Caçadores de Abutre
Capítulo 4
Grupos e personagens principais
Conto de João Eugênio Brasil
Grupos e personagens principais
Conto de João Eugênio Brasil
4. Conto do Grupo de Arte
A música ecoava alto pelas ruas e vielas de Smishitown. O pequeno bairro ficava num extremo da capital de Portsmouth, mas quase não tinha ligação com a metrópole daquele reino. Sua população era composta principalmente por pobres e desprovidos de qualquer status. Os parias, como em qualquer cidade de porte considerável. Por isso mesmo a entrada festiva daquele carroção trazia uma mescla de alegria, espanto e prazer no populacho espremido pelas calçadas.
O bairro “daqueles”, como o resto da população da capital costumava chamar com uma cara de nojo, era delicadamente separado do resto da cidade por um cercado, uma espécie de paliçada. Mas depois de tanto tempo aquela característica estranha já não incomodava aos moradores.
A população era composta por mais moradores do que lugares para viverem. Eram verdadeiros amontoados de casebres acinzentados de madeira, muitos deles equilibrados em estranhos sobrados. As vielas e becos eram, em sua maioria, verdadeiros esgotos ao céu aberto. Não mais de meia dúzia de poços tinham água para suprir toda aquela população. Animais domésticos corriam de cá para lá por entre ratos e baratas.
Mas parece que nada disso diminuía a alegria estampada no rosto das crianças e de seus pais frente à maravilha de sons e cores que entravam por aquele portão tosco e sujo. Era uma população pobre, suja e faminta. Eram desprovidos de todos os mais simples bens para viver. Possuíam suas crenças e temores, amores e desejos. Ainda assim possuíam aquele brilho no olhar. E aquelas cinco figuras percebiam isso.
A carroça puxada por quatro cavalos, era praticamente toda forrada pelos mais diferentes e coloridos tecidos, do topo ao eixo das rodas. Muito longa necessitava de três jogos de rodas. Mas mesmo assim percorria aquela rua esburacada com admirável maciez.
Sobre a carroça, literalmente em seu teto, estava Ioridis. Trajando roupas laranjas vívidas e soltas como se cercada de muitos lençóis. Ela gostava de dizer que as roupas que houvera trazido das comunidades das grandes terras secas do norte lhe caiam muito bem. O turbante azul celeste, enrolado em sua cabeça, escondia as orelhas alongadas lhe auxiliando no intento de camuflar sua raça em reino tão perigoso. Ela era uma meia-elfa extremamente atraente. Mas mesmo assim nada arrancava aquele olhar vazio e quase sem vida. Por isso mesmo a melodia alegre que saia de sua harpa, que contrastava com sua fisionomia, encantava à todos e chamava muito mais atenção.
À frente da carroça vinham os gêmeos Kavoc e Savac. As duas figuras pareciam espelhadas em aparência e movimentos. Vestiam apenas alvas calças largas, afinadas próximo aos tornozelos, e botas de um breu reluzente. Vinham saltitando e girando no ar em malabarismo desconcertantes que arrancavam do público feminino aplausos e suspiros e das crianças gritos de viva. Uma vez ou outra puxavam uma criança para perto e a usavam em algum movimento simples, mas que encantava a população e trazia mais sorrisos aos infantes.
Logo atrás dos espavitados e saltitantes irmãos estava Lifaen. Sua beleza só não chamava mais atenção do que a pouca roupa que usava. Isso não a incomodava em absoluto. Pelo contrário, ela adorava ver o semblante abobalhado dos homens que a cortejavam e a desejavam. Tinha plena noção de que está era sua maior arma – o desejo e a satisfação deles. Ela percorria a rua deslizando como se não tocasse o chão. Trazia nas mãos alguns panfletos, mesmo sabendo que quase ninguém saberia lê-los. Mesmo assim não se abdicava de chegar bem perto dos homens para entregar-lhes cada panfleto, antes destes serem puxados por suas esposas.
