sábado, 22 de junho de 2024

Resenha: Conheça o incrível Beyond the Wall and Other Adventures

Resenha: Conheça o incrível
Beyond the Wall and Other Adventures

 

Alguns dias atrás a editora Tria anunciou seu próximo financiamento coletivo – Beyond the Wall – pegando todos nós de surpresa, principalmente porque o livro nem teve seu financiamento coletivo iniciado e já foi informado que está traduzido e diagramado... algo digno da qualidade e da fama que a Tria já tem no mercado.

A Confraria dos RPGs recebeu uma cópia do pdf de Beyond the Wall, traduzido e diagramado, igualzinho àquela que os financiadores começarão a receber tão logo o financiamento que inicia em 10 de julho tenha sua meta inicial atingida. Vamos conhecer essa belezinha?

Para quem nunca escutou falar de Beyond the Wall, ele é um RPG OSR. O movimento Old School Renaissance, ou apenas OSR, quer capturar e resgatar o estilo de jogo das primeiras edições de Dungeons & Dragons. Mas o que especificamente eles querem resgatar no OSR? Naquela época, os jogadores eram novos nesse tipo de hobby (tudo era novo) e entravam no jogo deslumbrados, explorando masmorras desconhecidas, repetitivas e perigosas de maneira desajeitada, mas ainda trazendo emoção e sensações desconhecidas. Armadilhas e monstros mortais matavam seus primeiros personagens, mas esses jogadores desse novo hobby lá no meio dos anos setenta eram resignados e motivados a continuar. Eles criavam novos personagens e voltavam ao jogo. Iam descendo nível a nível da masmorra. Vasculhavam sala por sala... e morriam inúmeras vezes... e voltavam, passando por todos monstros e inimigos que os aguardavam, até encontrarem o grande vilão com seus valiosos tesouros!

A necessidade de voltar àqueles velhos tempos começou e aumentou à cada nova e mais complexas edição de D&D. Uma parte dos jogadores e mestres passou a ansiar por jogar como nos velhos tempos, desfrutando de simplicidade e nada além de amigos ao redor da mesa... sem muitas regras, mas com muita diversão envolvida (alguém lembrou de alguma cena de Stranger Things?). Esse desejo ganhou forma sob o movimento OSR.

Isso significa que Beyond the Wall é uma cópia? Outro dos tantos retro-clones de Dungeons & Dragons? Em relação à clima talvez, mas ele possui toda uma inspiração, um tempero, um charme que são só dele. Não à toa que os autores – John Cocking e Peter Williams - dizem ter se inspirados em escritores como Ursula K. LeGuin, Lloyed Alexander e Susan Cooper... só gente de peso! Agora ficará fácil de entenderem quando digo que Beyond the Wall é um RPG um tanto diferenciado dentro do movimento OSR. Mas você ainda pode estar se perguntando – mas então, o que torna Beyond the Wall diferente dos outros? Boa pergunta... para isso estamos fazendo essa resenha.

Dois pontos sobressaem para mim quando falamos de Beyond the Wall – a construção de personagens e os Pontos de Sorte. Eu vou avançar e olhar Beyond the Wall mais profundamente e quero começar pela construção de personagem. Já é um costume meu desde sei lá quando. Qualquer sistema novo que pego começo olhando a mecânica de construção do personagem. Não me perguntem por quê.

A criação do personagem em Beyond the Wall está baseada em um método padrão – usando resultados aleatórios – e em um método alternativo. Você pode dizer que o método de resultados aleatórios não é novidade. Ok, concordo. Era algo comum nos RPGs os quais Beyond the Wall está tentando resgatar, e como ele é um OSR nada mais natural que ele retorne a este elemento. Nesse método aleatório fazemos rolagens para decidir os atributos do personagem e depois adicionando à ele uma das três classes básicas – guerreiro, mago e ladino – com suas peculiaridades e habilidades. Rapidamente, posso dizer que em instantes, temos um personagem prontinho para começar nossa sessão.

