quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Mutantes & Malfeitores 3ed - Descritores: as regras perdidas

 Mutantes & Malfeitores 3ed
Descritores: as regras perdidas

- por Gio “Tuto” Mota
 

Mutantes & Malfeitores é um sistema voltado para efeitos, ele não carrega nada de cenário em si. Essa é a principal pedra do jogo. Mas é também a parte onde as pessoas mais tropeçam. Porque costumam desdenhar e por isso perder muito do que o jogo tem a oferecer são seus descritores. Descritores são os tipos de dano e descrições de elementos de design de jogos que encontramos fechados em vários outros jogos de RPG do mercado. Em M&M ele se encontra livre para uso pelo jogador, mas que por falta de experiência em talvez design de jogos não entende que ele é o coração do sistema.

Em um jogo como D&D, os desenvolvedores tentam diferenciar magias de dano usando dados diferentes em situações diferentes, mas no fim são somente dano, o que diferencia mesmo uma magia de outra em questão de dano é se ela é de fogo ou de raios, mágica ou psiônica ou mesmo divina.

Os jogadores acabam focando nos dados de dano e esquecem que o que se descreve em jogo é mais importante. Esse vício veio com muitos jogadores para o M&M.

MAS O QUE É UM DESCRITOR?
Um descritor é uma palavra ou adjetivo que fala do que se trata um poder ou outro objeto em específico no jogo. Ele define o tipo de estrago que algo ofensivo faz ou pode determinar como certas defesas funcionam.  É como uma marca ou etiqueta que colocamos em um pedaço de regra como um ataque ou defesa para defini-lo na história de jogo, e também pode ser usado para poderes que precisam ser direcionados.

Descritores são aquele pedacinho de regra que liga de forma mais contundente o mundo do jogo aos regulamentos e números matemáticos do RPG.

Por exemplo, o poder raio:  RAIO DE MATÉRIA - Dano 10 (Energia Cósmica, Contusão - à distância). Aqui eu sei que o raio de matéria causa dano de pancada ou contusão e vem em forma de energia, ele dificilmente inflamaria algo a menos que tivesse muito atrito e talvez sirva para empurrar. Esta parte me daria a chance de criar um efeito alternativo, por exemplo, para empurrar algo.


Tanto seu nome quanto o texto de descritores te dão ferramentas para se trabalhar melhor esses poderes em jogo. Um outro exemplo que me vem à cabeça é o Noturno (Marvel). Ele é o mestre do descritor Teleporte, na verdade é o teleportador Raiz da Marvel (sim eu sei que outros vieram antes mas ele foi quem estabeleceu as regras).

No caso do Noturno ter o descritor TELEPORTE dá a ele vários acessos a efeitos que ele nunca poderia usar de outra forma por conta do conceito do personagem.

Dano à distância podendo surgir de qualquer lado, Dano em área, Aflição para deixar tonto, Agarrões de teleporte... veja que nada aqui é realmente um efeito de teleporte, mas como ele pode descrever com um descritor que isso ocorre porque ele teleporta no campo de batalha para atingir inimigos e voltar para seu local, todos os efeitos citados viraram partes de sua maestria em se Teleportar. 

Todos são teleporte por conta deste descritor. Um descritor liga as regras secas ao cenário criando finalmente o personagem desejado. Entender isso é a chave mestra que falta para poder usar o jogo como um grande mugen ou um jogo universal de heróis. Aceitando desde poderes clássicos a heróis de videogame com seus descritores exóticos e diferentes.

E MUDA ALGO NA MECÂNICA?
Em primeiro lugar sim. porque como disse só vamos ter acesso a certos efeitos quando conseguirmos usar o descritor, e isso pode exigir algo feito dentro do jogo. 

Mas um outro ponto super-importante é que vários efeitos funcionam diretamente ligados a descritores. Variável exige uma explicação detalhada de suas limitações o que tem descritores no meio. Imunidade precisa de descritores para dizer de que não tomamos dano. Proteção pode ser especializada contra danos específicos por descritores... e por aí vai.

