Pathfinder Contos
Fortão, o gato aventureiro
Capítulo 1
Antes de mais nada vamos deixar
claro. Fortão é um gato. Sim, um gato. Um felino com quatro patas, uma cauda
irrequieta e com a costumeira mania de miar e ronronar. Embora muitas vezes ele
próprio não perceba isso, nasceu gato e muito provavelmente morrerá gato.
Abençoado pela divindade da natureza, Gozreh, ele tem todas as peculiaridades
de sua espécie. Dorme em rompantes de exagero, não dispensa um bom bocado de
leite ou peixe e possui uma personalidade muito forte, embora não venha daí seu
nome.
Com todas essas características, típicas
dos seus, ele arranjou outra apenas dele. Ele participa de um grupo de
aventureiros. Muito embora o grupo tivesse certeza que aquele felino os seguia por
serem seus donos, Fortão tinha certeza de que era mais um membro daquela trupe
e que possuía uma função muito específica em cada missão.
Anos atrás, como ele mesmo gosta
de recordar ou comentar com seus conhecidos, fora abandonado na vida dura das
ruas de Otari, na costa sul da ilha de Krotos, cidade que divide seu dia a dia
entre o comércio de madeira e a passagem de aventureiros. Aprendeu em seus
longos meses de infância que a vida não era fácil para quem estava sozinho e
que para conquistar o leite de cada dia teria de superar obstáculos com a criatividade
felina típica dos gatos de rua.
Sempre que possível acompanhava
os gatos mais velhos, e até mesmo cachorros, embora nunca confesse isso à
ninguém, para aprender como escapar de enrascadas ou como se portar em
combates.
Outra de suas atividades
preferidas era passar horas ao sol sobre os barris do porto. Qualquer desavisado
poderia jurar que aquele era o gato mais vadio daquela cidade. Mas na verdade
ele passava horas cuidando os navios que aportavam analisando quem chegava ou partia,
procurando curiosidades, referências ou boas histórias de aventuras e, muitas
vezes, sonhando ele mesmo em estar numa daquelas embarcações perseguindo sua
própria aventura.
Ninguém poderia dizer que ele não
era um gato peculiar.
Mas sua vida realmente mudou
quando algo aconteceu em sua taverna. Sim, sua. Gatos, como muitos já devem saber
acham que são donos de tudo. Entram e saem quando bem entendem, comem quando
desejam e são capazes de rejeitar o melhor atum se ele simplesmente não estiver
com vontade de agradar. Então sim, a taverna era dele.
A taverna Truculento Peixe-Pedra era
pequena e aconchegante e ele gostava dela principalmente por isso, atraindo
aventureiros que gastavam horas contando seus feitos enquanto esperava um navio
para percorrer o Mar Interior ou caravana para cruzar a ilha de Krotos. A
janela da cozinha era sua porta de entrada e sempre que passava por ali não
dispensava um rápido dejejum jogado por Thuragar, o cozinheiro. Preferia peixe
fresco, mas também se contentava com salames e tiras de carne. A taverna era
gerenciada por Hernus, irmão de Thuragar, que como o irmão apreciava muito a
presença do felino. Sempre que o via fazia questão de brincar com o amigo de
quatro patas realizando uma cordial e engraçada saudação. “Bem-vindo, meu
senhor de cauda peluda” – dizia ele ao gato – “espero que esteja bem
nesta linda manhã, meu senhor!”. Isso ajudava Fortão à realmente achar que
aquele estabelecimento lhe pertencia.
Mas a vida de Fortão mudou numa
bela manhã em plena estação das flores. Como de costume Fortão estava deitado
ao sol após uma longa noite perambulando por entre os telhados com outros
gatos. Seu local habitual para dormir era sobre o parapeito da lareira perto da
janela, estrategicamente na linha do sol. A taverna estava cheia, pois era uma
época de comércio intenso. Isso garantia bons lucros para Hernus e Thuragar,
muito mais leite e lascas de salame e peixe para Fortão, e muitas histórias
contadas.