 O uso dessa mecânica aleatória nos jogos de outrora (desculpem, queria muito usar essa palavra e não resisti) gerava alguma reclamação, pois era grande a possibilidade de gerar personagens de variados níveis de poder, desequilibrando um grupo. Mas Beyond the Wall pensou nisso. Para evitar essas situações foi desenvolvido um sistema alternativo com o uso de Guias de Personagens (algo como playbooks) que são um conjunto de tabelas para rolagem em conjunto pelos jogadores que descreve eventos da infância e da juventude de cada personagem na sua vila, concedendo à eles atributos, classes, perícias e habilidades especiais. Todos na mesma escala e tendo a mesma soma para todos os jogadores e, portanto, gerando algo muito mais equilibrados. Ainda são rolagens, ok, mas elas estão em um formato que mitiga o desequilíbrio e oferece background, vínculos com outros personagens e alguns bônus mecânicos. Aqui, a relação criada entre os personagens dos jogadores, os NPCs da aldeia, mas também a própria aldeia, gerada pelo uso das tabelas de um Guia de Personagens, dá ao mundo que o grupo cria uma sensação de estar vivo. Essas pessoas da aldeia são amigos, familiares e vizinhos, de um grupo de amigos que estão embarcando em aventuras e arriscando a vida por elas e pelos laços existentes.

Lembram da elegância que eu disse... eis ela transparecendo aqui.

O segundo elemento de destaque que eu havia salientado anteriormente era o uso pontos de sorte. Pontos de Sorte são uma meta-moeda usada para evitar a morte se o jogador tiver azar com seus dados (algo sempre importante). Isso alivia o dilema de ter poucos pontos de vida e a possibilidade real de uma morte rápida logo primeiro nível. Mas mais do que isso, os pontos de sorte também podem ser usados ​​para conceder uma espécie de apoio às ações de outros jogadores ou para rolar novamente os dados. Esse tipo de subterfúgio tem sido muito comum em sistemas e mecânicas principalmente na última década (pense em Torg, Savage Worlds e Mutantes & Malfeitores), possibilitando tanto um elemento controlado pelos jogadores para influenciar o andamento da aventura, como também um dispositivo de estratégia à mais para com que os jogadores trabalhem.

Vamos adiante...

O sistema de Beyond the Wall é flexível, claro e fácil. Você rola um d20 na expectativa de conseguir um valor abaixo de um determinado atributo em caso de testes de perícia (perícias essas escolhidas pelo jogador “livremente”, sem a necessidade de vasculhar tabelas pré-determinadas e restritivas). Personagens podem ajudar outros personagens quando possuem a perícia adequada para tanto, concedendo um bônus de +2 à sua jogada (não esqueça de gastando um ponto de sorte também se pode ajudar nesses testes). Para testes de resistência e jogadas de ataque, é necessário rolar acima de um certo limite. Este limite é definido pelas estatísticas do alvo do ataque.

A evolução dos personagens se dá segunda uma tabela para cada classe, onde valores específicos são modificados à cada novo nível atingido, melhorando seu ataque e salvamentos.

Outro detalhe charmoso e que gosto muito que temos no sistema é a questão do Nome Verdadeiro. Conhecer o nome verdadeiro de um ser concede uma série de bônus ao jogador ou aos aliados do jogador que ele esteja auxiliando. Isso trás um novo elemento ao andamento das aventuras, podendo gerar muitas sub-quest e servindo de diferencial para dar mais emoção aos desafios e combates.

As magias estão divididas em três grupos: Truques, Magias e Rituais. Os Truques produzem efeitos menores e você precisa fazer um teste de atributo (Sabedoria ou Inteligência) para usá-los, mas tem o diferencial de poder os lançar quantas vezes quiser. Embora resultando apenas em efeitos menores, a falha deve sempre resultar em alguma complicação. Um personagem iniciante tem um ou dois truques à sua disposição. As Magias têm um alcance e duração, e algumas permitem que a criatura afetada faça um teste de salvamento. Um Mago só pode lançar um número de magias igual ao seu nível. Você pode aprender novas magias gastando uma semana de estudo (e fazendo um teste de Inteligência).

