segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Resenha: Sigmata: this signal kills fascists - um RPG inovador e oportuno



Sigmata: this signal kills fascists
- um RPG inovador e oportuno -

Eu realmente já deveria ter falado antes sobre o RPG Sigmata: this signal kills fascists, de Chad Walker, seja pela qualidade, inovação ou pela atualidade do tema. Com um financiamento coletivo muito bem sucedido no primeiro semestre de 2018 ele rapidamente ganhou visibilidade que culminou com a medalha de prata no BAMFsies Awards, premiação para RPGs com temática de super-heróis.

Com toda a certeza a primeira coisa que salta aos olhos é o título deste RPG (este sinal mata fascistas). Em tempos como os de hoje não haveria temática mais oportuna aqui ou lá fora e para compreendê-lo vamos começar conhecendo o cenário.


Cenário
O jogo se passa nos Estados Unidos dos anos oitenta, mas não o país que lembramos de nossas memórias de décadas atrás ou que lemos nos nossos livros de história. Esse nunca existiu. O mundo de Sigmata é resultado de sua história, de acontecimentos de anos atrás. Nos anos sessenta é Joseph McCarthy quem concorre à presidência e vence ao invés de Nixon. Externamente seu mandato joga os Estados Unidos em décadas contínuas de guerras por procuração contra a União Soviética. Internamente sua política de caça às bruxas contra comunistas amplia-se para um estado fascista, autoritário e intolerante, perseguindo todos que não se enquadrem na ‘norma’ aceita. Homossexuais, negros, imigrantes e questionadores do governo são caçados e levados para campos de concentração. Pessoas ‘de bem’ são encorajadas a informar ou enfrentar aqueles que são mal vistos pelo governo. Este governo é conhecido como O Regime.


O cenário se passa em 1986 deste diferente Estados Unidos e a Resistência é a única esperança para minar e estrangular esse governo fascista, derrubando muros fronteiriços e destruindo os campos de concentração.


Neste mundo os personagens dos jogadores são Receptores, a vanguarda super-heroica da Resistência, que são literalmente acionados quando dentro do alcance do Sinal. Estranho? Sim. Criativo? Muito. Os personagens são combatentes especializados que estão ativamente lutando pela Resistência contra este governo fascista. Nem todos os membros dessa resistência são receptores, mas os que são, são a elite nessa luta com seus poderes incríveis. Sempre que um receptor estiver dentro do alcance do Sinal (uma misteriosa sequência numérica), emitido por uma rádio FM pirata nas proximidades, seus poderes são ‘liberados’. Aquelas pessoas que são afetadas pelo Sinal, e que são poucas, são alteradas sinteticamente para se tornarem Receptores. Mas ser um receptor não significa que automaticamente ele será da resistência e uma verdadeira caçada à essas pessoas especiais se dá de ambos os lados.

Sendo membro da resistência você terá duas coisas claras. A primeira delas é a importância de ser uma equipe. A segunda é de que fará tudo o que for preciso para acabar com as atrocidades desse governo fascista e isso se dará em três tipos de missões – combate, evasão e intriga – diferentes entre si mais narrativamente do que por regras, cada uma tem oponentes específicos: adversários e combatentes em missões de combate; alarmes e medidas de segurança para missões de evasão; e objetivos específicos em missões de intriga. À cada missão encerrada, bem sucedida ou não, trás consequências na forma de como ela afeta o regime fascista e a própria resistência.

Aqui temos um elemento que chamou a atenção de quem olhou com mais atenção o cenário – as facções. Nossos “super-heróis” são poucos e precisam de recursos para operar. Esqueça os grandes esconderijos repletos de equipamentos de alta tecnologia. Nossos protagonistas são pessoas que embora especiais ainda fazem parte do mesmo mundo e modo de vida daqueles que querem proteger e para manter sua luta precisam de todo o apoio possível. A comunidade que compreende a Resistência não é de modo algum homogênea e nem podemos imaginar, em plenos anos 80, conectividade e comunicação. A luta de nossos heróis se dá por operações para várias das facções existentes e mesmo elas têm sua luta interna, embora o Regime seja o inimigo em comum. O gerenciamento dessas tensões e de suas operações também entra em pauta para os personagens.