Poderes mentais, como outro exemplo, só existem porque existem descritores para os validar, o mesmo podemos dizer das diferenças de poder entre magico, psiônico e sagrado. Na verdade, se você reservar certos efeitos apenas para certos descritores, estas restrições podem mudar totalmente o tom do cenário.

O QUE UM DESCRITOR NÃO CONSEGUE FAZER?
Descritores não podem nunca exercer mecânicas de jogo sozinhos. Ou mesmo influenciarem testes sem regras que prevejam isso.

Por exemplo, pensemos em uma bola de fogo jogada pelo Tyu, o grande lutador. Ela causa uma quantidade de fogo escolhida pelo jogador quando criou sua bola de fogo. Ele também definiu que ela realmente é de fogo. Não é uma manifestação espiritual. Nesse cenário podemos esperar que a bola de fogo gere alguma iluminação ao ser disparada, o que não fere nenhuma regra do jogo.


Agora, a menos que o jogador compre algo para dano contínuo, ela não vai continuar a queimar o alvo até ser apagado. Observe que queimar é uma regra de dano que consta nas regras de jogo. O jogador não vai ganhar acesso a está regra sem pagar por ela só porque sua bola é de fogo. Na verdade, por ser uma bola de fogo as regras de dano contínuo podem ficar disponíveis para o jogador, entendeu?

HUM, E O QUE EU FAÇO COM ISSO?
Bem, estamos aqui para falar disso meu amigo. Descritores são os responsáveis por fazer as regras falarem com o cenário e deveriam ser a parte de regras mais trabalhadas em adaptações de mundos de jogos para este mesmo tipo de cenário.

Quero te apresentar variações e conversas sobre regras que podem ser usadas para dar mais profundidade e variedade para a sua jogatina. Também tentando dar mais importância para estas regras tão negligenciadas nas mesas desse nosso Brasil.

Cada regra pode ser usada em separado ou em conjunto para dar mais valor aos descritores. Outro ponto, tudo posto aqui não são diretamente regras e sim um acordo entre cavalheiros já que o jogo em si permite construir 

QUANTOS?
A primeira pergunta que nos vem à cabeça é qual é o limite de descritores que eu posso ter em uma ação ou poder?

A regra oficial e geral é não impor um limite de descritores e determina que cada poder ou ação precisa ter o número certo de descritores para deixar o poder Bem explicado. Mas veja bem, está é a regra geral e será a regra básica usada aqui em todos os textos a menos que referenciemos algo diferente.

3DeT Victory, por exemplo, tem apenas um tipo por poder, que lá é chamado de tipo de dano. Já em M&M o jab é usada a regra normal, de não impor limites. 

Vamos pensar na bola de fogo do Tyu novamente. É uma canalização do chi de nosso herói que toma forma e atinge nosso alvo a distância. Tyu não deu nome para ela, que é somente uma bola de fogo. Poderíamos facilmente usar FOGO e CHI para descrever essa bola de fogo. Mas dependendo do jogo poderíamos ter também o descritor projétil e a distância no conjunto, que não estaria errado. Tudo depende do jogo e pessoas envolvidas. Mas com certeza Tyu quer que seja de fogo.
 

Bola de Fogo (Fogo, Chi): Dano 10 (à distância) - 20 pontos

 
Essa seria a bola de fogo básica do Ryu em M&M. Veja que não usei à distância por conta que já tem ali uma regra de construção determinado isso. Mas fogo e Chi são importantes, porque um defensor pode ter uma forma de se segurar contra um ataque de Chi por exemplo ou ser imune a fogo. Ou esse mesmo na verdade vilão ser vulnerável a Chi, o grande descritor dos artistas marciais. Ele estaria ferrado. Enfrentando o Ryu e sua metralhadora de Hadoukens de puro Chi.  

Lotar o poder de descritores pode ser tentador por conta de possibilitar pescar mais alvos vulneráveis. O problema disso, na verdade, também é que ele acaba igualmente caindo em muitas invulnerabilidades e defesas contra ele. Além de ser horrível um poder lotado de descritores só para ser amplo. Quer ver?

Soquinho pow pow (Soco, múltiplo, maravilhoso, chi, físico, treinado, preparado, sojado, animado, do Bernardo, baixo, rápido) Dano 10 (Reação: atingir o adversário).