No sistema de magias, outro ponto engenhoso e sutil, é que as magias mais poderosas são categorizadas como Rituais, e não são fáceis de serem utilizadas. Sabe aquela bola de fogo que você lançava livremente como purpurina no carnaval? É, aqui será mais desafiadora a sua conjuração. Rituais são magias poderosas e requerem muito tempo (1 hora por nível de magia), ingredientes especiais e um teste para serem lançados com sucesso. Além disso, um conjurador só pode lançar Rituais iguais ao seu nível de conjurador. Da mesma forma, aprender novos Rituais, é igualmente difícil. Em resumo, a magia em Beyond the Wall é potencialmente poderosa, mas requer muito esforço para ser usada. Isso se encaixa bem no mundo de baixa fantasia.

O espaço dedicado ao Mestre, algo que sempre considero fundamental em qualquer livro básico de qualquer sistema, é enxuto e com dicas pontuais e fundamentais para a condução de Beyond the Wall. São conselhos sobre como utilizar o recurso fundamentais do sistema, dos guias e dos pacotes de cenários, tirando o máximo de proveito de cada um. Isso tudo faz com que ele seja muito palatável para novos mestres.

Como mencionei acima, o livro traz pacotes dois cenários – “As Fadas Irritadas” e “O Culto Secreto”. O primeiro deles já vem com a intenção de ser uma porta de entrada para iniciantes. Os Pacotes de Aventuras, assim como os Guias de Personagens são ferramentas para facilitar a criação de aventuras de forma divertida e facilitadora para o mestre. São tabelas para serem roladas e completadas com informações desde o início da aventura e que no fim se tornam uma sessão ou campanha inteira repleta de personagens e missões.

Conversando com o pessoal da Tria, foi informado que as metas extras vão ser, em sua maioria, pacotes de cenário e guias de personagem, inclusive pacotes de cenário de autores nacionais da comunidade OSR brasileira (como o Rafael Balbi do Café com Dungeon e Samuel Hernandez do Arkhi). Fora isso, há vários guias de personagens e pacotes de cenários gratuitos da editora Flatland Games disponíveis, assim como de vários de seus fãs... Inclusive, vocês perceberão que é muito divertido criar Guias e Pacotes você mesmo.

Considerações Finais
Esta é uma oportunidade valiosa para duas gerações. OS veteranos saudosistas vão apreciar muito a simplicidade e leveza desse sistema OSR tendo em mãos uma forma de rapidamente começar uma mesa que necessariamente nem precisa ser um one-shot, mas começar algo rápido e que durará muito. Os veteranos, como eu, vão adorar essa volta às origens com suas pitadas de modernidade que em nada atrapalham a sensação e o sabor.

Os novatos vão apreciar essa experiência de baixa fantasia à moda antiga e descobrir que para grandes aventuras não se precisa de noventa e tantas opções de perícias, talentos e habilidades e outras centenas de regras e subsistemas. Será a possibilidade de descobrirem que RPG nasceu da vontade de juntar amigos e imaginar grandes aventuras de forma simples e calorosa.

Fora isso, o livro básico tem algo que sinto falta algumas vezes na atualidade de grandes produções editoriais – a simplicidade. O livro é enxuto e limpo. Não se precisa ir e vir para encontrar regras que se complementam, mas estão espalhadas. Tudo é fácil de encontrar e está explicado de forma rápida e com exemplo. Beyond the Wal é um RPG que tenta se aproximar dos jogadores e não os amedrontar e afastar. Ele é acolhedor ao ponto de qualquer um se ver na possibilidade de o narrar, ao mesmo tempo em que mostra potencialidades para grandes e longas aventuras.

Beyond the Wall é recomendadíssimo pela Confraria dos RPG!!!

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