O porto de Otari não descansava
dia e noite nesta época e a taverna tinha seu espaço disputado por aventureiros
e comerciantes que entravam e saiam à todo o minuto. O movimento era tanto que
os irmãos por mais de uma vez tiveram de contratar um ajudante. Naquela manhã todos
os espaços, mesas, bancos e cadeiras da taverna estavam ocupados. Fortão descansava
despreocupadamente em seu lugar preferido quando notou uma conversa animada em
uma mesa próxima. Um grupo de aventureiros brincava uns com os outros com
relação à última empreitada da qual haviam retornado. Fortão não dispensava uma
boa história, principalmente de aventureiros recém-chegados. Ele se ajeitou
numa bela espreguiçada, esticando as patas e espichando o corpo sobre o beiral
da lareira, e sentou com um ar de total atenção, entre uma lambida e outra no
pelo, é claro. As conversas de aventureiros sempre o interessavam. Podia ficar
horas escutando-as e imaginando como seriam as suas, que um dia ele sabia que
aconteceriam.
Ele lambia o próprio pelo enquanto
mantinha as orelhas atentas à conversa da mesa. Um anão bonachão de barba ruiva
lambuzava seu bigode com espuma de cerveja enquanto gargalhava quase caindo de
sua cadeira. O motivo da reação dele eram os comentários que outro sujeito, um
elfo esguio e com um sorriso de canto de boca malicioso, tentando incomodar um
terceiro, muito forte e mal-encarado. A conversa era sobre como o grandão havia
vergonhosamente caído na conversa de um mercador halfing, lá pelos lados do
Quarteirão Estrangeiro, em Absalom, e comprado uma espada dita mágica por uma
generosa quantidade de moedas de ouro. Mas na verdade o tido instrumento
parecia não deixar de ser uma simples espada quase sem fio e deveras velha. O
grandão tentava se justificar dizendo que ele acreditava que a espada ainda
daria a prova de seu real valor. Mas quanto mais ele se justificava, mais ele
provocava risos nos outros dois companheiros.
Cochilando, numa quarta cadeira,
estava outro elfo, completamente bêbado, algo que Fortão jurava nunca ter
presenciado. O elfo estava atirado em seu canto tentando manter os olhos aberto
com grande dificuldade o que significava que a ressaca estava em plena
atividade e que a noite anterior havia sido longa e agitada.
Fortão terminou seu banho e ficou
completamente absorto pelo assunto. Pelo visto o grupo havia retornado de uma
aventura de alguns meses pela costa norte do Mar Interior e seus ganhos haviam
sido consideráveis, além de algumas cicatrizes. Seu retorno para Otari, depois
de uma rápida passada em Absalom, era devido à uma dívida que haviam contraído
e que estavam preste a pagar.
O assunto estava tão empolgante
que o grupo não percebeu quando algumas figuras suspeitas entraram pela porta e
foram se espalharam por entre os clientes. Fortão era um bichano novo, mas
muito atento e nunca deixava de notar nada, principalmente em ‘sua’ taverna.
Ele já havia presenciado coisas demais em seus longos dois anos e meio de vida
e percebia no ar quando algo estava para acontecer.
Seus donos também haviam
percebido algo de estranho nas figuras. Homens de longa data no mundo dos
negócios de bebidas, esta era uma característica essencial para se manterem
vivos num ambiente desses. Hernus e Thuragar se posicionaram em locais
estratégicos atrás do balcão e aguardaram, sem se intrometerem, outra
característica importante para manterem-se vivos.
Fortão ficou com o pelo eriçado
quando um dos estranhos se apoiou na lareira simulando estar apreciando o
movimento, logo atrás do elfo bêbado. O felino achava que tinha um instinto
especial para perceber problemas e se afastou ao máximo do sujeito e aos poucos
percebeu a real situação.
O foco era justamente a mesa dos
aventureiros da qual Fortão estava apreciando a conversa. Cada um dos estranhos
estava estrategicamente colocado ao redor da mesa. O gato não entendia como
nenhum dos quatro aventureiros não haviam se dado conta disso. “Que aventureiros de araque eles são?” –
perguntou a si mesmo. Isso não cheirava bem e o gato pensou se deveria ou não
intervir. Estava decidindo quando notou que o homem atrás do elfo de ressaca
sutilmente desembainhara uma longa adaga de metal. Seria um golpe rápido e traiçoeiro.
“Na minha taverna não!” – ele pensou.
Quando o estranho se movimentou
para apunhalar o elfo, sem chances para uma reação, Fortão se jogou num pulo
acrobático sobre a cabeça do atacante. O gesto do gato surpreendeu tanto os
aventureiros quanto os estranhos. Com as garras das quatro patas fortemente
presas em sua cabeça o traiçoeiro atacante deixou a adaga cair aos seus pés,
fazendo o grupo de aventureiros perceber a situação de perigo.
