sábado, 8 de dezembro de 2018

Sobrevivência Incerta - uma história para Starfinder


Uma história para Starfinder
Sobrevivência Incerta

Capítulo 01
O som de eletricidade ecoava pelo ambiente embora estivesse escuro. O ar saturado e denso tinha o odor típico de plástico queimado. Ela ainda estava tentando abrir os olhos embora a vontade que tinha era de manter-se imóvel. A cabeça ainda girava e partes diferentes do corpo doíam. Ela sabia que definitivamente haviam caído. A pergunta era por quê?

A mão tateou instintivamente à procura de sua arma. Um reflexo claro de medo e proteção. Não queria ser pega despreparada mais uma vez. Lá fora era noite e apenas algumas sombras podiam ser percebidas ao longe. O vidro frontal estava intacto, o que era um bom sinal. Seria preciso mais do que essa queda para danificá-lo, ainda mais com os escudos à plena força como estavam, o que a deixa ainda mais curiosa sobre o motivo de terem caído.

Forçou o corpo para frente e percebeu que a nave estava inclinada para estibordo. Devem ter aterrissado em posição inclinada, o que salvou suas vidas. Ela não poderia se esquecer de colocar essa manobra na conta de agradecimentos de Kroan, o que a fez se lembrar - “como estarão os outros?”

Ela olhou para o assento do piloto, ao alcance de sua mão, mas não encontrou nada ao tatear. Isso à tirou de seu estado de apatia como uma daquelas ampolas de adrenalina usadas em momentos do combate.

“Filho da mãe... onde está aquele moleque?” - embora o xingamento fosse sincero, não era de raiva, mas sim de preocupação. Ela havia se responsabilizado por aquele jovem, muito jovem na opinião de todos, mas igualmente excepcional piloto, também na opinião de todos.

Ela chamou por Kroan, mas notou que sua voz saia rouca e fraca. Era o preço da fumaça. Acionou alguns comandos no painel de seu comlink em seu assento e escutou o som abafado e contínuo dos exaustores de emergência. Aproveitou e tentou fazer uma varredura rápida na nave mesmo com o sistema instável. Danos do trem de pouso frontal esquerdo. Rompimento leve no casco do setor de armazenagem. Unidade de energia ok. Motor de deriva ok. Computador meia boca, mas respondendo e mantendo o suporte de vida. Eram boas notícias. Tirando sua cabeça, os danos foram poucos. Poderiam ser reparados em algumas horas. Olhou de novo o mostrador. Escudos no mínimo. Isso podia significar um impacto direto e possivelmente de fonte energética, o que era curioso visto que as contramedidas defensivas e os sensores não detectaram nada.


Tentou o comunicador interno mais uma vez, mas sem sucesso. Alguns circuitos teriam de ser trocados ou o sistema ICM reiniciado. Soltou o cinto e levantou com cuidado, equilibrando o corpo para se ajustar ao piso inclinado. A cabine da Icarus era aconchegante embora não fosse muito grande. Cabiam todos os cinco tripulantes habituais embora tivessem apenas dois assentos - para o piloto e a capitã.

Ela olhou para o interior da nave tentando adaptar a visão à escuridão e fumaça, que diminuía graças aos exaustores que estavam terminando seu trabalho, quando percebeu uma forma humana alguns metros atrás, recostado à parede. Kroan.

Ele não devia estar com seu cinto preso o suficiente e foi arremessado na aterrissagem. Ela se moveu rapidamente até ele e postou-se ao seu lado. Apesar do corte na testa o pulso dele era firme e a respiração estável e o melhor seria deixá-lo descansar. Ela o acomodou com a cabeça apoiada em sua jaqueta e saiu à procura de Nytta. Se ela bem se lembrava a amiga e segunda em comando estava em sua cabine descansando quando tudo aconteceu.

A nave não era das mais novas, era uma Exploradora já com alguns bons ciclos, mas servia muito bem ao seu propósito e a capitã Huua a tinha quase como uma filha. Uma cabine de comando frontal ligado a dois corredores que se uniam formando um só a partir de uma área comum ladeado por cinco aposentos de cada lado, alguns compartimentos e rampa de desembarque. Ou seja, não tinham muito onde procurar.

A capitã deixou-se escorregar até a parede do corredor e avançou apoiada nela. A cabine de Nytta era a terceira daquele lado. O corredor, fora alguns painéis do teto caídos, estava intacto. Mais uma que ela deveria agradecer ao jovem piloto. Ela parou à frente da porta da colega, mas permaneceu inerte. Faíscas denunciavam um curto circuito.

“- Nytta!” - a capitã gritou junto com duas pancadas secas na porta.

“- Huua? Você está bem?” - respondeu uma voz abafada de trás da porta - “porta emperrada… pode fazer algo?”

Ela puxou algo como uma multiferramenta de seu cinto e com habilidade tirou o painel de controle da porta. Um fio cortado depois e a porta estava abrindo.

