E se eu não quiser
cortar?
Uma das coisas que mais
gostamos numa sessão de RPG são os combates. Quantas vezes nos deparamos com
aquela patrulha de orcs e colocamos nossas espadas e arcos para funcionar. Não
importando o inimigo nossa preocupação é destruí-lo usando nosso armamento.
Com a espada, usando a regra do
sistema de nossa escolha, jogamos os dados testando nossa possibilidade de
acerto ou erro. Mas uma coisa sempre me deixou curioso. Vamos pensar com a
lógica de um combate de rpg básico.
Quando fazemos uma jogada de dados estamos testando nossa condição de acertar ou não nosso adversário (isto de forma simplificada, é claro). No caso de o acertarmos, fazemos uma contagem de dano conforme nossa arma, reduzindo seus pontos de vida. Simples assim. Como se um simples acerto representasse um dano.
Mas estudando um pouco as formas de combate (principalmente as formas medievais e suas armas) descobrimos que muita coisa pode ser acrescentada para dar mais fidelidade ao nosso jogo ou à nossa narração.
Uma mudança simples é a forma como batemos com a espada longa ou de lâmina larga. Sei que muitas vezes os jogadores querem apenas um combate rápido e simples para irem adiante na aventura ou simplesmente para conseguirem os sonhados pontos de experiência. Mas por que não incrementar isso?
Numa luta real com espadas de lâmina larga existem três possibilidades de ataque – de ponta, cortando ou com a parte plana da lâmina. Para cada um deles há manobras distintas, efeitos diferentes e resultados ímpares.
É fácil pensar que um simples resultado positivo
numa jogada de ataque pode levar à uma redução de dano do adversário. Mas se o
jogador desejar imobilizar o adversário sem causar nenhum dano realmente
significativo? Se o jogador quiser ter um prisioneiro para interrogar sem
causar nenhum ferimento nele? Ou do contrário, se desejar num único golpe
terminar com seu adversário? Ou ainda se desejarmos narrar um conto
demonstrando algumas manobras para enriquecer ainda mais nossa história? Tudo
isso é possível com pequenas modificações. Numa mesa de jogo, certa vez,
testamos algumas alterações (as famosas “regras da casa” que todos possuímos) e
ficamos muito satisfeitos. Vou tentar mostrar algumas dessas possibilidades e
alternativas comparando elementos reais e de jogo.
Alguns textos, ainda hoje, discutem à exaustão a
física da utilização de uma espada e das formas de seu corte. Um dos teóricos
sobre este tema, J. Clements, sintetiza o corte de uma espada nos seguintes
termos: “Como fazer um efetivo corte com a espada? Não existe nenhum
mistério ou segredo em causar dano a um alvo desta forma. Obviamente a força de
um corte é um fator de aceleração da massa de uma arma de impacto cortante.
Naturalmente uma forte ação produz um belo resultado. (...) Partindo-se do
corte, a efetividade de uma espada impelida é determinada por uma simples
questão do quão resistente o alvo é em seu ponto de impacto, o quão largo é o
corte que a espada pode produzir, o quão profundo ela pode penetrar, e qual
região vital ela pode atingir.” Concordo que isso é muita física para um
jogador de RPG, mas é a pura verdade. Se pensarmos um pouco mais profundamente
todas as principais regras e dinâmicas dos sistemas de jogo são a aplicação
pura da física.
Mas esta parte ‘pedante’ só foi colocada aqui para demonstrar uma coisa simples – causar dano com a espada tem uma lógica científica. Ora, nem todas as espada possuem fio em todas as partes de sua lâmina. Pensando assim vamos voltar às três formas de dano que uma espada longa pode produzir – de ponta, por corte e pela parte plana da lâmina.
A dinâmica do dano produzido em um combate de RPG, quando utilizamos uma espada (longa ou de lâmina larga principalmente), pressupõe que sempre que acertamos uma jogada de ataque atingimos nosso adversário com um dano de corte. Esse dano é o de mais fácil entendimento. Acertamos nosso adversário, sobrepujamos as defesas passivas dele (armadura, por exemplo), e causamos dano.
Mas o que podemos fazer, além disto?
Uma técnica muito utilizada nos combates medievais, até mais utilizada do que os ataques com intenção de corte, eram os ataques com o intento de atingir o adversário com a parte plana da lâmina. Por que isso? Os combates medievais, em guerras principalmente, eram realizados com campos de batalhas repletos de guerreiros com pesadas armaduras. Diferente do que acontece nos campos de batalhas de partidas de RPG, é muito difícil de com um golpe de corte ultrapassar o metal de uma armadura, por mais afiada que estivesse a espada. A tática de usar o corte contra o adversário era possível apenas em pontos específicos (nas junções da armadura nos braços, punhos, pescoço e joelho).
Com toda esta dificuldade a alternativa mais plausível era tentar imobilizar a possibilidade de ataque do adversário aprimorando suas técnicas de combate. Assim os guerreiros, em suas pesadas armaduras, golpeavam com a parte plana da lâmina da espada tentando causar um dano interno pela concussão. Acertos desta natureza na cabeça (mesmo com elmo) deixava o adversário no mínimo desorientado, podendo inclusive desmaia-lo. Se por ventura o atingisse na perna poderia desequilibra-lo, derrubando-o. Além disso, com golpes assim, tentavam desarmar o adversário ao atingi-lo no braço ou punho que empunha a espada. Depois de desarmado ficava fácil de matar seu adversário.
A perícia necessária para escolher a forma exata de realizar um golpe tão preciso quanto esse não era fácil. Manuais medievais dos grandes mestres da luta com espadas – principalmente germânicos e italianos – davam conta de que o virtuosismo para tal feito era próprio de muito tempo de estudo e treino. Mas de qualquer forma é uma alternativa que nos abre um leque de possibilidades.
O ponto principal para que estas especificidades funcionem está no diálogo entre o grupo e o mestre. Temos uma infinidade de sistemas que trabalham com isso, mas que nem sempre são utilizados nas mesas. Um combate aparentemente mortal não precisa o ser. Ter muitos adversários não precisa ser sinônimo de morte. Usar esse elemento pode ser um recurso muito interessante para mestres em suas campanhas. Ao longo das postagens futuras veremos muitas formas alternativas de combate, mortal e não, e como usá-los.
Nem preciso dizer o quanto
estas informações podem ser úteis para qualquer tipo de narrativa que pretendem
realizar. Essas possibilidades enriquecem a descrição de qualquer luta – mesmo
com adagas – para tornarem elas mais emocionantes e menos previsíveis.
Ao invés do simples ataca-defende das lutas podemos aumentar nosso arcabouço de manobras e variar os resultados. Um exemplo bem claro disto pode ser visto no primeiro e segundo volumes da trilogia “Crônicas do Mundo Emerso”, de Licia Troisi, com descrições muito interessantes e ricas em detalhes. Fica a dica...
2 comentários:
Que bom que como sou jogador e mestre de GURPS todas as coisas citadas ai já existem e são básicas no sistema, como isso de atacar em corte ou de ponta ou até mesmo com a parte plana da espada de lado XD
É verdade... um dos primeiros sistemas que aprendi foi GURPS. E nunca entendi por que algo tão básico quanto o famoso gdp (entre outras coisas) não eram usados em outros sistemas.
Por uma série de razões acabamos migrando para outros sistemas, mas levamos junto aquilo de bom do "cultuado" GURPS.
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