Mecânica
A mecânica é chamada pelos próprios autores de Quad-Core. Os personagens possuem quatro habilidades. Agressão determina sua capacidade de combate e também o quanto extrovertido é. Astúcia é sua perspicácia e também sua coordenação mão-olho. Julgamento é sua inteligência, consciência e paixão. Valor é sua força física e convicção social. As rolagens, chamadas de Operações (OPs), e elas servem para determinar se elas foram ou não bem sucedidas e em qual grau isso se deu. Além disso, a rolagem determina quem narrará os acontecimentos no espaço da história com relação à ação do personagem. Assim, o sucesso permite que o jogador narre como a ação foi bem sucedida e quanto maior o sucesso mais elementos positivos (conforme algumas diretrizes) ele poderá acrescentar, da mesma forma que a falha dá ao mestre a tarefa de narrar como e quanto desastrosa foi a ação conforme o grau da falha, enfatizando estresse, perigo e tensão.

As rolagens de OPs são baseadas numa das quatro habilidades em jogadas de apenas (e sempre) 5 dados entre d10 (relacionados aos atributos e chamados de core dice) e d6 (complementares e chamados de entropy dice). O jogador pega um d10 para cada ponto de habilidade que será utilizada dependendo do que está tentando realizar. Ele completa esse conjunto de dados com d6 para somar os cinco dados da jogada. O resultado esperado é ‘6’ ou superior não importando em quais dos dados eles saiam, enquanto o resultado ‘1’ anula sucessos. O personagem precisa de pelo menos o sucesso em um dos dados para que sua tarefa tenha sido realizada minimamente ou realizada com consequências. Três sucessos ou mais representam um crítico, enquanto falhas abaixo de zero são falhas críticas.

Essas jogadas ocorrem durante as Cenas que são elaboradas inicialmente pelo Mestre com descrição do ambiente da cena, elaborando detalhes e atividades interessantes, descrevendo os tipos de pessoas presentes, evocando um clima específico e descrevendo visões, sons, cheiros e sensações experimentadas pelos receptores. Após a descrição inicial a cena e construída narrativamente pela participação de todos – mestre e jogadores – em um sistema tal qual rodadas. Cada rodada representa um tempo específico – segundos, minutos ou horas – que são representadas por ações de cada jogador em uma Operação escolhida. Ou seja, à cada rodada o resultado de uma Operação de um jogador irá construir uma parte da Cena.

Aqui temos um ponto interessante de Sigmata que é a inexistência de pontos de vida. Ao invés disso ele trabalha com a noção de Exposição. Cada cena possui algum tipo e grau de risco (de zero à dez) onde o real efeito depende da cena em si e da ação escolhida e do resultado desejado. Um risco grave pode ir de ser ferido ou morto, à alguém ser morto ou uma intriga dar errado.

Isso é só a ponta do iceberg!


Final
Fiquei muito impressionado logo que comecei a ler Sigmata, primeiramente pela qualidade e clareza dos textos. Não é nada panfletário e muito menos fanservice partidário. Ele cria um cenário alternativo crível principalmente pelos tempos sombrios que vivemos aqui e lá fora. Ao mesmo tempo ele deixa clara a dificuldade de lutar com regimes desta natureza inclusive devido aos problemas internos e interesses das resistências. Não espere um RPG de super-heróis no padrão que uma HQs mainstream. Os superpoderes são um elemento do cenário e não o protagonista como em Mutantes e Malfeitores ou Masks. Ele é um jogo para construção cooperativa, debate e reflexão.

Em segundo lugar eu achei muito charmosa e elegante a forma de interligar a mecânica criada para o sistema com a intenção de narração cooperativa de mestres e jogadores. Fácil, simples, eficaz... e muito divertido. Nada de tabelas frias com opções engessadas para sucessos e fracassos. Agora ambos são construídos por jogadores e mestres em meio à ação e ninguém se incomoda com isso. É ideal para quem procura a diversão da jornada e não apenas a satisfação do sucesso!

Apenas uma coisa me desagradou no livro e está em seu design. O texto flui facilmente. Ele é linear acompanhando a curva de entendimento e aprendizagem dos leitores de forma eficaz e coerente. Sua distribuição se dá em conjuntos de três ou quatro parágrafos para cada tópico... por todo o livro. Infelizmente a falta de resumos ou textos em destaques dificulta encontrarmos temas específicos ou explicações desejadas. Para as primeiras mesas isso pode se tornar um incômodo, embora após algumas sessões isso será minimizado.

Sigmata: this signal kills fascists vale cada centavo investido. Pela temática, pela inovação e pela diversão da nova experiência!


Nota 9,5


Link para aquisição do livro - AQUI

Um comentário:

SKAFT20 disse...

krl q foda! Quero jogar isso!