sábado, 25 de setembro de 2021

O “Mestre profissional de RPG” vs o “RPGista de bem”

  

O "Mestre" profissional vs o “RPGista de bem”

 
Eu realmente não queria entrar neste tema novamente por achar ele realmente desnecessário, mas visto que algumas coisas têm me incomodado muito na reação da comunidade rpgística, me vejo levado à isso. Há quase dois anos eu fiz uma postagem sobre os cursos de mestragem de RPG, logo que anúncios de mestres “profissionais” de RPG começaram a surgir com mais frequência – provavelmente por causa das mudanças causadas pela pandemia. Aquela postagem não tinha a intenção de encerrar o assunto, mas levantar alguns pontos sobre o tema, delinear algumas questões e deixar muitas perguntas em aberto. Agora, quase dois anos depois, as coisas parecem um pouco mais... ásperas.

Vamos começar com o que me levou à esta postagem. Nas últimas semanas tem aparecido no Facebook uma postagem patrocinada (uma espécie de anúncio pago na plataforma) de um curso para mestres de RPG – não darei o nome do curso. O dito curso apresenta-se na forma de uma aula inaugural (chamada de masterclass) que ocorrerá em um dia futuro no mês de setembro e que deverá servir de porta de entrada para aqueles que se sentirem satisfeitos terem a possibilidade de adquirirem seu material pago (o curso em si). Até aqui tudo bem para mim. Alguém está prestando um serviço na forma de uma amostra e quem se interessar – conforme o resultado dessa amostra – adquire o produto. Nada mais normal.

O problema para mim surgiu quando membros da comunidade rpgistica começou não só a criticar essa iniciativa, mas assumir uma reação mais agressiva ao tal curso - entenda-se agressiva não como violenta, mas como preconceituosa, desrespeitosa ou “baixa”. Os comentários negativos, disfarçados de piada ou com memes que claramente possuem duplo sentido (sendo um deles nem um pouco adequado) ou mesmo ofensas diretas demonstraram rpgistas sem um mínimo de discernimento de onde termina a crítica (sustentada em seu entendimento e gosto pessoal) e onde começa a ofensa. A crítica em si sempre é saudável para qualquer tema - polêmico ou não. O debate advindo da crítica sempre é construtivo – ou deveria ser – possibilitando alteração, melhoria e ajustes de ideias, conceitos e iniciativas. Infelizmente, o que veio junto com esse debate (reforço que de uma parte da comunidade apenas) mostra uma outra faceta do rpgista que nós já conhecemos bem e que sempre lutamos para erradicar e enterrar.

Vamos entender um pouco o caso. Um viés da crítica de uma parte da comunidade rpgistica vem da autodenominação ‘profissional’ por parte das pessoas que ministram esses cursos. Eles criticam a impossibilidade dessas pessoas usarem esse termo visto que ser um profissional implicaria em uma série de elementos que quem ministra esses cursos não possuiria – indo desde normas claras e legislação da “profissão” até reconhecimento legal. Além disso, essa mesma parcela da comunidade rpgista argumenta que seria “errado” alguém cobrar para ensinar outras pessoas à mestrarem RPG, visto que a prática do RPG é um hobby e que todos deveriam ter acesso ao RPG sem custos.

Meus dois centavos sobre o tema.

Primeiramente não vejo como um erro o uso do termo ‘profissional’ por parte de quem ministra esses cursos de mestragem, mas não considero esse termo adequado apenas para eles. Eu vou além. Eu estaria pronto para considerar o termo adequado para todo mestre de RPG visto que eles gastam tempo, estudo e recursos na preparação de suas sessões e campanhas, e tendem a se aprimorar continuamente (muitas vezes mesmo sem perceber) dentro de seus sistemas e cenários preferidos. Profissionalismo é dedicação e preparo – algo que está vinculado ao mestre de RPG e não apenas burocracia. Dito isso, eles não estariam errados. Ao que parece muito da indignação vem mais deles terem tido a iniciativa em adotarem esse termo do que de qualquer outra coisa. Lógico que podemos passar horas debatendo em qual ponto o mestre tem dedicação e preparo o suficiente para poder ser considerado um mestre ou não, mas realmente é uma conversa sem sentido e infrutífera. O importante é sabermos: tal mestre dá o que o grupo quer? Se sim, perfeito.