O momento de distração atrasou a
reação dos companheiros encapuzados, mas não muito. Eles puxaram espadas e
adagas e partiram para a luta. Eram pelo menos uns sete e a vantagem numérica
era evidente.
A confusão na taverna foi
instalada e todos corriam para todos os lados para dar espaço para a luta.
Fortão permaneceu preso ao seu alvo que se debatia desesperadamente. Quem já
foi arranhado por um gato sabe o porquê do desespero.
Aquele grupo era experiente e
logo conseguiu reverter a desvantagem, deixando todos os seus opositores no
chão. Restou apenas o infeliz nas mãos, ou patas, de Fortão. O bichano percebeu
que todos os quatro aventureiros estavam ao seu redor observando divertidamente
o desespero do remanescente do grupo de agressores.
Essa eu não acreditaria nem que
me contassem mil vezes!
– ria o anão apoiando um dos pés sobre um corpo estatelado no chão.
A bebida me afetou ou estamos
lutando igual à gatos?
– disse o elfo bêbado tentando manter os olhos abertos.
Tenha respeito por ele
Allyohnas... esse gato salvou sua vida! – reclamou o grandão com uma pesada placa de metal
fazendo as vias de peitoral. Ele mesmo segurou o pescoço do infeliz com uma mão
enquanto com a outra pegou o gato pelo cangote de forma muito delicada – obrigado
nobre felino... sua ajuda foi deveras oportuna!
Fortão estava extasiado. Aquela
havia sido sua primeira luta contra um humano e ele havia se saído muito melhor
do que poderia imaginar. Até mesmo recebeu um elogio de um dos aventureiros.
Ele estava em graças.
O grandão o colocou sobre a lareira,
bem no lugar de onde pulara para sua investida. Em seguida, num movimento
rápido e violento, forçou o infeliz, que estava preso por sua outra mão, de
encontro a mesma lareira. O coitado estava com os olhos arregalados, além do
rosto todo arranhado e sangrando.
O que vocês queriam conosco? – gritou o grandão.
Vá se ferrar aberração de
músculos!
Ora... ele é corajoso! O que
vamos fazer com ele?
– perguntou divertidamente o guerreiro enorme – quem se habilita?
Fortão avançou com um olhar
raivoso para o estranho provocando risos de todos.
Acho que vamos te devolver para o
gato! – ele
disse rindo.
Não... o gato não! Eu conto tudo! – suplicou o infeliz.
Depois de alguns minutos tudo
estava acabado e o infeliz estava desacordado após responder à todas as perguntas
dos aventureiros. Fortão havia sido levado por Hernus e Thuragar, em grande
festa, para a cozinha e tinha à sua frente uma enorme tigela de leite. Os
irmãos comentavam com alguns clientes que estavam ali das qualidades e humores
do gato e de como ele havia se portado na luta salvando a vida do elfo. Fortão
estava se sentindo nas nuvens.
Esse gato tem mais culhões que
muito homem por esta cidade!
– gritou o anão entrando na cozinha – muito obrigado meu senhor! – ele
disse fazendo uma reverência ao felino.
O elfo se sentou ao lado do gato
e sua tigela e passou a mão pelas costas do bichano. Fortão, como qualquer
gato, adorava isso e começou a ronronar, mesmo que desejasse parecer forte e durão.
Obrigado irmão, filho de Jaidiz, filho de Kethephys, amigo dos elfos, tenho
uma dívida contigo! – disse o elfo sinceramente. Fortão parou de beber e o
olhou fundo nos olhos, soltando um miado entendendo o que havia sido dito e
agradecendo a reverência.
Antes que perguntem, sim, os
gatos e muitos outros animais conseguem entender outras espécies.
Ele passou o resto da manhã sendo
paparicado por todos os clientes da taverna que sempre o presenteavam com
alguma guloseima, fazendo-o se sentir como que alimentado por um mês, embora
ele não reclamasse. Aquele foi um dia mágico para o bichano, dono de taverna e
pretenso aventureiro. Este havia sido o dia que mudaria todo o seu futuro e ele
sabia disso.
