Jornada Perigosa: Fragmento 02
A
sala de máquinas estava uma loucura. Vapores escapavam em jatos escaldantes de
onde não deveriam. Pequenos, mas preocupantes esguichos de água surgiam aqui e
ali. A correria era enorme naquele espaço reduzido. Embora um submarino de
terceira classe como o Nouvel Espoir seja considerado moderno e seguro, é
preciso apenas um pequeno defeito na estrutura para que todos encontrem o
criador mais cedo.
“O
que diabos vocês ‘tão fazendo aí no chão?” – gritou a primeira engenheira Charlotte
Brethran enquanto fechava uma pesada válvula com sua enorme chave de rosca.
Com
o solavanco que atingiu a embarcação de forma abrupta, a maioria da tripulação
que estava na engenharia e na sala de máquinas, adjacente uma à outra, foi pega
de surpresa. Quem não foi ao chão, estava segurando algo para não desabar das
prateleiras ou à si mesmo para não cair sentado. Tão logo o movimento violento
cessou, todos os mecanismos pareceram ter combinado para entrar em pane juntos.
Vapor, água e peças caindo. Um quadro de terror para quem é do setor. A única
que pareceu não ter sentido nada foi Charlotte. Alguns nem tinham se levantada
ainda e a primeira engenheira já estava trabalhando para manter todos vivos.
“Andem
seus paspalhos... ou querem provar o sabor da água salgado nesta profundidade?”
Charlotte conhecia o Nouvel Espoir como a palma da sua mão após esses três anos
na chefia de engenharia. Enquanto ela fazia força para fechar a válvula
principal, seus olhos atentos iam percorrendo cada canto daquela sala e
listando mentalmente o que deveria ser feito antes de ser tarde demais.
“Vocês
escutaram a mulher... quem não estiver disposto a perder o soldo ou sua folga
ou a vida, que esteja com suas ferramentas fazendo algo útil!” – o imediato
e segundo em comando na sala de máquinas era Morrice. Atarracado e massudo, ele
mais parecia uma pequena escotilha de metal, mas ainda assim sua voz parecia
vir de dez homens, o que muitas vezes causava risos na tripulação... mas não
agora. Agora era imperativo todos se manterem vivos.
“Liberem
o vapor excedente... fechem as válvulas de pressão externa A e D... liguem as
bombas para tirar essa água daqui... revisem todos os encaixes daquele lado...
mantenham o motor pronto para sairmos daqui se assim for ordenado... e alguém fale com o capitão e descubra o que
está acontecendo!” – Charlotte ia ditando as ordens acima do som das
sirenes de emergência enquanto percorria os dois corredores da ampla sala de
máquinas e improvisava um rabo de cavalo, olhando atentamente o que cada um
estava fazendo e ajudando quando necessário.
Os
dez marujos, entre homens e mulheres, pareciam uma máquina azeitada. Nenhuma
ordem era deixada para depois. Tudo era feito bem e na hora. Ela sentia um
certo orgulho de ter colocado todos à funcionar como uma máquina precisa – com precisão.
“O
que acha que foi isso chefa? Não parece um ataque...” – Morrice se
aproximara da Cahrlotte enquanto ela olhava atentamente um painel com uma série
de relógios e contadores de pressão.
“Sei
lá e nem quero saber... só quero que essa geringonça permaneça inteira e cheia
de ar” – Ela tentava parecer calma, mas naquela profundidade não há nada
mais assustador do que não se ter certeza do que estava acontecendo.
Dois
ou três longos minutos se passaram entre porcas, chaves de fendas e vapor.
Quando as coisas pareciam estar entrando na normalidade o comunicador direto da
ponte de comando soa, sendo rapidamente pego por Morrice. Ele ouve algo que
deveria ser uma ordem curta.
“Chefa,
o capitão disse que você precisa subir e ver com seus próprios olhos” –
sussurrou o auxiliar.
Ela
odiava sair dali debaixo durante uma emergência. Todos sabiam disso. Todos
sabiam do seu mau-humor quando tinha que sair a perambular pelo submarino em
meio ao caos. Mas ela também sabia que para chamarem ela, justo agora, deveria
haver uma ótima razão... mais importante ainda do que estar no seu setor e
mantendo tudo funcionando.
“Segura
as pontas... qualquer coisa me chama” – Charlotte disse enquanto saia pela
passagem para o corredor principal limpando as mãos de graxa em um pano mais sujo
que elas.
O
que diabos está acontecendo?
-
João EC Brasil
Nota: esses contos se
passam no cenário do RPG Muito Abaixo do Oceano. Eles são compostos de
fragmentos de uma mesma história, cada um fazendo parte de pontos de vista de
diferentes locais do submarino.
Fragmentos anteriores:
Fragmento
2
Um comentário:
Pode continuar trazendo mais histórias
Postar um comentário