A importância do mestre ser imparcial
Parece
uma coisa óbvia de se dizer quando falamos de RPG, mas muitas vezes é
necessário relembrar o óbvio. Depois de uma desagradável experiência recente em
uma campanha de RPG, resolvi tocar nesse assunto que em um primeiro momento
poderia parecer, para a maioria, como uma simples dica que deveria ser
direcionada à novatos.
RPG
é um hobby socializante onde pessoas se reúnem para compartilhar uma
experiência, baseada em um determinado sistema de regras em um determinado
cenário. Embora haja posições (funções) distintas para mestre e jogadores – pelo
menos na maioria dos sistemas –, a função fim proporcionada pelo RPG é a mesma
para ambos – diversão.
Diversão
é um termo um tanto amplo e repleto de nuances conforme a expectativa de cada
um, mas no final das contas é o que todos os que abraçam o RPG procuram. E para
chegar à isso não é preciso muito – respeitar os outros jogadores, ter empatia
pela diversão do outro e manter os acordos implícitos da mesa, como seguir as
regras ou quais regras seguir de forma que todos sejam contemplados.
Para
que tudo isso conduza todos os participantes da mesa (mestre e jogadores) à
diversão desejada, espera-se que o mestre exerça sua função no mínimo de forma
isenta, ou seja, não quebre com as expectativas que os participantes têm com
relação ao acordo implícito de que ele fará tudo andar de forma justa nessa
relação.
Quando
o mestre exerce essa função da forma esperada – e não estou aqui entrando no
debate de como mestrar – isso cria uma conexão entre todos. No meu caso, isso
cria um sentimento de segurança de que as coisas estão sendo feitas da forma
correta. Não é sobre fazer combos, “vencer”, haver plot twist ou de não sofrer
um TPK (sigla para Total Party Kill), mas sim de todos terem a real
noção de que qualquer coisa que aconteça na mesa com os personagens chegou
àquele ponto de forma correta e natural. Minhas melhores e memoráveis
experiências em mesa foram quando meus personagens sofreram grandes reveses ou
morreram. É uma grande satisfação saber que as coisas estão no seu lugar.
Para
tudo isso o mestre tem um papel importante. Mas e quando ele foge desse tipo de
ação? O que acontece quando ele deixa de lado a sua isenção frente à condução
da mesa? Quando isso acontece a confiança é quebrada em vários níveis.
Quando
jogamos RPG decidimos pelas ações de nossos personagens. Como ele agirá, como
ele se relacionará com os NPCs, estratégias de combate e tantas outras coisas,
contribuindo para a construção de nosso personagem na mesa e para nós mesmos. Para
isso usamos certos parâmetros simples de causa e consequência, parâmetros esses
baseados no conhecimento das regras, no conhecimento e na interação com o
cenário e na confiança nas decisões do mestre. Quando o mestre se torna parcial
– ou seja, pondera e aplica as regras de forma que seu embasamento não está
sustentado na neutralidade ou na manutenção do dito ‘acordo’ ou está baseado em
interesses próprios ligados às suas preferencias do que “acha mais
interessante” ou para sustentar artificialmente algum ponto da aventura – isso
faz com que os jogadores não tenham tranquilidade em tomar suas ações.
Quando
isso acontece o jogador fica em meio à insegurança. Ele não tem mais como
ponderar como seu personagem deve agir, pois não há parâmetros definidos.
Pior
ainda é quando o mestre tem ações/decisões diferentes para jogadores
diferentes. Além da insegurança já comentada anteriormente, isso gera um enorme
desconforto, pois quebra o acordo e atinge em cheio a relação pessoal do
mestre com os jogadores (pelo menos aqueles que foram desconsiderados pelo
mestre). Se o RPG é um hobby socializante, isso põe por terra a relação entre
alguns membros da mesa e está fadado ou a terminar a mesa antecipadamente ou em
ir até o fim, mas com aquele gosto amargo de foi uma péssima experiência.
Não
importa qual das ações do mestre descritas acima, qualquer uma delas não
resultará na diversão almejada por todos. Este tipo de problema pode parecer
algo que deva ser passado para mestres novatos, mas infelizmente nenhum mestre
com alguma experiência está livre de cometer esses equívocos. Mestres veteranos
podem facilmente esbarrar nesse problema sem nem ao menos se dar conta.
O
importante é estarmos nos policiando constantemente enquanto estivermos
mestrando e ter sempre um canal de comunicação claro e sem barreiras com todos
os membros da mesa. Qualquer um que está mestre precisa ter a nítida noção de
que sua posição não é de poder, mas de função. Os jogadores precisam estar
sempre atentos para que qualquer equívoco do mestre possa ser conversado
claramente e não seja deixado passar. O elemento socializante da mesa também
passa por essa relação direta e sincera entre seus participantes.
Enquanto
todos estiverem mirando na diversão de todos e deixando isso claro uns para os
outros, o resultado será sempre satisfatório.
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