Aqui estava surgindo o primeiro
gato aventureiro de Golariom.
o
O o
Rapidamente a história do gato
que interveio e salvou um grupo de aventureiros correu pela cidade. Não era de
se admirar e muitos se vangloriavam disso, Otari era uma cidade onde qualquer
um poderia ser um aventureiro ou ter seu momento de emoção, e Fortão era a
prova viva disso. Até mesmo os outros animais percebiam isso e começavam a ver
aquele gato com olhos diferentes.
Mas as emoções de Fortão estavam
apenas começando. O grupo de aventureiros permaneceu na estalagem por mais três
dias a fim de terminar seus assuntos na cidade. Em todo esse tempo sempre que
cruzavam ou encontravam com o gato prontamente lhe faziam reverência e uma
grande festa. A cada noite muitos dos frequentadores da comida e do hidromel da
estalagem paravam para escutar a história de como tudo aconteceu naquele dia.
Hernus, principalmente, não cansava de contar à todos sobre o bichano. Já
Thuragar gritava da cozinha, sempre que podia, que era tudo verdade. E quando
Fortão entrava pela janela um público divertido o aplaudia inflando seu ego
mais do que ele mesmo poderia imaginar.
Ele havia ganho um lugar cativo
sobre uma cadeira, junto dos aventureiros que salvara, com direito à tigela de
leite sobre a mesa e tudo mais. Ficava escutando a conversa deles e mantinha-se
atento ao movimento de todos à volta. Foram dias maravilhosos.
Mas tudo tem um fim.
Na última noite do grupo na
cidade uma pequena comemoração foi providenciada por eles para alguns de seus
amigos. Os ganhos da última aventura tinha sido consideráveis e justificavam um
certo grau de esbanjamento. Como de costume Fortão circulava imponente por
entre as mesas e convidados, sempre recebendo um afago ou palavras de
enaltecimento. Todos lamentavam a despedida que viria no dia seguinte, mas
principalmente o guerreiro musculoso. Ele acabou por se afeiçoar com Fortão e
seu jeito intrépido de ser. Normalmente os dois estavam juntos, por mais
estranho que isso pudesse parecer. Era um tanto curiosos um enorme guerreiro
caminhando e conversando com um gato.
Na madrugada o guerreiro estava
bebendo com Hernus, encostado no balcão da recepção, onde Fortão assistia tudo
enquanto providenciava um bom banho em seu pêlo.
“Hernus, meu amigo, sentirei
falta de sua hospitalidade” – disse antes de secar o último gole de sua
caneca de hidromel – “mas o melhor de tudo foi a descoberta de seu guerreiro
felino!” Fortão não se acostumava com isso, mas tinha certeza de que
conseguiria sobreviver com todos aqueles elogios.
“Pois é Blander, o Fortão é um
de nossos bens mais preciosos. E mesmo eu, que já o conheço, fiquei surpreso
com sua atuação naquele momento.”
“Pois agora que o conheço um
pouco posso afirmar... ele é um aventureiro de alma. Percebe-se isso no olhar.
Eu o reconheço como apenas um igual o poderia. Ele foi criado pelos deuses para
uma vida de emoção” – ele fez uma pausa de pesar – “pena que ele não
possa se juntar à nós!”
As palavras finais de Blander
soaram como magia. O efeito foi instantâneo em Fortão. Por um instante uma
infinidade de coisas passaram por sua mente – combates, mistérios, peixes
diferentes para experimentar, jornadas infindáveis, outros peixes, uma emoção
por dia – tudo o inundou como num soco.
Fortão deu um pulo e olhou
fixamente para Blander como que querendo ter certeza de que escutara
corretamente. O guerreiro e Hernus ficaram surpresos com a reação do felino e
se entreolharam. O gato correu para o lado do guerreiro e começou a se esfregar
em seu braço, a única forma que ele conhecida de demonstrar carinho e
agradecimento aos seres humanos.
Blander ficou imóvel por uns
instantes olhando para Fortão.
“Então queres vir conosco?!”
“Miaaaauu!” – foi a forma do
felino dizer sim.
Então ele correu para frente de
Hernus e apoiou-se em seu peito e encarando-o com afeto e agradecimento
enquanto ronronava freneticamente esperando por uma resposta.
“Meu amigo...” – ele disse
com carinho – “então irá seguir seu caminho? Sabia que isso aconteceria um
dia. Estava na cara que seu destino seria grandioso e longe do marasmo de uma
estalagem.”
