quarta-feira, 14 de maio de 2008

Diário de um Escudeiro - 8

Décimo quarto dia de Cyd de 1392.

O dia de hoje reservou muitas surpresas.

É incrível a quantidade de coisas que um escudeiro tem de fazer. É tanta coisa que nestes últimos dias nem tenho tido tempo, ou condições físicas, para escrever em meu diário. Já faz alguns dias que não consigo escrever. Meu avô nunca me disse que eram tantos afazeres. Me sinto mais como um empregado de casa do que como um escudeiro.

Tenho de levantar-me antes de meu senhor, preparar todo o seu alimento, preparar sua armadura e muito mais. Depois disso posso me alimentar.

A convivência com Sir Constatnt ainda está meio fria, mas acredito que com o tempo melhorará...

Este início de viajem me trouxe, pelo menos por enquanto, uma boa surpresa. Eu nunca houvera vindo para estes lados do reino. Estas pradarias são maravilhosas. A grande deusa estava inspirada, se é que se pode dizer algo do tipo, quando formulou este pedaço do reino. Os campos perdem-se de vistas para ambos os lados. De quando em quando grupos de árvores criam pequenos oásis verdes e convidativos. Manadas de garbosos corcéis vagueiam por estas regiões tendo como único limite o horizonte. Realmente é uma benção estar por aqui.
Estamos nos encaminhando para Suth Eleghar, na fronteira com Yuden. Já passamos por duas ou três vilas e o que mais vemos são caravanas de mercadores e pequenos grupos de guerreiros (aventureiros eu presumo) indo e vindo, cada um com membros mais esquisitos do que o outro.

Segundo meu Senhor, estamos indo num bom ritmo e chegaremos em Bielefield antes do previsto. Não posso imaginar o que poderemos encontrar por lá...

Mas o mais estranho de hoje aconteceu no meio da tarde, quando estávamos percorrendo a estrada por pelo menos duas horas depois do almoço. Avistamos, ao longe, um cavaleiro à pé, vindo em nossa direção, acompanhado de mais dois companheiros.

Era um guerreiro não muito alto, mas forte. Trazia no rosto a marca da idade e nas costas curvadas o peso do cansaço e do calor. Apoiava-se com uma lança para não cair ao chão. Na outra mão trazia um escudo com uma balança cravada nele várias vezes. As vestes estavam arranhadas e amassadas tanto quanto as batalhas o permitem.

Logo atrás vinha um anão arrastando um enorme machado. Nunca entendi como pessoas tão pequenas quanto eles conseguem usar de forma tão magistral um armamento tão grande e pesado. Ele também trazia a as marcas do cansaço.

Por fim vinha uma moça muito jovem trazendo às costas dois arcos, sobre o ombro esquerdo, e uma aljava no outro.

Parecia que haviam saído do inferno e estavam voltando, com dificuldade, para casa. Embora não fosse a mais belas das imagens havia algo naquele quadro que me atraia. Algo que lembrava as histórias de meu avô. Algo com cheiro de aventura.

“- Salve caro irmão de armas!” – gritou o cavaleiro que vinha à pé ao nos ver.

“- Salve!” – disse Sir Constant de forma curta com o cavalo quase em cima dos aventureiros.

“- Seria pedir muito se pudesse nos dispor de um pouco de água? Nossa jornada teve alguns imprevistos...”

“- Claro que poderia....” – eu já estava me preparando para descer do cavalo para ajuda-los quando meu Senhor me deteve – “- Mas estou iniciando um percurso muito longo e não posso correr o risco de ficar sem algo tão necessário quanto água.” Os olhos dos três aventureiros empoeirados pareciam não acreditar nas palavras de meu senhor. Sir Constant continuou: “- Mas vocês têm sorte. Pouco mais de três horas daqui fica uma ótima estalagem que tenho certeza que poderá tratar-lhes da melhor forma possível. Peço que compreendam. Não é por má vontade. Mas como já estão indo naquela direção ficará muito mais fácil para vocês chegarem lá do que ter de voltar.”

“- Claro que entendemos” – respondeu o velho cavaleiro abrindo um longo sorriso que deixou o bigode ainda mais espesso do que já era – “eu entendo muito bem e peço desculpas pelo incomodo. Não tínhamos a intenção de criar um estorvo para tão nobre senhor.”

Os dois cavaleiros ficaram em silêncio se olhando nos olhos por alguns instantes. Então Sir Constant tocou o flanco de sua montaria com o calcanhar e recomeçou a andar, sem olhar para trás. Eu, sem saber como me portar ou o que dizer, acompanhei meu senhor.

Sir Constant permaneceu em silêncio por quase meia hora. De repente quebrou o silêncio.

“- Meu caro, você pode não ter entendido nada, mas eu apenas proporcionei um benefício para meu irmão de destino. Alguns seguem um código de honra antiquado, e porque não dizer equivocado. Aliam-se à qualquer tipo de ser e seguem o inglório caminho das dificuldades. Não percebem as verdadeiras palavras e desígnios que o grande Khalmyr pretende para seus nobre cavaleiros.”

Eu acelerei para manter-me com meu cavalo ao lado dele eescutar com maior facilidade.

“- Por mais que tentem eles não podem achar que serão o fiel da balança das injustiças de Arton” – continuou ele – “nossa perspectiva é muito mais visionária e nobre. Não somos qualquer tipo de cavaleiro e não seguimos à qualquer deusinhos destes que têm por aí. Somos seguidores do grande Khalmyr. Precisamos manter nossa estirpe intacta para podermos mostrar o caminho e ser o exemplos vivo e visual da nobreza que trazemos em nós.”

“- Mas não é exatamente isso que Khalmyr quer de todos nós – justiça – e que façamos nossa parte?” – arrisquei perguntar.

Mas com um abanar de mão de desdém ele apenas bufou, de leve dizendo – “meu caro, não espero entendas. És muito jovem e sem conhecimento do mundo. Mas deves ter cuidado ao contradizer um cavaleiro. Não estás em nível de me contradizer. Escute mais e aprenda tudo o que tenho para lhe ensinar. Terás muito benefício nisto.”

Mais alguns instantes de silêncio seguiram.

“- Agora ande atrás de mim... Me sinto nervoso quando ao meu lado não há um outro cavaleiro...” e acelerou seguindo alguns metros à minha frente.

Particularmente eu sempre achei que Khalmyr nos queria atuando no mundo. Meu avô sempre me disse que reconhecemos o verdadeiro cavaleiro de Khalmyr por aquilo que ele demonstra com seus atos.

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