Sigmata: this signal
kills fascists
- um RPG inovador e
oportuno -
Eu realmente já deveria ter
falado antes sobre o RPG Sigmata: this
signal kills fascists, de Chad Walker, seja pela qualidade, inovação
ou pela atualidade do tema. Com um financiamento coletivo muito bem sucedido no
primeiro semestre de 2018 ele rapidamente ganhou visibilidade que culminou com
a medalha de prata no BAMFsies Awards, premiação para RPGs com temática de
super-heróis.
Com toda a certeza a primeira
coisa que salta aos olhos é o título deste RPG (este sinal mata fascistas). Em tempos como os de hoje não haveria
temática mais oportuna aqui ou lá fora e para compreendê-lo vamos começar
conhecendo o cenário.
Cenário
O jogo se passa nos Estados
Unidos dos anos oitenta, mas não o país que lembramos de nossas memórias de
décadas atrás ou que lemos nos nossos livros de história. Esse nunca existiu. O
mundo de Sigmata é resultado de sua história, de acontecimentos de anos atrás.
Nos anos sessenta é Joseph McCarthy quem concorre à presidência e vence ao
invés de Nixon. Externamente seu mandato joga os Estados Unidos em décadas
contínuas de guerras por procuração contra a União Soviética. Internamente sua
política de caça às bruxas contra comunistas amplia-se para um estado fascista,
autoritário e intolerante, perseguindo todos que não se enquadrem na ‘norma’
aceita. Homossexuais, negros, imigrantes e questionadores do governo são
caçados e levados para campos de concentração. Pessoas ‘de bem’ são encorajadas
a informar ou enfrentar aqueles que são mal vistos pelo governo. Este governo é
conhecido como O Regime.
O cenário se passa em 1986
deste diferente Estados Unidos e a Resistência é a única esperança para minar e
estrangular esse governo fascista, derrubando muros fronteiriços e destruindo
os campos de concentração.
Neste mundo os personagens dos
jogadores são Receptores, a vanguarda super-heroica da Resistência, que são
literalmente acionados quando dentro do alcance do Sinal. Estranho? Sim.
Criativo? Muito. Os personagens são combatentes especializados que estão
ativamente lutando pela Resistência contra este governo fascista. Nem todos os
membros dessa resistência são receptores, mas os que são, são a elite nessa
luta com seus poderes incríveis. Sempre que um receptor estiver dentro do
alcance do Sinal (uma misteriosa sequência numérica), emitido por uma rádio FM
pirata nas proximidades, seus poderes são ‘liberados’. Aquelas pessoas que são
afetadas pelo Sinal, e que são poucas, são alteradas sinteticamente para se
tornarem Receptores. Mas ser um receptor não significa que automaticamente ele
será da resistência e uma verdadeira caçada à essas pessoas especiais se dá de
ambos os lados.
Sendo membro da resistência você
terá duas coisas claras. A primeira delas é a importância de ser uma equipe. A
segunda é de que fará tudo o que for preciso para acabar com as atrocidades
desse governo fascista e isso se dará em três tipos de missões – combate,
evasão e intriga – diferentes entre si mais narrativamente do que por regras,
cada uma tem oponentes específicos: adversários e combatentes em missões de
combate; alarmes e medidas de segurança para missões de evasão; e objetivos
específicos em missões de intriga. À cada missão encerrada, bem sucedida ou
não, trás consequências na forma de como ela afeta o regime fascista e a
própria resistência.
Aqui temos um elemento que
chamou a atenção de quem olhou com mais atenção o cenário – as facções. Nossos
“super-heróis” são poucos e precisam de recursos para operar. Esqueça os
grandes esconderijos repletos de equipamentos de alta tecnologia. Nossos
protagonistas são pessoas que embora especiais ainda fazem parte do mesmo mundo
e modo de vida daqueles que querem proteger e para manter sua luta precisam de
todo o apoio possível. A comunidade que compreende a Resistência não é de modo
algum homogênea e nem podemos imaginar, em plenos anos 80, conectividade e
comunicação. A luta de nossos heróis se dá por operações para várias das
facções existentes e mesmo elas têm sua luta interna, embora o Regime seja o
inimigo em comum. O gerenciamento dessas tensões e de suas operações também
entra em pauta para os personagens.
