Uma campanha de RPG
com 43 anos de
duração!
Em
setembro de 1982, Robert Wardhaugh, um estudante de história na Universidade de
Western Ontário, convidou amigos para o seu apartamento para uma nova campanha
de Dungeons & Dragons. Naquela noite, um jogador criou o guerreiro Morgan
Ironwolf. Outro escolheu um feiticeiro chamado Ebenezar, o Cinzento. Também foi
criado um ladino, mas esse personagem morreu no início da aventura. Eles
exploraram uma caverna repleta de goblins, encontraram um tesouro e subiram de
nível. Foi uma primeira sessão normal, mas os jogadores voltaram na semana
seguinte e todas as semanas depois. Quarenta e três anos depois, em 2025, o
grupo ainda se reúne para jogar. Já contei essa história real aqui na Confraria
alguns anos atrás, mas como o público está sempre se renovando, por que não a
trazermos novamente?
Robert
Wardhaugh é agora professor de história e tem sido o mestre para o mesmo mundo
de campanha durante todos estes anos. Ele nunca recomeçou ou começou uma nova
campanha. Este mundo tem história, mitologia, cultura e arte tanto no jogo como
na vida real. Quando os personagens visitam uma cidade, eles se lembram de
eventos que aconteceram décadas atrás. Os descendentes dos vilões aparecem e os
jogadores recordam de batalhas com os seus antepassados. Os acontecimento das
sessões anteriores são realidade passada.
“Você
consegue fazer coisas no jogo que não consegue fazer em um jogo comum. Quer
dizer, todos nós crescemos jogando jogos de tabuleiro e de cartas, mas as
regras são muito definidas. E aí, de repente, você começa a expandir os limites
dessas regras”
-
Robert Wardhaugh
Wardhaugh
guarda notas detalhadas de tudo. Seus arquivos contêm mapas, elementos de
enredo utilizados, folhas de personagens e resumos de um enorme número de
sessões. Alguns jogadores entraram e saíram, mas o núcleo continuou o mesmo.
Milhares de horas foram gastas construindo um mundo que só existe na imaginação.
Alguns personagens foram interpretados há décadas. Há descendências com
verdadeiras árvores genealógicas. Os jogadores conhecem seus personagens tão
bem quanto eles se conhecem a si mesmos. Decisões tomadas como Morgan ou
Ebenezar moldaram as suas vidas e o seu mundo de jogo.
Quando
um jogador faleceu, o grupo não acabou. Eles realizaram um funeral para o seu
personagem guerreiro, honrando trinta e cinco anos de aventuras. Os personagens
de outros jogadores fizeram elogios e colocaram-no num local significativo no
cenário. Esta campanha é mais do que um jogo. Tornou-se mitologia, uma história
partilhada que abrange gerações da vida dos jogadores.
Os
personagens agora estão em níveis superiores, quase semideuses. Eles salvaram
reinos, derrubaram impérios e mudaram continentes. No entanto, o grupo continua
jogando. Atualmente, ele conta com cerca de 60 jogadores de diversas regiões
que se revezam no jogo. Alguns são velhos amigos com quem joga desde sempre.
Outros são jogadores novos que ele foi conhecendo ao longo do tempo. Já não se trata de desafios ou pontos. É sobre
amizade, imaginação e a alegria de criar uma história juntos.
Pesquisadores
estudaram a campanha de Wardhaugh para entender memória, criatividade e
narrativa colaborativa. Os próprios jogadores vêem isso simplesmente como a sua
história. Eles criaram um mundo juntos por mais de quatro décadas. Eventos da
vida real como casamentos, filhos, divórcios e até mesmo uma pandemia não os
impediram de continuar as suas aventuras semanais.
Mas
nem tudo são flores, pois os jogadores sempre correm o risco de seus
personagens morrerem em algum momento. Se isso acontecer e eles não tiverem
outros personagens secundários ou descendentes, não terão escolha a não ser
abandonar o jogo. Isso fez com que alguns jogadores chorassem porque não podiam
mais continuar. Mesmo assim, Robert considera que a
morte é algo positivo porque é o que dá emoção ao jogo: "o medo de
saber que se ficar sem personagens não voltará ou não poderá continuar usando
aquele herói que manteve vivo durante meses ou anos".
Hoje,
Robert Wardhaugh tem uma filha que gosta de Dungeons and Dragons desde os seis
anos de idade. Nessa época, ela entrou no jogo com uma fada e hoje,
aos 21 anos, continua jogando. Além do mais, isso gerou uma situação
curiosa quando ela começou a namorar e o namorado dela também quis jogar. O pai
antecipou um possível término e a avisou: "se você terminar com
ele, eu não posso terminar com ele". Ele diz que se alguém começa a
jogar, ele nunca vai impedir aquela pessoa de continuar jogando.
Esta
campanha de Dungeons and Dragons durou mais do que a maioria das amizades,
carreiras e hobbies. É um testemunho da criatividade compartilhada e do amor
humano por contar histórias. O que começou como um jogo em 1982 continua hoje,
provando que a imaginação e a amizade podem durar décadas. Todas as
sextas-feiras, eles fazem a mesma pergunta que fizeram nos últimos 43 anos: “O
que você faz?” Então eles jogam os dados para descobrir.
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