sábado, 19 de setembro de 2009

Diário de um Escudeiro - 29

Décimo segundo dia de Salizz de 1392.

Norm é realmente uma cidade incrível. Não por menos que meu avô dizia que quando eu entrasse por seus portões pela primeira vez seria um momento inesquecível. Quando nesta manhã levantamos acampamento, bem cedo, para percorrer mais alguns quilômetros até a cidade que cresceu sob a sede dos Cavaleiros da Luz, eu não tinha noção do que iria vislumbrar.

Os preparativos antes da chegada contaram com muitas peças de metal sendo polidas, vestes sendo ajeitadas e consertadas, cavalos sendo escovados, estandartes sendo erguidos. Todos estavam com suas melhores roupas. Meu senhor vestiu sua reluzente armadura pesada de placas e sobre ela jogou um manto azulado com a efígie de um corcel negro – era uma das tantas marcas que os filhos da terra dos cavalos, Namalkah, gostavam de mostrar. Não sei por que, mas a família de Sir Constant abraçou a cor negra.

Ainda antes de iniciarmos o resto do percurso ele me deu uma veste também - “use esta roupa. Ela será a marca de que estás à meu serviço. Mantenha-a limpa e aprumada. Não esqueça que agora, ostentando minha marca tudo o que fizeres será como se eu tivesse feito. Então seja um exemplo. Não me obrigue a tomar providências!”

As palavras saíram pesadas e ásperas junto de um olhar severo. Mas de qualquer forma eu estava feliz por ter uma vestimenta apropriada para a ocasião. Não que fizesse lá grande diferença para mim. Nunca fui afeito à estas atitudes de gente da cidade, mas estava feliz por poder mostrar que eu servia à ele.

Minha vestimenta contava com uma calça num tom de marrom muito escuro, um camisão branco e uma túnica no mesmo tom de azul da do meu senhor com a mesma figura eqüina. Não conheço muito sobre tecidos ou panos, mas era extremamente confortável e macia.

Depois de toda a comitiva pronta iniciamos o que foi cerca de três horas de marcha não muito veloz já que muitos dos que nos acompanhavam estavam sem montaria. Mas foi um caminho fácil. O terreno era plano como quase todo o reino dos cavaleiros até aqui e as estradas impecáveis transformaram aquela marcha em um belo passeio.

Embora hoje fosse o início dos torneios e o dia da admissão dos novos cavaleiros, tudo estava preparado para acontecer à tarde. Assim quando chegamos aos portões da cidade de Norm ainda nos restava algumas horas antes das atividades. Conforme fomos nos aproximando da cidade sua grandiosidade ia ficando cada vez mais explícita. Uma fenomenal muralha cercava toda a parte principal da cidade. Mas isto não impedia que muitas casas tivessem sido erguidas fora dos muros criando quase que uma segunda cidade, muito mais pobre é verdade.

Agora, quase adormecendo, ainda tenho vívido cada momento depois de ter entrado na cidade. Suas ruas calçadas com pedras brancas, suas casas coloridas e enormes, seus casarões brancos, seu castelo fenomenal. Tudo parecia branco e limpo, tudo parecia nobre.

Conforme a comitiva foi atravessando os portões, cada um seguia seu caminho dispersando-se pelas muitas ruas, vielas e becos. Os cavaleiros quase em sua totalidade foram direto para os campos do torneio no que seria a parte de trás do enorme Castelo da Luz, mas dentro de suas muralhas. Tinha a impressão que conforme nos aproximávamos do castelo, que a enorme estátua do deus da Justiça, imponente e rija e severa, nos acompanhava com seu olhar fundo. Contrariando o que eu imaginava quando entrei na cidade as verdadeiras muralhas eram as do Castelo da Luz. A cidade cresceu a partir destas muralhas, sendo construída outra muito mais baixa e frágil para proteger a cidade.

O movimento dentro da muralha era tão grande e caótico, senão mais, do que na região da cidade. Todos estavam em função das festividades. E cada vez mais cavaleiros eram vistos por mim com suas enormes filas de escudeiros e criados.

Quando chegamos ao mar de tendas multicoloridas, que era a proximidade do espaço do torneio, trombetas à todo o momento proclamavam novas instruções, avisos e anúncios. Muitos pajens andavam por todo o lado carregando papeis indicando onde cada um deveria estar e como proceder. Alguns ainda faziam inscrições para as muitas disputas do torneio.

Mas meu senhor passou reto por tudo e por todos. Simplesmente acenava negativamente com a cabeça recusando cada investida dos pajens. Ele me deixou liberado para acomodar sua bagagem no castelo e fazer o que bem entendesse no resto do tempo até a hora do jantar.

Infelizmente gastei muito mais tempo do que imaginava. Os cavaleiros tinham seus aposentos determinados conforme sua posição e sua importância na hierarquia dos cavaleiros. Isso significou que tive de levar as coisas de Sir Constant até o quarto andar por escadas e mais escadas. Eu não esperava isto. Foram quatro viagens por um labirinto de corredores. Sem contar que tive de deixar tudo arrumado e polido para a noite. Quando terminei já era quase hora do jantar e tive minha folga perdida.

Festividades e cerimônia haviam acontecido pela tarde nos pátios do castelo, mas não pude ver nada. Quem sabe amanhã tenho melhor sorte. Mas mesmo assim não foi tudo perdido. No banquete da noite, junto de um grande baile pude, finalmente, me divertir. Óbvio que os escudeiros não podiam nem passar perto do grande salão, mas acho que a verdadeira festa ocorreu nas áreas destinadas à nós. Tivemos comida à fartura, música e dança, muitas raparigas e mais comida. Me enturmei com facilidade com a ajuda dos escudeiros que já havia conhecido nos últimos momentos da nossa jornada, e nem sei o nome deles ainda. Mesmo com toda a alegria e vinho alguns semblantes ainda eram severos e uma palavra corria em sussurros aqui e ali – Tamu-ra. Infelizmente não consegui descobri nada à respeito, mas deixarei para amanhã.

Dei uma espiada no baile por detrás de umas cortinas junto de outros mais bêbados. Com certeza era uma festa chata cheia de pompa e etiqueta. Acho que só havia uma figura que se divertia lá. A grande figura de toda esta festividade era sem dúvida alguma o comandante da Ordem dos Cavaleiros da Luz, Phillipp Donovan. Seu carisma arrebatava todos por onde ele passava. Com um sorriso largo e gestos amplos ele passava pelos corredores se divertindo muito com a movimentação. Pelo que vi ele não deixou de dar atenção a ninguém que a requisitasse – do nobre ao pajem. Mas claro que ele não é a regra dentre os nobres.

Esta deve ser uma nova etapa para mim. Eu acho, pelo menos.Vou apagar as velas agora, pois amanhã teremos o torneio e as consagrações. E do jeito que estou não conseguirei sair da cama antes de ser mandado à forca pelo meu senhor.

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