‘Um porto seguro’:
como Dungeons & Dragons está eliminando a ansiedade social
Na
semana passada um artigo incrível foi lançado no jornal inglês The Guardian
falando sobre muitos dos benefícios do RPG no tratamento de uma série de efeitos
sociais e psicológicos que assolam um grande número de pessoas na nossa
sociedade atual. Achei importante trazer tal matéria para o português para dar
uma cesso mais amplo às considerações sobre o tema. Embora o artigo se centre
no D&D, as conclusões podem se estender muitos dos outros sistemas existentes.
A matéria foi lançada na edição digital de 29 de novembro de 2021, autoria de
Andy Hazel (link).
‘Um porto seguro’:
como Dungeons & Dragons está eliminando a ansiedade social
O
jogo de RPG de maior sucesso do mundo pode fornecer um lar em meio ao caos para
aqueles que lutam contra a angústia pós-lockdown.
Restrições
à pandemia são retiradas em toda a Austrália e mais atividades face a face são
retomadas, a socialização pode ser uma fonte de profunda ansiedade para muitas
pessoas. Mas e se, ao se encontrar com outras pessoas, você não precise
ser você mesmo? Se a tomada de decisão é feita por meio de um personagem
que você cria e as consequências são determinadas pelo lançamento de dados?
Desde
seu início em meados da década de 1970, o RPG de mesa Dungeons & Dragons
(D&D) reuniu uma gama muito mais diversificada de jogadores do que seus
estereótipos sugerem. No início deste ano, a editora do jogo, Wizards of
the Coast, divulgou um relatório mostrando que, de seus estimados 50
milhões de jogadores, 54% tinham menos de 30 anos e 40% eram identificados como
mulheres. O que não revelou foi o aumento da visibilidade
de jogadores queer e neurodiversos.
“Sempre
foi um refúgio seguro para as pessoas que podem não se sentir em casa em outro
lugar”, diz o principal designer de regras do jogo, Jeremy Crawford. “D&D
é sobre um grupo de pessoas com passados totalmente
diferentes se unindo para criar uma família intencional e superar as
adversidades. Um grupo de jogadores é mais forte devido às diferenças
entre si. Você não quer quatro guerreiros; você quer um guerreiro, um
clérigo, um ladino e um mago. Em outras palavras, você quer um grupo
poderoso por causa de sua diversidade.”
Para
jogar, um contador de histórias - conhecido no jogo como Dungeon Master, ou Mestre
- conduz um grupo de jogadores por uma aventura ambientada em um mundo
imaginário. É seu papel dar vida àquele mundo ao redor dos jogadores,
descrever ou representar os personagens ou criaturas que eles encontram e
lançar os dados que decidem os resultados das decisões do grupo. Os jogos podem
envolver mais de uma dúzia de jogadores, mas a maioria apresenta de quatro a
seis jogadores que se reúnem ao redor de uma mesa com livros, dados, lápis e
papel. Alguns podem entrar via Zoom; às vezes miniaturas, estatuetas
e mapas podem ser usados para ilustrar a
aventura.
Para
pessoas como Shadia Hancock, a fundadora do grupo de defesa Austim Actually
e Dungeon Master para um grupo de jovens jogadores neurodiversos, o potencial
terapêutico do jogo sempre foi claro.
“Trata-se
de criar um senso de comunidade”, diz Hancock. “Eu trabalho as
expectativas dos jogadores no início do jogo. Alguns realmente se
interessam pela criação de seus personagens, alguns estão mais interessados em encontrar
itens e explorar o mundo, outros estão realmente interessados em como os
personagens se conheceram. Todos nós temos um amor mútuo por jogos, mas
todos queremos algo diferente da sessão.”
Algumas
características expressas por alguns dos jogadores de Hancock - ansiedade
social, empatia aumentada, dificuldade de adaptação a mudanças, sensação de
opressão em ambientes barulhentos - tornaram-se familiares para muitos
australianos após os lockdonws. Estudos citado pelo Instituto Australiano
de Saúde e Bem-Estar relatou níveis de ansiedade social aumentado ao longo
dos últimos dois anos entre todas as faixas etárias, com o jovem neurodiverso australiano
ainda mais provável de experimentar um declínio no seu bem-estar.
“Enquanto
outras pessoas estão animadas para sair, estou cheio de pavor”, Hancock diz. “Com
a Covid, nós [comunidades autistas] tivemos todas essas mudanças
repentinas, muitas vezes com pouca antecedência, e havia essa necessidade de
nos adaptarmos constantemente às novas regras. Não saber o que está por
vir é realmente indutor de ansiedade. Durante a pandemia, isso se tornou
uma experiência compartilhada.”
Embora
não faltem histórias sobre como o D&D transformou a vida de jogadores
neurodiversos e suas famílias, os estudos publicados são poucos e de pequeno escopo.
“Antes
de começar, os jogadores podem estar mais retraídos e não acostumados a
situações sociais mais amplas”, diz Hancock. “Mas depois que eles
criam seus personagens e se acostumam com a estrutura do jogo, eles se tornam
mais extrovertidos. Promove amizades que, em ambientes não estruturados,
também não fluiriam. Ter esse formato baseado em atividades e uma
abordagem colaborativa dá aos jogadores suporte para tentar coisas novas”.
Superar
o medo do fracasso é um dos aspectos terapêuticos mais notáveis do jogo. Ao
longo do jogo, o jogador ou Mestre lançará um dado para decidir o resultado de
uma decisão. Você notará a porta secreta na parede do castelo? Você
pode determinar a história de um livro antigo? Você consegue encantar um
unicórnio? Embora o fracasso não seja evitado, ele é potencialmente
instrutivo e, muitas vezes, uma desculpa para o humor e o alívio da tensão.
“Acho
que o jogo é realmente poderoso”, diz Crawford. “Isso permite que
os jogadores sejam ousados de maneiras que são difíceis em
nossas vidas diárias, sabendo que se as coisas derem muito errado, poderemos
rir disso.”
A
designer americana de jogos Amanda Hamon usou a vida adolescente como
inspiração para seu próximo livro de D&D, Strixhaven: A Curriculum of
Chaos. Strixhaven é uma universidade magicamente aprimorada onde os
jogadores chegam como estudantes, ingressam em faculdades, formam e administram
relacionamentos e lidam com forças sinistras. A arte do livro, algumas das
quais extraídas do jogo de cartas colecionáveis, Magic: The Gathering, “atrai
alunos e professores de todo o mundo e de outros reinos do multiverso”.
“À
medida que D&D cresceu, os criadores perceberam que este jogo é para todos”,
diz Hamon. “Há muitas pessoas que estão jogando e queremos que todos se
sintam bem-vindos e venham para a mesa. Eu recebo perguntas como: ‘Como é
agora que D&D é mais diversificado?’ Mas sempre foi. Você pode
não ter necessariamente visto, porque as pessoas que estavam fazendo as coisas
nem sempre pensavam: ‘Ei, há todo esse vasto mundo de gente lá fora.’ ”
Por
uma série de razões, muitos jogadores preferem jogar D&D em plataformas
online, como Zoom, Discord ou Roll20. Outros possuem um arranjo híbrido de
jogadores presenciais e remotos. Conforme a tecnologia evolui, D&D
continua a crescer em popularidade, com um número maior de pessoas achando
atraente se mover por meio de conversas e encontros em um ritmo mais
gerenciável e substituindo a ambigüidade das interações do mundo real por
aventuras da imaginação compartilhadas.
Um comentário:
RPG é uma porta aberta para interações sociais.
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