Mecânica
A mecânica é chamada pelos
próprios autores de Quad-Core. Os personagens possuem quatro habilidades. Agressão determina sua capacidade de
combate e também o quanto extrovertido é. Astúcia
é sua perspicácia e também sua coordenação mão-olho. Julgamento é sua inteligência, consciência e paixão. Valor é sua força física e convicção
social. As rolagens, chamadas de Operações (OPs), e elas servem para determinar
se elas foram ou não bem sucedidas e em qual grau isso se deu. Além disso, a
rolagem determina quem narrará os acontecimentos no espaço da história com
relação à ação do personagem. Assim, o sucesso permite que o jogador narre como
a ação foi bem sucedida e quanto maior o sucesso mais elementos positivos
(conforme algumas diretrizes) ele poderá acrescentar, da mesma forma que a
falha dá ao mestre a tarefa de narrar como e quanto desastrosa foi a ação
conforme o grau da falha, enfatizando estresse, perigo e tensão.
As rolagens de OPs são baseadas
numa das quatro habilidades em jogadas de apenas (e sempre) 5 dados entre d10 (relacionados
aos atributos e chamados de core dice)
e d6 (complementares e chamados de entropy
dice). O jogador pega um d10 para cada ponto de habilidade que será
utilizada dependendo do que está tentando realizar. Ele completa esse conjunto
de dados com d6 para somar os cinco dados da jogada. O resultado esperado é ‘6’
ou superior não importando em quais dos dados eles saiam, enquanto o resultado
‘1’ anula sucessos. O personagem precisa de pelo menos o sucesso em um dos
dados para que sua tarefa tenha sido realizada minimamente ou realizada com
consequências. Três sucessos ou mais representam um crítico, enquanto falhas
abaixo de zero são falhas críticas.
Essas jogadas ocorrem durante
as Cenas que são elaboradas inicialmente pelo Mestre com descrição do ambiente
da cena, elaborando detalhes e atividades interessantes, descrevendo os tipos de
pessoas presentes, evocando um clima específico e descrevendo visões, sons,
cheiros e sensações experimentadas pelos receptores. Após a descrição inicial a
cena e construída narrativamente pela participação de todos – mestre e
jogadores – em um sistema tal qual rodadas. Cada rodada representa um tempo
específico – segundos, minutos ou horas – que são representadas por ações de
cada jogador em uma Operação escolhida. Ou seja, à cada rodada o resultado de
uma Operação de um jogador irá construir uma parte da Cena.
Aqui temos um ponto
interessante de Sigmata que é a inexistência de pontos de vida. Ao invés disso
ele trabalha com a noção de Exposição.
Cada cena possui algum tipo e grau de risco (de zero à dez) onde o real efeito
depende da cena em si e da ação escolhida e do resultado desejado. Um risco
grave pode ir de ser ferido ou morto, à alguém ser morto ou uma intriga dar
errado.
Isso é só a ponta do iceberg!
Final
Fiquei muito impressionado logo
que comecei a ler Sigmata, primeiramente pela qualidade e clareza dos textos.
Não é nada panfletário e muito menos fanservice partidário. Ele cria um cenário
alternativo crível principalmente pelos tempos sombrios que vivemos aqui e lá
fora. Ao mesmo tempo ele deixa clara a dificuldade de lutar com regimes desta
natureza inclusive devido aos problemas internos e interesses das resistências.
Não espere um RPG de super-heróis no padrão que uma HQs mainstream. Os
superpoderes são um elemento do cenário e não o protagonista como em Mutantes e
Malfeitores ou Masks. Ele é um jogo para construção cooperativa, debate e
reflexão.
Em segundo lugar eu achei muito
charmosa e elegante a forma de interligar a mecânica criada para o sistema com
a intenção de narração cooperativa de mestres e jogadores. Fácil, simples,
eficaz... e muito divertido. Nada de tabelas frias com opções engessadas para
sucessos e fracassos. Agora ambos são construídos por jogadores e mestres em
meio à ação e ninguém se incomoda com isso. É ideal para quem procura a
diversão da jornada e não apenas a satisfação do sucesso!
Apenas uma coisa me desagradou
no livro e está em seu design. O texto flui facilmente. Ele é linear
acompanhando a curva de entendimento e aprendizagem dos leitores de forma eficaz
e coerente. Sua distribuição se dá em conjuntos de três ou quatro parágrafos
para cada tópico... por todo o livro. Infelizmente a falta de resumos ou textos
em destaques dificulta encontrarmos temas específicos ou explicações desejadas.
Para as primeiras mesas isso pode se tornar um incômodo, embora após algumas
sessões isso será minimizado.
Sigmata:
this signal kills fascists vale cada centavo investido.
Pela temática, pela inovação e pela diversão da nova experiência!
Nota 9,5
Link para aquisição do livro - AQUI
Um comentário:
krl q foda! Quero jogar isso!
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