Ainda há muita
incerteza sobre
o futuro dos RPGs
por causa
da guerra fiscal entre
EUA e China
A
onda de incertezas quanto ao “tarifaço” de Trump em sua recente guerra fiscal sem
sentido atinge em cheio o mundo dos RPGs e dos boardgames. Recentemente postei aqui na
Confraria um artigo da Polygon fazendo um apanhado com editoras variadas de RPG
dos EUA sobre os efeitos do tarifaço no mercado, principalmente depois da manifestação
da GAMA (Game Manufacturers Association). As coisas têm piorado com mais
dúvidas e com recentes cancelamentos de projetos antes de iniciarem ou mesmo já
iniciados.
Após
o pânico inicial das editoras de RPG, demonstrado no artigo anterior, houve uma
ligeira onda de esperança, com as pessoas compartilhando uma lista oficial de
insenções que incluía “livros, brochuras, folhetos e materiais impressos
semelhantes em folhas soltas, dobrados ou não” e “livros, brochuras, folhetos e
materiais impressos semelhantes, exceto em folhas soltas”. Isso demonstraria aparentemente
que os livros de regras de RPG de mesa poderiam escapar das tarifas!
No
entanto, no artigo “Rolling for Iniciative: more tariff reactions: RPGs maybe
not be exempt, cost comparisons, lines pulling out?” (algo como Rolando
Iniciativa: mais reações às tarifas: RPGs podem não ser isentos de custos,
linhas sendo extintas?”) do site ICv2 relata que este pode não ser o caso. De
acordo com duas decisões que datam de 1989 e 1991, os livros de regras de RPG
de mesa são classificados como “jogos de arcade, de mesa ou de salão... partes
e acessórios dos mesmos”. Essas decisões foram emitidas pela Agência de
Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA e foram aplicadas à Columbia Games e
à West End Games, respectivamente.
A primeira decisão foi intitulada Módulos de Expansão para RPG de Fantasia.
Na decisão é dito “Em nossa opinião, o título 9504 fornece a descrição mais
específica da mercadoria em questão. Os módulos aprimoram a jogabilidade de
fantasia; não foram projetados para leitura passiva”. Já na segunda decisão,
intitulada, “Os livros de RPG de fantasia são módulos de expansão projetados
para aprimorar a jogabilidade de fantasia, não para leitura passiva”, diz o
seguinte: “Em decorrência do exposto, a mercadoria instantânea é
classificada na subposição 9504.90.9080, HTSUSA, como artigos para jogos de
fliperama, de mesa ou de salão, incluindo máquinas de pinball, bagatelle,
bilhar e mesas especiais para jogos de cassino; equipamentos automáticos para
boliche; peças e acessórios para os mesmos; (...). A alíquota aplicável
é de 4,64% ad valorem”.
Ambas
as decisões têm 35 anos, portanto, não há garantia de que a mesma decisão seja
tomada hoje. Em decisão do ano passado, um suplemento de Shadowrun foi
classificado como um livro, observando que "Esta decisão só leva em
consideração os livros quando importados separadamente". Mas lança
dúvidas sobre o status dos livros de regras de RPG de mesa. São livros ou
jogos, de acordo com as agências alfandegárias dos EUA? Se for a segunda opção,
os livros de RPG de mesa vindos da China sofreriam a mesma tarifa de 145% que
as caixas, acessórios e jogos de tabuleiro. Isso significa que uma tiragem de
US$ 30 mil de alguns milhares de livros incorreria em uma conta adicional de
US$ 43.500 ao chegar a um porto nos EUA — consideravelmente mais do que o custo
de fabricação inicial.
Produtos vindos de outros países que não a China estão atualmente sujeitos a
uma tarifa menor, de 10%. No entanto, com a velocidade com que a situação muda,
é impossível para as empresas planejarem embarques para os EUA. Quaisquer que
sejam as tarifas, o que é necessário para o comércio é estabilidade. A
maioria das organizações precisa de um prazo de entrega medido em semanas — ou
às vezes meses — para orçar e planejar a fabricação e os envios internacionais,
e as tarifas mudam diariamente. E sem nem mesmo saber com certeza se os livros
de regras de RPGs de mesa incorrem na tarifa, talvez tenhamos que esperar até a
primeira remessa chegar ao porto para descobrir!
E
quanto esse tarifaço americano nos afetará no Brasil? Embora o Brasil tenha uma
produção crescente de RPGs totalmente nacionais, a maioria dos títulos jogados
e comercializados são licenças de fora. E mesmo que a impressão seja centrada
em empresas brasileiras, impactos são esperados.
Segundo
alguns contatos com editores de RPGs no Brasil: “Afeta os insumos da
gráfica. O custo de impressão. As gráficas vão repassar esse custo paras
editoras e as editoras para os consumidor. Algumas editoras provavelmente vão
tentar absorver parte do aumento, outras vão repassar tudo e até aumentar um pouquinho
à mais para aproveitar a zona. (...) Tinta e papel vai ficar mais caro
porque são coisas importadas. Usam maquinário importado. Sempre tem algum
reflexo.”
O
certo é que a incerteza lá de fora, de alguma maneira, impactará a produção
nacional. Talvez não numa escala EUA-China e suas taxas recíprocas de três
dígitos, mas sempre haverá impacto. E essa incerteza pode se potencializar no
Brasil quando muito do que é lançado por aqui precisa passar por um
financiamento coletivo com margem baixíssima para a editora/criador e ainda
precisando de um longo período de prazo para produção onde o futuro é ainda mais
incerto. Temos visto algumas coisas “bem estranhas”, como a pré-venda de um
livro básico de RPG todo em preto e branco com um preço estratosférico de uma editora
nacional que não condiz com a média (mesmo a média mais cara), mas ainda não
temos como saber se é já um reflexo antecipado ou apenas um superdimensionamento
da tentativa de lucro. Continuaremos de olho.
Quanto
ao mundo dos boardgames o reflexo é quase imediato lá fora. Falarei do caso
mais profundamente num outro momento, mas podemos adiantar notícias que me
pegaram de surpresa essa semana.
A
indústria de jogos de tabuleiro depende fortemente da fabricação na China. As
tarifas causaram um grande pânico na indústria de jogos de tabuleiro, e os
impactos das taxas já estão aqui. A Cephalofair Games efetivamente paralisou as
atividades do famoso Gloomhaven: Second Edition.
Enquanto
isso, a Flat River Group, proprietária da Greater Than Games, anunciou que
demitiu funcionários da editora e suspendeu todos os projetos. A Greater Than
Games é conhecida por publicar Sentinels of the Multiverse, Spirit
Island e Tak, entre muitos outros. Um representante da empresa
escreveu que ela “passou por uma redução de pessoal em resposta às pressões
econômicas contínuas resultantes da crise tarifária internacional”, mas que
o site Greater Than Games permanecerá ativo com produtos em estoque disponíveis
para encomenda.
Segundo
Isaac Childres, fundador da Cephalofair Games, “Simplesmente não é
economicamente viável trazer jogos de tabuleiro para os EUA com tais tarifas, o
que já está começando a secar as vendas, causando um impacto nos varejistas e
distribuidores que suspeito ser muito pior do que a COVID.”
Pelo
visto as coisas vão piorar muito antes de começarem a melhorar!
[Sites usados como base: ENWorld, Polygon e Bollsoflostsouls]
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