Procrastinação e RPG
Um
dos rpgistas que mais acompanho fora do Brasil é sem dúvida o canadense Johnn
Four. Acho que acompanho mais ele do a maioria dos rpgistas nacionais, mas esse
é um papo para outro dia. Um dos temas que ele abordou nessa semana foram dos
motivos que levam alguns mestres à procrastinar quando na tarefa de criar suas
sessões para mestrar. Procrastinar é uma palavra bonita, pelo eu menos eu acho,
é significa adiar, atrasar a realização de algo. Segundo sua análise, um dos
principais motivos para isso é o medo, sim medo, medo que os mestres têm em sua
relação com seus jogadores. Isso me fez lembrar de minhas principais tentativas
de criar aventuras e mestrar.
Minhas
primeiras atuações como mestre foram bem no início dos anos noventa. O RPG
ainda era um termo pouco conhecido, mesmo no meio nerd do Brasil, pior ainda em
Porto Alegre, e aqueles que conheciam queriam jogar, não mestrar. Minha
primeira tentativa de mestrar um aventura me levou a procurar algo pronto. Se
não me falha a memória uma aventura futurista one-shot com Mechs que adaptei
para GURPS. Logo depois me aventurei em criar uma aventura (desculpe o
trocadilho infame).
Em
ambos os casos sofri dos mesmos problemas que não por acaso Johnn Four elenca
como o principal motivo que leva à procrastinação na tarefa de criarmos ou
mestrarmos aventuras. O medo. As lembranças forma vívidas para mim.
O
principal elemento desse medo é que nossa aventura seja algo que os jogadores
não gostem. O RPG é um jogo de natureza socializante. Ele nos coloca frente a
frente com outras pessoas e a diversão nasce de nossa interação ao longo da
sessão. Quando criamos ou mestramos uma aventura de RPG nossa intenção (na
grande maioria das vezes) é que todos os jogadores se divirtam, se divirtam
tanto quanto nós, sendo os mestres ou criadores da aventura. Se por algum
motivo isso não acontece é como uma derrota total. Ok, não é na verdade uma
derrota total, mas muitos mestres não têm essa noção clara e uma aventura que
não agrada aos seus jogadores ou uma mestragem com falhas trazem ao mestre a
sensação vívida de derrota.
No
final das contas esse medo
leva muitos mestres (novatos na maioria, mas não só eles) à cometerem atos que resultam
na procrastinação (sim, gostei do termo!). E é incrível como eu me vi nos
exemplos que Johnn usou, coisas que vejo ainda hoje em muitos novatos e que eu
mesmo fiz.
Um
dos reflexos desse medo é nosso perfeccionismo
em mestrar ou na criação de uma aventura. Note que perfeccionismo não é ruim,
de forma alguma, mas para ele não ser ruim ele deve nos servir, e não nós
ficarmos subordinados à ele. Desejar criar uma vila ou mesmo um cenário com
realismo que facilite na ambientação da aventura e na inserção dos jogadores é
uma tarefa prazerosa é muito útil para nossas sessões. Ou pegar uma aventura
pronta e pesquisar elementos para acrescentar ou as regras e mecânicas que
serão usadas ajuda muito. Mas o exagero nessas tarefas pode ser muito prejudicial.
Muitos
mestres gastam tempo exagerado neste perfeccionismo pelo motivo errado. A
tentativa de criar algo perfeito esconde o desejo de que este perfeccionismo
faça com que sua aventura agrade muito mais, ou melhor, que você não seja
rejeitado como mestre ou criador. Assim perdem um tempo exagerado com cada detalhe
que muitas das vezes nunca serão usados. Alguns mestres novatos atrasam e
atrasam a conclusão de seu cenário ou a aplicação de uma aventura na tentativa
vã de que nada seja esquecido para que tenham maior segurança. Quanto maior sua
segurança, maior será sua confiança no momento de aplicar sua aventura. Lembro
que meu primeiro cenário começou como uma pequena vila e terminou em um caderno
de quinhentas páginas quase que completo por inteiro, tendo vários reinos (com
mapas, distâncias, esquemas de cidades, nomes, biografias, relações de poder,
intrigas, o que havia em cada gaveta de cada casa, etc). Minha insegurança me
levou a querer deixar determinado tudo o que havia em todos os lugares... só
faltou eu escolher a cor dos olhos de cada NPC (heheheh...sério). Na minha
cabeça, seu eu tivesse todas essas informações, nada poderia dar errado e os
jogadores iriam amar o cenário, assim como eu amei criá-lo. O resultado foi que
deixei os meus jogadores semanas esperando para participarem de sua primeira
aventura de RPG... além de que não usei boa parte das informações, e a outra
parte acabou me atrapalhando pelo excesso, justamente, de informação.