Fortão o fitava com carinho como
que pedindo permissão.
“Não precisa me pedir nada meu
amigo... tens toda a liberdade para ir contanto que prometa nos visitar sempre
que possível!”
Ninguém sabe se gatos podem
sorrir, mas quem olhasse para Fortão naquele momento teria convicção de que ele
estava sorrindo, pelo menos por dentro. O gato deu um pulo para o colo de
Hernus e em seguida pulou para Blander até se postar sentado em seu ombro.
O enorme guerreiro, agora com
semblante de criança, voltou-se para a área das mesas, onde a comemoração
continuava, e colocou-se bem em seu centro para fazer o anúncio.
“Meus amigos!!!” – todos
pararam para escutar – “tenho um novo companheiro de armas.... O GATO VAI
CONOSCO!!!!”
Houve um estrondoso rebuliço
entre palmas e vivas de todos. Os companheiros de Blander se aproximaram deles
com seus jarros em brinde. Por incrível que pareça ninguém ficou surpreso ou
estranhou o acontecido. Golarion e o Mar Interior eram propensos à
acontecimentos curiosos e fatos estranhos. Num mundo como este não haveria
porque se estranhar coisa alguma. Num mundo onde deuses surgem e morrem, onde
criaturas gigantescas deixam cicatrizes na terra, onde pássaros e enormes
felinos andam em duas patas e falam, por que ficariam surpresos com o fato de
um gato entrar para um grupo de aventureiros.
“Finalmente alguém que preste
neste grupo!” – gritou o anão para o elfo – “E melhor lutador que tu,
Ehllinthel!”
“E com certeza menos reclamão
que tu, anão de araque!”
“Quer dizer que teremos de
dividir nossos espólios em cinco agora?” – perguntou o bardo com olhos
estreitos para Fortão e com sorriso malicioso num dos cantos da boca, mas num
tom notadamente debochado.
Fortão estreitou o olhar de volta
ao bardo de cabelos longos e loiros encarando-o e soltou em resposta um curto
mio. Após um instante de silêncio todos começaram a gargalhar em alvoroço.
Gustav pegou o gato do ombro de
Blander e o colocou sobre a mesa após acariciá-lo – “ok, dividimos o ouro,
mas tu ficas com as gatinhas de cauda e eu com os de duas patas, certo?!”
Fortão respondeu com um ronco e
correu para a janela, parando por um instante em seu parapeito. Blander gritou
para ele não se atrasar que sairiam no navio da manhã. O gato saltou para a
noite correndo pelas vielas. Ele queria se despedir da cidade que amou conhecer
e viver até aquele dia. Tentou encontrar todos seus amigos para despedidas
rápidas e promessas de um retorno triunfal. Foram algumas horas de agitação,
encontros emocionantes e conselhos valiosos.
Já em hora avançada da madrugada
ele retornou para a estalagem e procurou o quarto dos irmãos que além de serem
donos do estabelecimento se consideravam donos dele. Era inegável que ele
sentiria muita falta dos dois, mas sua hora havia chegado. Ele havia esperado
ansiosamente por este dia e não iria deixá-lo passar. Mas para não se esquecer
daqueles momentos ele faria uma espécie de despedida – passaria o resto da
madrugada dormindo aos pés da cama de um e depois do outro. Ambos, mesmo
entristecidos, iriam ainda se lembrar e comentar aquela última noite por meses
e sua promessa de voltar e visitá-los seria quase como um juramento.
Eles viram o gato entrando
silenciosamente pela janela enquanto conversavam e fumavam calmamente, sentados
em suas poltronas num canto do cômodo, como faziam toda a noite. O aroma típico
e inebriante do fumo que vinha de terras distantes, do outro lado do mar, preenchia
o quarto. Fortão adorava o aroma produzido pelos cachimbos dos irmãos e
postou-se próximo ao calor da lareira como que participando da conversa dos
dois. Era o momento preferido dele às noites e ele queria aproveitar cada
instante desse momento, pois ele sabia que demoraria um pouco para se repetir.
Foi uma noite maravilhosa. Sua vida nunca mais seria a mesma e o início de tudo
estava marcado naquela madrugada.
- João EC Brasil
2 comentários:
Adoraria que tivesse continuação. Muito bom mesmo.
Haverá sim.... já está no forno!!
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