos iniciantes podem se beneficiar disso.
Pois bem, deixo aqui minha opinião, e assim como os críticos me protejo atrás do véu da rede social.
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