As duas se estudaram como que uma verificando a condição uma da outra e terminaram em um abraço singelo.

“- Achei que não fosse mais te ver” - disse Nytta mostrando-se surpreendentemente frágil. Quase uma novidade para a capitã.

“- Se escapamos com vida daquela confusão em Absalom, não iríamos morrer numa quedinha dessas.”

“- Pelo amor dos deuses… vocês não podem se ver que já começam com isso… procurem um quarto e me deixem aqui sangrando até a morte” - praguejou Kroan recostado na porta - “e de nada por ter salvo a vida de vocês!”

“- Seu trabalho foi excelente Kroan, sem duvida” - disse a capitã enquanto o apoiava pelo ombro - “vamos para área médica ver esse ferimento… Nytta, verifique os sistemas e reinicie o ICM, depois tente contado com os outros e veja quanto tempo eles levariam para chegar aqui. Quero saber quanto tempo levaremos para sair dessa rocha miserável… e por sinal… descubra onde estamos!”

Nytta de pronto pegou algumas coisas do chão de seu aposento e pôs nos bolsos e saiu correndo em direção à cabine de comando.




Nytta estava empenhada em colocar aquela lata velha, como ela gostava de chamar apenas para irritar a capitã, para funcionar. Logo que chegou à cabine ela tentou scannear a Icarus acionando alguns controles no assento de Huua. Nada. Realmente o ICM teria de ser reiniciado para que todos os sistemas voltassem a operar adequadamente. Ela não estava tranquila com isso. Ninguém estaria tranquilo colocando a nave para dormir em um ambiente estranho, mesmo que por alguns poucos minutos. Infelizmente o baque fora grande e essa era a saída mais segura.  

Ela teclou alguns códigos e inseriu uma senha e após apertar o botão de confirmação dois avisos sonoros tocaram e tudo apagou, de monitores às luzes. No mostrador um timer esverdeado começou uma contagem regressiva de cinco minutos. Quase ao mesmo tempo algumas luzes de emergência acenderam. O breu era ainda mais assustador lá fora.

Na enfermaria tudo apagou e Kroan fitou a capitã - “reinicialização do sistema” - ele resmungou.

“- Nytta está colocando tudo nos eixos… deve levar uns minutos” - completou a capitã enquanto aplicava o último procedimento no garoto. “Agora me diga… o que diabos aconteceu lá em cima?”

“- Sei lá… num minuto estávamos papeando, no outro, do nada, surgiu algo como uma projeção de energia. Parecia até uma erupção daquelas da lua de Altarun. O que sei é que veio direto em nossa direção. Só tive tempo de direcionar todos os escudos para a proa e girar a nave para escapar do impacto direto. Não estivessem nossos escudos no máximo estaríamos torrados agora. De qualquer forma o primeiro impacto foi o pior, acho que foi aí que tu apagou. Os sistemas principais falharam e só tive o suficiente para fazer um pouso o menos fatal possível. Esse banco de areia caiu bem a calhar. Quando batemos nele eu fui jogado para trás. Acordei com o barulho dos amassos de vocês.”


Na cabine Nytta mirava impaciente o timer. Quatro minutos.


A capitã olhava para a escuridão pela escotilha da enfermeira. Não que conseguisse enxergar algo lá fora, seus pensamentos estavam longe recapitulando as informações de Kroan, lembranças, leituras, histórias. Sua cabeça funcionava assim, com um velho computador.

“- Nossas contramedidas não mostraram nada?”

“- Nop!”

“- E o radar?”

“- Também não!”

“- E os sensores estavam travados em inorgânicos, não é?”

“- Essa não é uma zona de grandes ameaças orgânicas que consigam se mover no vácuo… estávamos com cem por cento em inorgânicos caso alguma nave entregasse em nosso radar mesmo com camuflagem.”


Nytta não estava tranquila. Um formigamento na nuca, um arrepio no braço. Algo estava errado. Três minutos.


A testa de Huua estava franzida e Kroan já estiveram com ela o suficiente para saber que aquilo não era bom sinal.

“- Das duas uma. Ou nós descobrimos um novo tipo de vulcão ou…” - sua voz foi diminuindo como se lembrasse de algo - “ou algo orgânico lançou aquilo em nós, algo orgânico e grande o suficiente para quase nos atingir mesmo fora da atmosfera e não ser detectado por nossos sensores.”

“- Como é que é… um canhão de plasma de quatro patas que vai pastando e de repentes arrota uma bomba. Impossível…”

“- Existem criaturas de todo o tipo nesse maldito universo. Isso poderia muito bem se chamar Mundos do Pacto com a Morte, pois sempre tem algo espreitando, pronto para te jantar. E mesmo que não conhecêssemos a variedade é tão grande e inimaginável que é mais fácil existir e apenas ignorarmos isso.”