 
Bem esse é meu lendário poder problemático que fujo até hoje das retaliações. Adoro pela piada, mas vamos lá, primeiro que NUNCA, NUNCA use essa construção de Reação (já falamos sobre isso) e segundo OLHA  A BAGUNÇA DESSE TANTO DE DESCRITORES. É sério, além de ficar feio e difícil de se organizar, difícil de se medir e de se ter regras de cenários legais para ele. Este poder simplesmente está horrível (viu horrível não use isso pra nada, talvez pra irritar o Bernardo…)


ACORDO DE CAVALHEIROS?
Mas antes de continuarmos com todas as regras e sugestões desta matéria precisava deixar algo claro. Nenhuma regra citada ou comentada aqui deveria ser aplicada diretamente nos jogos de forma universal. Elas servem para compor e dar aquele gostinho de cenário, necessário quando a gente especializa o jogo.

Principalmente nos jogos usados de base e exemplo desta matéria. Mutantes & Malfeitores, por exemplo, precisa ter estas regras mais abertas ao ponto de permitir a enorme customização de personagens que o jogo entrega.

A melhor abordagem é levar a discussão sobre como os descritores serão usados para a Sessão Zero.

É fundamental que o Mestre divida suas escolhas com a mesa e as razões por trás das ideias do cenário. O objetivo é que, juntos, cheguem a uma decisão final sobre como esses elementos funcionam na prática.

Desta forma, o que seria uma imposição de regras transforma-se num acordo de cavalheiros. Todos os participantes se comprometem voluntariamente a seguir as diretrizes de construção estabelecidas para aquela campanha específica. Ganhando assim o objetivo de criar uma atmosfera totalmente pessoal para aquele cenário com participação de todo mundo, e sem precisar de regras de casa complicadas.

O DESCRITOR EXCLUSIVO
O mestre vai possuir uma lista especial de descritores que todo personagem precisa escolher um deles, para ele ou mesmo para o poder escolhido. Mas ele só pode ter um descritor da lista e precisa sempre escolher um.

Está regra normalmente se adapta em cenários onde certos tipos de heróis são únicos e antagônicos contra outros.

Vamos imaginar um cenário de altíssima fantasia onde temos uma guerra entre o Arcano dos magos, o Psiônico dos selvagens e o Sagrado das ordens eclesiásticas. 

Cada personagem precisa fazer parte de um desses grupos. Ele só vai poder usar um dos descritores do grupo: ARCANO, PSIONICO e DIVINO.


E depois da escolha todos os poderes do personagem serão deste tipo. Esse é um exemplo perfeito de descritores exclusivos. Nessa forma nenhum personagem pode ter mais que um descritor da lista. Essa regra é boa para descritores que definem origens sejam de herança étnica ou fontes de poderes. E quanto mais exóticos melhor. O gênero japonês Shonen usa e abusa deste tipo de regras com seus Ki, Chi e Chackras.

Exemplos: Ki (Dragon BallZ); Chi (Street Fighters e outros jogos de luta); Chakra (Naruto).

 DESCRITORES PRIMÁRIOS
Nessa variação o cenário ou jogo permite mais personalização dos descritores, mas existe uma lista maior que nunca muda.

Nesse sistema apenas os descritores desta lista acionarão vantagens e poderes de gatilhos. O jogador sempre deveria priorizar usar os descritores da lista ou ter pelo menos um sempre.

Muito bom para jogos do estilo [Algo]mons ou monstros de bolso, onde fraquezas e resistências elementais são importantes na estratégia do jogo e sua execução. Essa regra se mistura facilmente com os descritores exclusivos, onde uma origem de poder precisa ser escolhida.  

3 DESCRITORES... OU ALGUM OUTRO LIMITADOR
Nesse cenário os poderes possuem apenas 3 descritores que valem, ou algum número pensado pelo mestre e a mesa, onde os jogadores podem escrever outros, mas apenas os 3 primeiros são usados para se construir poderes. Aqui os jogadores ainda poderiam criar seus descritores, mas nada impede que o mestre e a mesa combinassem com as ideias acima, permitindo que o grupo escolhesse esses descritores de uma lista do cenário já destinado para ele e algum certo descritor fosse o exclusivo.