Na chefia desta trupe, e conduzindo a carroça, estava Leonard. Como de costume ele vinha todo envolto numa pesada capa de lã com a cabeça encoberta por um capuz. Ninguém dava atenção à ele até o momento que ele escolhesse. Como de rotina, de repente ele parava a carroça e todos os seus amigos silenciavam. Ele se levantava e deixava cair a capa. Sua roupa era ainda mais colorida que a de Ioridis. A barba e o cabelo longos contrastavam com os tons vermelhos e amarelos da roupa.
“- Senhoras e senhores!!! Temos o inenarrável prazer de estarmos aqui. Somos carregadores. Carregamos alegria, ilusão e felicidade aonde necessitem. Abrimos os olhos dos cegos, os ouvimos os surdos e gritamos pelos mudos.”
Aplausos extasiados corriam por todo o público que estava amontoados ao redor da carroça. Os gêmeos iam realizando piruetas ao redor da meia-elfa no topo da carroça enquanto Lifaen permanecia sentada, mais abaixo, o mais recatada que ela conseguisse.
“- Conseguimos uma pequena vaga em nosso calendário abarrotado de compromissos para satisfazer os desejos de nossos melhores amigos...”
“- Mas não temos dinheiro algum....” – gritou um senhor ao fundo da turba.
“- Cada público nos dá o que tem de melhor. Dos ricos queremos o dinheiro, de vocês queremos o prazer da companhia.... e um pouco de vinho, é claro!” – mais aplausos, gargalhadas e urros de alegria subiram ao céu.
Leonard sabia exatamente como controlar um público. Sabia como ninguém dizer o que queriam escutar e tirar-lhes o que desejava. Mas o alvo dele não era, com certeza, essas pessoas simples. Ele sabia distinguir muito bem as pessoas. Daquele portão para fora estavam seus verdadeiros inimigos. A população afetada, empolada e racista de Portsmouth, sedenta por sangue inocente e facilmente manipulada por Ferren, e porque não dizer que por Leonard também.
Daquele portão para dentro estavam pessoas quase que igualmente segregadas, é verdade que menos que os manipuladores de sortilégios, mas igualmente indiferentes aos olhos do resto da população. Eles tinham um ódio por magos que foi criado artificialmente em seu modo de vida e em seus corações, que eram mais como reproduções do que significa ser um morador do reino do que por algo consciente.
Essa população era também um alvo para esse grupo. Mas alvo da quase doutrinação que estavam prestes a fazer naquela noite. Eles eram a esperança de que algo poderia ser alterado se fossem esclarecidos. Essa era a sua jornada, sua tarefa, sua diversão.
“- Quero ver todos vocês, esta noite, na praça central deste “nobre” bairro!!!” – ele fez uma reverência e aplaudiu sua platéia – “teremos muita diversão, alegria e bebida... tudo por conta das gordos pagamentos deles” – ele apontava com desdém com o polegar sobre o ombro em direção ao resto da cidade. Mais vivas explodiam por todo o lado.
A entrada triunfante e barulhenta estava encerrada. A população retornava aos poucos aos seus afazeres diários e as crianças permaneciam aqui e ali procurando mais alguma atenção, coisa que os gêmeos não se negavam de forma alguma.
Do alto do carroção Leonard observava as pessoas na rua, perdido em seus pensamentos. Seu raciocínio estava em pleno funcionamento repassando tudo o que cuidadosamente planejara para aquela noite. Cada detalhe estava pensado e repensado. Seria uma noite inesquecível para aquelas almas.
“- Você deve aprender a relaxar”.
A voz suave vinda daquela pequena e bela mulher atingiu Leonard com um impacto gostoso. Mesmo sem virar a cabeça um grande sorriso estampou-se na face e um calor aqueceu-lhe a alma. Sempre que Karin se encontrava com Leonard, velhas chamas voltavam à tona.
“- Ora, ora.... se não é a moça mais linda deste e de outros tantos reinos” – Leonard saltou com maestria e caiu como um gato ao lado da moça.
