domingo, 13 de abril de 2008

Diário de um Escudeiro - 5

Nono dia de Cyd de 1392.
Asgher mal tinha lançado seus primeiros raios sobre o mundo e eu já estava pronto e esperando Nick. Eram minhas primeiras atribuições como escudeiro. Eu queria fazer tudo certinho e estava pronto para gastar todo o dia nisso se fosse necessário.

Também foi a primeira vez que realmente tive condições de conhecer Palanthas. Nick a conhecia como a palma da mão – pelo menos foi o que ele disse. Levou-me à cada canto daquela imensa cidade. Embora fosse uma cidade bem extensa não era muito alta. Quero dizer, seus prédios não eram maiores do que uns dois andares – pelo menos a grande maioria. Além dos templos dos deuses, de algumas casas de ricas famílias e o do Palácio todo o resto é composto por moradias e construções baixas. Mas mesmo assim era uma cidade impressionante. Tudo bem que nunca conheci nenhuma cidade muito maior do que a minha pequena vila, mas mesmo assim me impressionava.

A lista que Sir Constant deu-me era muito extensa. Nick justificou seu tamanho dizendo que sempre que seu mestre partia em jornada adquiria todos seus itens pessoais novos. Disse que o Cavaleiro não admitiria ser visto usando qualquer coisa que fosse com aparência de usado. Por isso perdemos muitas horas visitando todo o tipo de estabelecimento comercial da cidade.

Mas para mim o dia reservou alguns momentos bem impressionantes. O primeiro foi quando Nick levou-me para a refeição do meio-dia. “Acho que tu vais gostar daqui, é muito mais informal do que aquele quartinho.”

Estávamos na frente de um enorme galpão de madeira com uma enorme porta aberta de onde entravam e saiam muitas pessoas. De dentro ouvia um grande burburinho de vozes, risos e cantorias. Quando entrei pude ver muitas mesas repletas de pessoas – homens e mulheres – comendo. Pelo menos uma dezena ou duas de mulheres perambulavam entre as mesas levando bandejas cheias ou vazias. Sempre sorrindo e com vestidos de cores vivas conseguiam dar atenção a todos. O aroma é incrivelmente apetitoso e a disputa por lugares junto às mesas é bem divertido. Foi uma ótima refeição a que realizei ali. Passamos pelo menos uma hora nos refestelando com a comida e conversando sobre todo o tipo de coisa. Nick me contou que como Palanthas é uma capital recebe diariamente muitos comerciantes e pessoas de todo o tipo. Esse local era tipo um ponto de encontro para todos os visitantes da cidade. Também era um bom lugar para os comerciantes realizarem contatos e negócios.

Mas o momento mais incrível do dia aconteceu já ao entardecer. Estávamos retornando para o casarão de Sir Constant quando comecei a sentir algo queimando em meu peito. Era o medalhão. Havia passado alguns dias sem me lembrar do presente de meu avô. Mas agora ele estava quente. Não um calor que pudesse me ferir. Era como se eu sentisse o calor dentro de meu peito, mas de alguma forma eu sabia que era oriundo do medalhão. Era uma sensação que percorria todo o meu corpo e dava a impressão de que meus barcos e pernas estavam formigando.

Nick notou que eu estava sentido algo e parou a carroça. “Está sentindo algo? Estás bem?” Quando eu me virei para responder-lhe vi, atrás dele, uma grande construção de enormes pedras cinzas. Algo me chamava a atenção naquele lugar. Prontamente Nick percebeu minha curiosidade e disse “apresento-lhe o Templo da Khalmyr”. Meu peito queimava ainda mais e fui impelido a ir lá.

Disse a ele que gostaria de conhecer o templo por alguns minutos se não houvesse problema. Em cada passo de dei em direção às portas do templo meu peito ia queimando mais e mais. Cada degrau que subi a sensação de formigamento aumentava. Quando parei abaixo do marco da grande porta estava como ouvindo mil vozes dentro de minha cabeça.

Mas quando dei um passo e entrei no templo tudo passou. Mas me senti diferente. Era como se eu estivesse com três metros de altura. Como se eu fosse um ser enorme dentro de uma pequena casca, dentro de um envólucro que limitava toda a minha grandiosidade.

O prédio era muito grande. Seu espaço interno era amplo e com o teto muito alto. Muitas armaduras enfeitavam as paredes intercaladas por enormes escudos e lanças. Havia muitas pessoas dentro do templo. Algumas conversavam baixinho e outras oravam ao grande senhor da justiça.

Alguns cavaleiros estavam aqui e ali. Mas o que me chamou a atenção foi um cavaleiro em especial. Ele estava ajoelhado num canto isolado do templo orando de forma muito compenetrada. Sua armadura era grandiosa mais estava com o aspecto de ter passado por milhares de combates. Estava arranhada e amassada em mais de um lugar. Sua capa estava mais próxima de um farrapo do que de qualquer outra coisa. Sua barba estava à dias por ser feita e seu rosto mostrava as rugas de uma vida inteira de batalhas. E mesmo nestas condições que eram completamente diferentes da de um cavaleiro como meu senhor parecia que toda a luminosidade do templo estava sobre ele. Parecia que ele era o centro daquele lugar de oração. Até os olhos da enorme estátua de Khalmyr pareciam olhar por ele. Os olhos do cavaleiro brilhavam. Brilhavam como de uma criança diante de um dia radioso de sol e repleto de brincadeiras por realizar.

De repente ele saiu do estado de oração e me olhou como se enxergasse além de meus olhos, diretamente na alma. Um grande sorriso estampou-se em seu rosto. Ele se levantou e mostrou-se muito maior do que eu. Parou na minha frente e se abaixou para podermos ficar na mesma altura. Passou a mão na minha cabeça e vagarosamente puxou o medalhão para fora de minha camisa. Olhou para o símbolo de Khalmyr por alguns instantes e disse “Grandes coisas podem estar reservadas nos lugares ou pessoas mais improváveis. Por isso tudo e todos são especiais. Nunca deixe que lhe digam o contrário.” Levantou e virou-se seguindo pesadamente em direção à saída do templo. Parou alguns passos adiante e virando-se me disse “nos veremos em breve jovem pajem” e continuou seu caminho. Enquanto percorria o longo caminho em direção à saída alguns dos cavaleiros, ali presentes, o olhavam de cima abaixo aparentando um certo desprezo.... mas pode ser apenas uma impressão minha.

Logo depois voltei para a carroça e percorremos o caminho até a casa em silêncio. Eu pelo menos, pois acho que Nick não conhece essa palavra.Confesso que ainda não entendi o que aconteceu naquele lugar. Mas a sensação foi indescritível. Gostaria de muito de conversar com meu avô agora. Talvez ele soubesse o que aconteceu. Mas não sei nem se o verei de novo.

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