Nytta jurava que tinha visto algum movimento nas sombras. Era difícil ter certeza. Mas sua mão já procurava a pistola reserva na lateral do assento. Dois minutos.


Huua estava com Kroan na frente da sala de armas, onde deixam os armamentos mais pesados. Estava tentando acionar manualmente a porta. Não queria esperar até o ICM estar ativo de novo.

“- Ainda acho que pode ser uma emboscada de piratas ou sei lá quem” - dizia Kroan encostado ao lado da porta.

“- É possível, mas pouco provável. Armas, mesmo pulsos de energia, têm assinatura. Mesmo rápidos teríamos recebido algum aviso do sistema sobre um ataque no que ele fosse disparado em nós ou mesmo antes, quando mirassem em nós. Ainda não existem armas mais rápidas que a luz e isso nós daria tempo de sobra para um procedimento evasivo.”

A porta abriu a contragosto e com alguma força da capitã.

“- Além disso, há alguns relatos de muito tempo atrás, em algumas luas ou planetas do quadrante S6, não tenho certeza, sobre incidentes assim. Nada bom. Não sobrou ninguém para falar além do que estava nos diários de bordo.”

Huua pega dois pesados rifles e passa um terceiro para Kroan, pegando também alguns outros brinquedinhos.

“- QUANTO TEMPO?” - a capitã grita no corredor em direção à cabine de comando.

De lá uma voz responde meio abafada pela distância - “um minuto… tem algo errado lá fora!”

Huua verificou sua arma mais uma vez enquanto contava os segundos mentalmente. Ela aponta para Kroan levar um fuzil para Nytta, ordem que ele segue rapidamente.


40, 39, 38… - a imediata olhava ora para o timer no comlink, ora para a escuridão do exterior.


De um salto Kroan surgiu na porta iluminado por uma pequena lanterna acoplada em seu ombro. O curativo na testa não ajudava muito e ele acabava com um aspecto estranho. “- O que você viu?” – perguntou o garoto esticando o pescoço em direção ao vidro.

“- Não sei, pode ter sido apenas impressão minha…”

“- Ela franziu a testa!” - ele disse e Nytta entendeu o recado.


25, 24, 23…


A capitã estava verificando se alguns sistemas e circuitos estavam intactos para ter certeza que tão logo o ICM estivesse reiniciado, tudo estaria em funcionamento.


10, 9, 8…


“- Vá com a capitã… eu termino aqui e me encontro com vocês lá atrás.”


3, 2, 1,… uma luz verde piscou duas vezes no mostrador e o sistema reiniciou. Sons típicos de equipamentos eletrônicos surgiram primeiro na cabine e depois por toda a nave, como se ela tivesse acordado de um longo sono. Todas as luzes acenderam em dois ou três grupos até todo o corredor e ambientes estarem iluminados. Nytta esperou alguns segundos e começou a apertar freneticamente comandos no comlink pedindo vistorias e reparos automáticos de tudo o que pudesse ser feito sem a presença de alguém.

Tão logo Kroan alcançou a capitã, antes que pudesse fazer uma piada qualquer, o silêncio foi cortado por sons mecânicos pesados seguidos do inconfundível barulho de disparos. Huua levou um segundo para perceber que não eram contra a nave, mas sim a arma pesada de proteção externa da rampa de embarque. Em ambientes desconhecidos, e sem ordens em contrário, as armas estavam configuradas para atirar primeiro e perguntar depois. Kroan se encolheu por instinto destravando sua arma e apontando em direção à porta de desembarque.

Um instante antes, na cabine, a última coisa que fora acionada foram os sensores. Como a nave reconheceu que estavam em solo, automaticamente o sistema passou a scannear por formas biológicas próximas… e ele fez seu serviço muito bem feito. Uma tela auxiliar ligou à frente do assento da capitã ao mesmo tempo em que Nytta escutou os disparos. Na tela, vários pontos luminosos piscavam, ao redor do que parecia ser a o desenho da nave, mostrando posições em movimento. Muitas. Ao lado de cada ponto se movimento a inscrição ‘Forma de Vida Desconhecida’.



Continue a leitura no:
Capítulo 2 



Nota: Adoro inventar histórias e contos para os cenários que mais curto, e no momento Starfinder está no topo da lista. Todo o charme de seu cenário e de suas regras deixaram minha cabeça fervilhando. Não resisti em colocar no papel as histórias, que naturalmente se formaram, da tripulação da Icarus em sua jornada pelos Mundos do Pacto. Essas histórias servirão para ilustrar elementos e regras do jogo, demonstrar material criado (autoral, oficial ou de outros) e, quem sabe, incentivar que outros façam o mesmo. Espero que apreciem!

Um comentário:

Unknown disse...

Espero pelo proximo.
Uma pergunta, teria como ter adaptação de Mass Efect?


oborohagane@hotmail.com