Ela de pronto enlaçou-o com os braços no pescoço, apertando-o como que desejando unir os corpos num só.
“- Você demorou muito desta vez. Quanto tempo faz? Quase um ano? Você quer com toda a certeza me matar de saudades” – ela estava com fartas lágrimas escorrendo dos olhos.
“- Não faça assim irmãzinha. Sabe que a vida de artista é assim mesmo. Nunca sabemos onde vamos parar. A cada esquina uma surpresa. Infelizmente não pude vir antes para cá, mas nunca deixei de pensar em ti!”
Cada vez que se encontravam, sempre que a trupe vinha para a capital de Portsmouth, ele dedicava pelo menos algumas horas para a irmã, única que ainda o procurava de sua família. Ela, como os seus outros parentes, ignorava a verdadeira ação do grupo de artistas. E ele assim preferia, para manter todos em segurança.
“- Vai ficar quanto tempo, desta vez?” – ela perguntava enquanto andavam pela rua de braços dados depois dele encaminhar a carroça para uma estrebaria próxima da praça central daquele bairro.
“- Prometo que ficarei uns dias... mas por você, certo?!” – ele disse enquanto sentia que o braço dela o apertara mais forte ainda – “mas hoje terei meu show com o grupo e tenho alguns assuntos para resolver antes. Aguarde que amanhã pela manhã lhe encontro para termos o dia somente para nós”.
Ela virou-se para ele e pulou em seu pescoço num abraço forte. Ela era mais baixa que Leonard e ficou com os pés balançando. Osculou a fronte do irmão e sorriu. Depois o soltou e disse – “te espero amanhã, bem cedo!” – e saiu correndo saltitando.
Leonard sentia muita falta dela, mas sabia que tinha um trabalho para fazer. O bem de muitos dependia dele e de todo o grupo dos Caçadores. Após controlar a emoção saiu andando displicentemente pelas ruas da capital de Portsmouth. Era uma cidade bonita, mesmo com todo o lixo que ficava escondido em seus porões. Ele sentia-se culpado por gostar de estar ali. Mas isto não o impedia de arregaçar as mangas na hora do trabalho.
Alguns minutos de caminhada e estava à frente de uma casa com um grande movimento de entra e sai. Algumas mulheres estavam paradas em sua porta colocando a conversa em dia, enquanto muitas outras faziam o vai e vem diário. Era o Cotovelo Cerzido. Renomada casa de costura da capital e dos arredores. Parado na porta, conversando com outras crianças, estava Arthir. De olhos muito vivos ele discursava empolgadíssimo sobre um assunto qualquer quando viu Leonard chegando. Sua fisionomia mudou e ele despachou seus colegas e correu na direção do bardo.
“- Salve, Leo!” – disse o menino parando de forma ameaçadora np caminho de Leonard – “Pedágio!” – ele disse.
“- Ora, ora... parece que o menino cresceu. Está bem mais alto. Acho que um ou dois centímetros!” – disse dando um sorriso de canto de boca.
“- Não desconversa. Onde está?”
“- Deixe-me ver. Eu tinha uma encomenda de um rapazinho... O que era mesmo?! Ah, sim... um esplendoroso artigo mágico” – ele ia falado enquanto fazia de conta que procurava algo nos bolsos – “infelizmente não achei o tal medalhão”.
O menino fez cara de desapontamento e já ia liberando a passagem de Leonard quando este interrompeu seu movimento.
“- Mas o que é isto em sua orelha?" – ele fantasiou um semblante de espanto e fez gestos exagerados enquanto levou a mão na direção da orelha esquerda de Arthir – “aha... estava me escondendo isso não é danadinho!” – e puxou uma pequena adaga como que por mágica.
“- Não encontrei o medalhão, mas não me esqueci do pequeno amigo.Veja” – Leonard mostrou-lhe a adaga com muito cuidado – “belíssimo artefato, muito afiado e o melhor... você joga e ela retorna para sua mão como que por mágica!” – ele disse a última parte num sussurro arrancando um largo sorriso do garoto.