Alguns
mestres temem exageradamente ter que responder ao seu jogador – “Não sei a resposta para isso!”, “Não sei
o que tem lá!” ou “Me esqueci de como
isso funciona!” – como se isso fosse manchar suas reputações pela
eternidade. Mesmo que inconscientemente, muitos mestres acabam atrasando suas sessões
em prol de que debulhem mais e mais as regras, de que encontrem mais e mais
referências, saibam mais e mais informações. E por fim, nada daquilo é usado,
ou pior, atrasa a própria dinâmica da mesa.
Como
Johnn fala: “nós sempre procrastinamos
por medo!”. E isso é compreensível. Mas mestrar ou criar suas aventuras é literalmente
colocar nossa cara à tapa, fugir da área de conforte e aprender a lidar com
outras pessoas. Você, mestre, novato ou não, saiba que se você faz isso –
atrasa, adia - por receio de que o resultado não seja perfeito, saiba que isso
é um sentimento normal. Um receio normal. Mas um receio que você deve
trabalhar. Você deve aprender a lidar com ele tanto por ser algo de sua própria
cabeça, quanto por você não estar atrás de aprovação.
É
importante que tenham claro que mestrar ou criar aventuras, o RPG como um todo,
é mais do que aceitação de sua produção e segurança de colocá-la em prática. É
diversão e respeito. Você não mestra ou cria aventuras para ser julgado. Você
faz essas coisas, pois sabe da diversão que o RPG pode proporcionar para quem
joga e para cria. Até mesmo a falha, o torpeço, seja em um furo no cenário ou
no esquecimento da mecânica de algumas regras, pode ser divertido, além de ser
muitíssimo importante na curva de aprendizagem dos rpgistas. Errar, falhar, se
equivocar, corrigir, é o melhor professor que um rpgista pode ter.
Não
estou aqui para apresentar uma fórmula de como mestrar suas primeiras
aventuras. Minha intenção é mostrar para os mestres (novatos, quem sabe) de que
o medo, além de normal, deve ser encarado e trabalhado. Tentar mostrar que
errar é um excelente professor. Mostrar que se a diversão, tanto em criar e
mestrar, quanto em jogar, não está sendo alcançada, que há algo de errado e não
é com você. Mostrar que quanto mais exercitar o ato de mestrar e criar, melhor
será seu desempenho, assim como mais seguro você se considerará. Mostrar
principalmente que você deve ir com calma, esperando e querendo errar para
poder, com os erros, perceber onde deve melhorar.
Mestrar
não tem uma receita, como um bolo. Cada mestre escolhe aquilo que para ele é
importante na aventura para chegar à diversão e foca em criar o melhor ambiente
para isso.
Vamos
lá... tentem... errem.... tentem de novo... Mas não deixem de jogar RPG!
2 comentários:
Gostei da matéria e do assunto tratado, muito bom 😉
Parabéns pelo blog.
Texto muito bom! Acho que quando iniciante e até hoje eu peco pela falta de planejamento quando vou iniciar uma aventura/campanha. O lado bom é que também serve como treino de criatividade. Hoje narro Dungeon World e me sinto em casa. O problema de antes era que eu precisava elaborar tudo sozinho, tomando só como base o BG dos personagens dos jogadores, e com a "descoberta" da narrativa compartilhada, o problema acabou. Eu só planejava algo depois da primeira sessão mesmo. Se ficasse uma bosta, tentava melhorar ou abortava a missão se não tivesse jeito. O negócio é realmente dar o seu melhor, tentar ser coerente e justo.
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