sábado, 30 de agosto de 2008

Por mares nunca antes navegados
Parte 2 - A aventura inicia -
João Eugênio Córdova Brasil


IV. O casebre

- Que disse, capitão? – aproximou-se Syan.

- Nada – as palavras agora saiam por entre dentes cerrados de uma raiva que não precisa ser vista para ser sentida. Ao levantar o rosto Slocun trazia o olhar penetrante da raiva.

Os outros não entendendo o que estava acontecendo lentamente levantaram suas cabeças em direção da clareira que se abria próxima. Muitos dos que estavam lá desejaram não terem visto aquilo.

Era o quadro vivo do horror. Vivo não seria termo correto. Morto estaria mais apropriado. Ao largo de uma imensa clareira estava o que restava de uma grande aldeia. Casas queimadas, umas ainda de pé, mas a maioria no chão. Até aí nada que não tivessem visto em suas andanças pelo inóspito caminho das aventuras.

Mas o horror não estava ali. Estava nas vítimas. Nas pouco mais de duas centenas de vítimas que jaziam espalhadas pela praça da aldeia. Pelo que podiam perceber haviam sido concentradas na praça e chacinadas sem dó. A maioria estava esquartejada. Outros estavam empalados e seu sangue depositava-se como rios rubros por todas as direções. Inclusive mulheres, crianças e velhos.

Já haviam visto horrores. Horrores daqueles que se vivenciam em guerras ou combates marítimos. Mas nunca haviam vislumbrado tamanha violência contra inocentes. Piratas viviam da pilhagem, mas mesmo eles tinham – ou a maioria deles - um certo código de honra.

Isto não existia aqui.

O cheiro que haviam sentido vinha dos próprios corpos que haviam sido queimados juntamente com suas casas. Era o cheiro da morte.

Sem perceber estavam de pé olhando pasmos para aquele quadro macabro. Coisas desta natureza são lentamente absorvidas pelas mentes das pessoas. Perde-se um longo tempo olhando e tentando acreditar que aquilo que vêem está realmente acontecendo.

Um ruído.

E como um raio que risca o céu inesperadamente, eles abaixaram-se ao perceberem o ruído estridente vindo de um conjunto de casas que ainda estavam de pé algumas dezenas de metros a sua frente.

Slocun saiu costeando a beirada da floresta na tentativa de contornar a vila, na direção do ruído, e tentando não atrair qualquer atenção. Atrás dele Syan o seguia juntamente a alguns homens. Os outros ficaram de tocaia na mesma posição.

Quanto mais esgueiravam-se mais claro ficava o horror que aquelas pobres almas vivenciaram.

Seu caminho os levou para os fundos de uma linha de casas parcialmente queimadas, mas ainda fumegantes e de pé. A proximidade da vegetação produzia uma proteção natural até estarem bem próximos das estruturas. Próximo o suficiente para alcançarem os fundos das casas sem serem percebidos.

O ruído novamente ressoou ganhando os contornos de uma risada animalizada. O som contornava a casa ou vinha de dentro dela, não sabiam com certeza ainda.

Slocun já tinha guardado o sabre e empunhava agora a pistola. Começaram, então, a contornar o casebre, em silêncio, pelos dois lados.

Ao alcançarem a extremidade da parede lateral Tary – um dois mais novos marinheiro que entraram para a tripulação do Gaivota – posicionou-se lentamente de forma a conseguir enxergar a frente da construção. Ele virou a cabeça para o capitão e vez um sinal indicando que havia apenas um homem na frente da casa. Slocun retornou o recado com um sinal característico e de fácil entendimento para o marinheiro – o polegar cruzando o pescoço.

Tary sacou uma belíssima adaga que dizia ter sido presente da noiva – e todos brincavam em coro perguntando “noiva de qual porto” – e postou firmemente a arma na mão. Ergueu-se levando junto uma pequena pedra. Jogou-a longe o suficiente para chamar a atenção de seu alvo para algum lugar ermo. Em seguida foram dois passos longos, firmes, mas extremamente silenciosos e um jorro de sangue.

Do lado oposto ao que veio Tary surgiu cabeça de um de seus colegas apenas a tempo de ver ainda o jovem e negro marinheiro segurando a boca do infeliz já sem vida e com a garganta aberta. Ele colocou o corpo vagarosamente no chão e limpou sua faca na camisa do próprio defunto.

De ambos os lados saíram os marinheiros de Slocun atocaiados empunhando suas armas. Todos tentavam esquecer que estavam ao lado da praça empilhada de cadáveres. Slocun postou-se em frente à porta do casebre de onde vinham os risos ponderando na força necessária para derrubá-la de uma vez só e ter a vantagem da surpresa. Ele ergueu o pé para o golpe, mas a surpresa foi sua.

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