sexta-feira, 18 de abril de 2025

Ainda há muita incerteza sobre o futuro dos RPGs por causa da guerra fiscal entre EUA e China

 Ainda há muita incerteza sobre
o futuro dos RPGs por causa
da guerra fiscal entre EUA e China

 

A onda de incertezas quanto ao “tarifaço” de Trump em sua recente guerra fiscal sem sentido atinge em cheio o mundo dos RPGs e dos boardgames. Recentemente postei aqui na Confraria um artigo da Polygon fazendo um apanhado com editoras variadas de RPG dos EUA sobre os efeitos do tarifaço no mercado, principalmente depois da manifestação da GAMA (Game Manufacturers Association). As coisas têm piorado com mais dúvidas e com recentes cancelamentos de projetos antes de iniciarem ou mesmo já iniciados.

Após o pânico inicial das editoras de RPG, demonstrado no artigo anterior, houve uma ligeira onda de esperança, com as pessoas compartilhando uma lista oficial de insenções que incluía “livros, brochuras, folhetos e materiais impressos semelhantes em folhas soltas, dobrados ou não” e “livros, brochuras, folhetos e materiais impressos semelhantes, exceto em folhas soltas”. Isso demonstraria aparentemente que os livros de regras de RPG de mesa poderiam escapar das tarifas!

No entanto, no artigo “Rolling for Iniciative: more tariff reactions: RPGs maybe not be exempt, cost comparisons, lines pulling out?” (algo como Rolando Iniciativa: mais reações às tarifas: RPGs podem não ser isentos de custos, linhas sendo extintas?”) do site ICv2 relata que este pode não ser o caso. De acordo com duas decisões que datam de 1989 e 1991, os livros de regras de RPG de mesa são classificados como “jogos de arcade, de mesa ou de salão... partes e acessórios dos mesmos”. Essas decisões foram emitidas pela Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA e foram aplicadas à Columbia Games e à West End Games, respectivamente.

A primeira decisão foi intitulada Módulos de Expansão para RPG de Fantasia. Na decisão é dito “Em nossa opinião, o título 9504 fornece a descrição mais específica da mercadoria em questão. Os módulos aprimoram a jogabilidade de fantasia; não foram projetados para leitura passiva”. Já na segunda decisão, intitulada, “Os livros de RPG de fantasia são módulos de expansão projetados para aprimorar a jogabilidade de fantasia, não para leitura passiva”, diz o seguinte: “Em decorrência do exposto, a mercadoria instantânea é classificada na subposição 9504.90.9080, HTSUSA, como artigos para jogos de fliperama, de mesa ou de salão, incluindo máquinas de pinball, bagatelle, bilhar e mesas especiais para jogos de cassino; equipamentos automáticos para boliche; peças e acessórios para os mesmos; (...). A alíquota aplicável é de 4,64% ad valorem”.

Ambas as decisões têm 35 anos, portanto, não há garantia de que a mesma decisão seja tomada hoje. Em decisão do ano passado, um suplemento de Shadowrun foi classificado como um livro, observando que "Esta decisão só leva em consideração os livros quando importados separadamente". Mas lança dúvidas sobre o status dos livros de regras de RPG de mesa. São livros ou jogos, de acordo com as agências alfandegárias dos EUA? Se for a segunda opção, os livros de RPG de mesa vindos da China sofreriam a mesma tarifa de 145% que as caixas, acessórios e jogos de tabuleiro. Isso significa que uma tiragem de US$ 30 mil de alguns milhares de livros incorreria em uma conta adicional de US$ 43.500 ao chegar a um porto nos EUA — consideravelmente mais do que o custo de fabricação inicial.

Produtos vindos de outros países que não a China estão atualmente sujeitos a uma tarifa menor, de 10%. No entanto, com a velocidade com que a situação muda, é impossível para as empresas planejarem embarques para os EUA. Quaisquer que sejam as tarifas, o que é necessário para o comércio é estabilidade. A maioria das organizações precisa de um prazo de entrega medido em semanas — ou às vezes meses — para orçar e planejar a fabricação e os envios internacionais, e as tarifas mudam diariamente. E sem nem mesmo saber com certeza se os livros de regras de RPGs de mesa incorrem na tarifa, talvez tenhamos que esperar até a primeira remessa chegar ao porto para descobrir!

E quanto esse tarifaço americano nos afetará no Brasil? Embora o Brasil tenha uma produção crescente de RPGs totalmente nacionais, a maioria dos títulos jogados e comercializados são licenças de fora. E mesmo que a impressão seja centrada em empresas brasileiras, impactos são esperados.

Segundo alguns contatos com editores de RPGs no Brasil: “Afeta os insumos da gráfica. O custo de impressão. As gráficas vão repassar esse custo paras editoras e as editoras para os consumidor. Algumas editoras provavelmente vão tentar absorver parte do aumento, outras vão repassar tudo e até aumentar um pouquinho à mais para aproveitar a zona. (...) Tinta e papel vai ficar mais caro porque são coisas importadas. Usam maquinário importado. Sempre tem algum reflexo.

O certo é que a incerteza lá de fora, de alguma maneira, impactará a produção nacional. Talvez não numa escala EUA-China e suas taxas recíprocas de três dígitos, mas sempre haverá impacto. E essa incerteza pode se potencializar no Brasil quando muito do que é lançado por aqui precisa passar por um financiamento coletivo com margem baixíssima para a editora/criador e ainda precisando de um longo período de prazo para produção onde o futuro é ainda mais incerto. Temos visto algumas coisas “bem estranhas”, como a pré-venda de um livro básico de RPG todo em preto e branco com um preço estratosférico de uma editora nacional que não condiz com a média (mesmo a média mais cara), mas ainda não temos como saber se é já um reflexo antecipado ou apenas um superdimensionamento da tentativa de lucro. Continuaremos de olho.

Quanto ao mundo dos boardgames o reflexo é quase imediato lá fora. Falarei do caso mais profundamente num outro momento, mas podemos adiantar notícias que me pegaram de surpresa essa semana.

A indústria de jogos de tabuleiro depende fortemente da fabricação na China. As tarifas causaram um grande pânico na indústria de jogos de tabuleiro, e os impactos das taxas já estão aqui. A Cephalofair Games efetivamente paralisou as atividades do famoso Gloomhaven: Second Edition.

Enquanto isso, a Flat River Group, proprietária da Greater Than Games, anunciou que demitiu funcionários da editora e suspendeu todos os projetos. A Greater Than Games é conhecida por publicar Sentinels of the Multiverse, Spirit Island e Tak, entre muitos outros. Um representante da empresa escreveu que ela “passou por uma redução de pessoal em resposta às pressões econômicas contínuas resultantes da crise tarifária internacional”, mas que o site Greater Than Games permanecerá ativo com produtos em estoque disponíveis para encomenda.

Segundo Isaac Childres, fundador da Cephalofair Games, “Simplesmente não é economicamente viável trazer jogos de tabuleiro para os EUA com tais tarifas, o que já está começando a secar as vendas, causando um impacto nos varejistas e distribuidores que suspeito ser muito pior do que a COVID.”

Pelo visto as coisas vão piorar muito antes de começarem a melhorar!

[Sites usados como base: ENWorld, Polygon e Bollsoflostsouls]

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