Por exemplo, vamos pensar em um cenário de terra devastada onde mutantes desenvolvem poderes psíquicos ao enfrentarem a radiação do deserto. Aqui o mestre define que Mutante é um descritor primário que todos que não estiverem na cidade precisam ter, apenas Mutantes terão efeitos fortes e poderes. Mas as cidades possuem armas de Aflição contra Mutantes, isso torna ser mutante ou não um problema mecânico e da força ao cenário.


E dentro disso, se o personagem for mutante ele pode escolher criar poderes com descritores da lista a seguir (até 3 descritores): Mental, Direto, Discreto, Enervante, Vital, Fulminante, Destrutivo, Degenerativo.

A lista pode ser bem maior, o que eu quero mostrar é que com esta lista bem definida os jogadores e o mestre podem construir sistemas de efeitos em cima deles fazendo defesas e ataques criativos e dando todo um colorido a mais valorizando o clima do jogo e diferenciando de outras campanhas de M&M.  

ABUSE DOS GATILHOS E PODERES
Ao mesmo tampo, nada disso adianta se esses descritores não se mostrarem nos poderes da mesa. Efeitos como Invulnerabilidade (principalmente aquelas com metade do efeito), Proteções direcionadas a certos descritores, fraquezas, Vulnerabilidades diretas a estes descritores e principalmente Aflições desenvolvidas ao redor dos descritores, precisam ser feitos e usados com destaque, e precisam marcar a narrativa pra deixar claro que estão lá.

Com o tempo o estilo da campanha acaba marcando forte a mesa que começa a ter o clima necessário até mesmo em suas regras.

Se somarmos isso ao próximo tópico, podemos falar que assim a gente consegue criar um M&M muito poderoso como criador de mesas de todo tipo de narrativa e cenário... o vulgo SISTEMA GENÉRICO.

COMBINE COM PONTOS HEROICOS
Pontos heroicos não são somente um combustível para coisas impossíveis que os jogadores fazem. Na verdade, isso é somente o chamariz principal para eles desejarem estes pontos.

Pontos heroicos são reguladores de estilo em uma mesa,  ao ponto que o mestre é quem determina as formas de se ganhar estes preciosos pontos. 

Quando mistura formas únicas de se ganhar PHs com usos e limitações criativas de descritores a gente consegue ir longe e adaptar qualquer tipo de narrativa. Pense em um Dragon Ball Z ou Saint Seya (Cavaleiros do Zodíaco). Eles podem rolar premiações em cima de distorcer o tempo todo para o discurso motivador do episódio enquanto os Cosmos e Chi são preparados para cruzar os ares. 

Veja como somente esta forma diferente de ganhar PH e falar em CHI e COSMOS já nos dão os gatilhos dos episódios destes desenhos. O trabalho de dar um clima único a seu jogo vai por ai. Não se segure em dar atenção e preparar um ecossistema consistente de descritores e Pontos Heroicos para depois colher os louros de seus jogadores pularem de alegria ao verem referências e estilos que eles gostam com um jogo mudando de estilo a cada tipo de cenário narrado.

E UNS FINALMENTE
Um descritor é uma ferramenta importantíssima do sistema para cumprir sua função de servir a qualquer cenário ligado a heróis e super-heróis. Com ele podemos pular dos clássicos heróis de comics clássicos para heróis de fantasia ou cenários cyberpunk e futuristas, mudando apenas como certos efeitos funcionam. Pense nestes detalhes para quando for montar sua próxima mesa.

O mais importante é nunca ignorar esta parte que liga o narrar ao jogar os dados. O jogo inteiro tem um chão solido em cima de descritores. Falo isso por já ter escutado que o M&M tem pouca variação de ataques e poderes de combate. 

Realmente M&M tem um efeito de Dano que também se chama dano e um efeito de Aflição... parece pouco, mas além de aflição ser uma fábrica de poderes, dano com estas indicações do texto passa a gerar todo jeito de tirar saúde do inimigo. Vá por mim.

Espero que assim sua mesa de M&M possa jogar este ótimo jogo sob novas perspectivas e consiga jogar mais coisas além de universos super heroicos.

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