Outra coisa que percebo é que existe uma indignação um tanto seletiva dessa mesma parcela sobre o uso do termo “profissional”. Muitos outros deixam transparecer seu ‘profissionalismo’ usando outros termos, sem escancarar o termo propriamente dito, mas não geram tanta reclamação. Muitos “mestres” mais conhecidos, pessoas do ramo e canais de streamings de jogos de RPG nas várias plataformas usam o mesmo caráter de “profissionalismo” de sua atividade e de seus programas (às vezes dizendo isso claramente) e não geram a mesma reação. O problema estaria em quem usa tal termo então? O problema seria alguém “de fora” o usando? Será que é uma questão separação hierarquizada, quase um elemento de status? O problema estaria na cobrança pelo serviço que acontece nesses cursos, mas que não acontece nos outros exemplos?

Até aqui o debate deveria ser para deixar claro quais os elementos de um mestre profissional no RPG –deixei clara minha posição anteriormente... somos todos somos... eu, tu, o badanha e inclusive quem ministra os cursos – do que tentar provar por a mais b que “eles” não podem se autodenominar assim.

Com relação à cobrança eu também não vejo um problema. Particularmente eu não pagaria, mas sou uma pessoa que conhece RPG à um certo tempo e realmente não seria útil para mim. Já tive experiência com muitos sistemas e cenários ao longo dos anos, jogo regularmente, já mestrei e sou do meio do RPG produzindo material. Por tudo isso minha opinião está poluída pela minha própria vivência dentro do RPG. Mas essa segurança pode ser estendida à todos que jogam ou desejam jogar? Todos têm essa mesma tranquilidade? Alguém que começaria hoje estaria disposto à corajosamente se aventurar em mestrar uma aventura ou campanha de RPG? Todos têm a mesma capacidade de apenas com as diretrizes que estão nos vários livros básicos conseguirem realizar a mestragem que agrade a sim e satisfaça sua mesa? Para todas essas perguntas a resposta poderá ser sim ou não.

Se alguém que aprecia ou precisa de uma ajuda para ingressar no RPG, ou mesmo alguém que gostaria de ter uma outra visão, tiver interesse em pagar... qual o verdadeiro problema disso? Não vejo mal algum em alguém pagar por um serviço que escolheu livremente receber. Até podemos questionar e ponderar se tal pessoa não deveria experimentar mestrar (usando livros e coragem) antes de entrar em um curso, mas isso cabe à cada um. Ninguém está sendo obrigado à ingressar em um curso ou será excluído de tal hobby maravilhoso se não fizer o curso. Material gratuito ou pago existe em quantidade para quem quiser pegar ou comprar, de forma que qualquer um que queria começar sozinho terá condições.

O debate deveria ser centrado em relação à qualidade que o material ou resultado final do curso deveria ter para ser justo cobrar por ele, ou qual o valor justo frente à tal e tal material. Espero não ser injusto, mas em alguns casos e argumentos contra a cobrança e uso do termo “profissional” eu percebo mais uma espécie de medo por “reserva de mercado” (se é isso é capaz de ser feito em RPG) ou mesmo uma espécie de indignação por esses cursos ferirem uma normatização artificial e arbitrária do que é ser mestre de RPG. Complicado.

Um segundo ponto, e o que mais me incomoda, é a reação desproporcional de membros que se acham no dever ou direito de atacar ou ridicularizar os ministrantes desses cursos por estarem fora do “padrão” que eles acham correto. Isso obrigou ao tal curso que mencionei no início da postagem a simplesmente fazer sua propaganda desabilitando comentários. Seja em outra postagem, onde o debate está sendo realizado, seja na própria postagem do dito curso, muitos se sentem tranquilos para realizar comentários e ponderações que além de demonstrarem seu desagrado, também desrespeitam e achincalham as iniciativas desses ministrantes. É aquela velha história de todos acharem que “têm razão” e se sentirem seguros de realizar atos sem medo porque estão atrás da cortina das redes sociais. Triste.

Ao meu ver, mesmo que seja em outro lugar (uma postagem onde os tais ministrantes ‘nunca’ irão ver/ler ou mesmo uma postagem pessoal), tomar tais ações apenas evidencia algo que lutamos para acabar dentro da comunidade – o ódio e o desrespeito, algumas vezes ligados à apoios para outras iniciativas normatizadas/preferidas ou ao senso comum da comunidade. Temos tido muitos problemas em manter o ambiente limpo da toxidade quase natural da nossa comunidade de RPG frente à muitos assuntos como gênero, racismo, preconceitos variados e até mesmo preferência por sistemas, e esse tipo de ação – quando se sai da crítica construtiva e parte-se para a irracional e desrespeitosa “piada inocente” ou “comentário sem pretensões” – deveria ligar uma luz de alerta urgentemente. Essas ações não constroem nada, apenas servem para um grupo ou uma visão de RPG marcar sua posição e estigmatizar toda a comunidade.

Profissionalismo ou cobrança no RPG são debates muito interessantes e, por que não, necessários. Mas serão uteis apenas se vistos como verdadeiros elementos para melhoria da qualidade do RPG, para construção de ambientes seguros, para o desenvolvimento de práticas usáveis e construtivas e não centrados em egos, senso comum e visões “protecionistas”. Da parte negativa já temos de sobra... que tal partirmos para algo mais interessante?

2 comentários:

Arcannes & Chelsea disse...

Como tudo atualmente, tá virando bagunça porque todo mundo que ataca acha que não vai dar em nada por estar protegido pelo dito ' véu da rede social '

Anônimo disse...

Perfeito o texto. Eu também não entendi qual a indignação acerca do curso. Ainda mais quando grande parte das críticas se originaram de uma galera já estabelecida no cenário e que volta e meia vem discursar sobre o que é certo e errado no RPG, que quando são confrontados sempre vão atrás do "é assim que eu lido com RPG, cada um faz do jeito que quer" mas que, aparentemente, só é válido para eles, já que são críticos ferrenhos a qualquer um que pense diferente. Afinal, qual a diferença entre a dita "masterclass" com qualquer vídeo no youtube ou podcast destinado ao jogador iniciante? Pra quem joga RPG a mais tempo certas coisas parecem óbvias, mas pra quem não o faz e que está começando, muita coisa no RPG é complicada, eu mesmo, quando quis começar a jogar, não tinha grupo, ia atrás dos livros e simplesmente não entendia o jogo, o conceito de narração, testes, etc. Muitas vezes esses mesmos críticos pintam os iniciantes como preguiçosos, iletrados e respondem as dúvidas dos inexperientes com "vá ler o livro", sendo que muitas vezes os materiais originais não são claros para quem é novo no hobbie.
Outra crítica muito comum foi a de anunciarem algo do tipo "seja o MELHOR mestre", argumentando sempre que não existe um "melhor" dentro do RPG. Pois bem, se não existe um superlativo dentro do RPG, por que estampar "O MELHOR" ou "O MAIOR" ou "O MAIS FAMOSO" em livros de RPG. A impressão que fica é que o erro do curso foi o de não estar sob a chancela dos figurões do RPG nacional.
Além disso, fazer chacota com termos e técnicas que seriam ensinados no curso. Qual o problema em criar técnicas de narrativa e as nomear? Muitos iniciantes podem se beneficiar disso.
Pois bem, deixo aqui minha opinião, e assim como os críticos me protejo atrás do véu da rede social.