Arthir pegou a adaga e saiu correndo para dentro da casa. Leonard continuou seu caminho satisfeito para a casa de costuras. Ele era reconhecidamente bonito e arrastava os olhares das mulheres que estavam circulando por ali. Suas roupas também chamavam atenção. Ser um artista era como um afrodisíaco para muitas.
Ele entrou pela porta sem cerimônia e logo encontrou Thânara em meio à multidão de clientes e costureiras. Ao se avistarem trocaram largo sorriso e trocaram um grande e apertado abraço.
“- Já esperava a chegada de vocês para logo, meu amigo” – disse ela.
“- Não queríamos que o caso esfriasse. Temos de aproveitar ao máximo os fracassos dele”.
Os dois se encaminharam para as dependências internas e por mais de uma hora trocaram informações e histórias regadas à muito chá. Tudo sobre as últimas atividades, principalmente o resgate dos últimos dias, foi passado para Leonard.
Logo em seguida ele despediu-se deles, mãe e filho, e retornou ao seu passeio pela cidade, mas com um encontro marcado entre eles para mais tarde.
O bairro “daqueles”, como o resto da população da capital costumava chamar com uma cara de nojo, era delicadamente separado do resto da cidade por um cercado, uma espécie de paliçada. Mas depois de tanto tempo aquela característica estranha já não incomodava aos moradores.
A população era composta por mais moradores do que lugares para viverem. Eram verdadeiros amontoados de casebres acinzentados de madeira, muitos deles equilibrados em estranhos sobrados. As vielas e becos eram, em sua maioria, verdadeiros esgotos ao céu aberto. Não mais de meia dúzia de poços tinham água para suprir toda aquela população. Animais domésticos corriam de cá para lá por entre ratos e baratas.
Mas parece que nada disso diminuía a alegria estampada no rosto das crianças e de seus pais frente à maravilha de sons e cores que entravam por aquele portão tosco e sujo. Era uma população pobre, suja e faminta. Eram desprovidos de todos os mais simples bens para viver. Possuíam suas crenças e temores, amores e desejos. Ainda assim possuíam aquele brilho no olhar. E aquelas cinco figuras percebiam isso.
A carroça puxada por quatro cavalos, era praticamente toda forrada pelos mais diferentes e coloridos tecidos, do topo ao eixo das rodas. Muito longa necessitava de três jogos de rodas. Mas mesmo assim percorria aquela rua esburacada com admirável maciez.
Sobre a carroça, literalmente em seu teto, estava Ioridis. Trajando roupas laranjas vívidas e soltas como se cercada de muitos lençóis. Ela gostava de dizer que as roupas que houvera trazido das comunidades das grandes terras secas do norte lhe caiam muito bem. O turbante azul celeste, enrolado em sua cabeça, escondia as orelhas alongadas lhe auxiliando no intento de camuflar sua raça em reino tão perigoso. Ela era uma meia-elfa extremamente atraente. Mas mesmo assim nada arrancava aquele olhar vazio e quase sem vida. Por isso mesmo a melodia alegre que saia de sua harpa, que contrastava com sua fisionomia, encantava à todos e chamava muito mais atenção.
À frente da carroça vinham os gêmeos Kavoc e Savac. As duas figuras pareciam espelhadas em aparência e movimentos. Vestiam apenas alvas calças largas, afinadas próximo aos tornozelos, e botas de um breu reluzente. Vinham saltitando e girando no ar em malabarismo desconcertantes que arrancavam do público feminino aplausos e suspiros e das crianças gritos de viva. Uma vez ou outra puxavam uma criança para perto e a usavam em algum movimento simples, mas que encantava a população e trazia mais sorrisos aos infantes.
Logo atrás dos espavitados e saltitantes irmãos estava Lifaen. Sua beleza só não chamava mais atenção do que a pouca roupa que usava. Isso não a incomodava em absoluto. Pelo contrário, ela adorava ver o semblante abobalhado dos homens que a cortejavam e a desejavam. Tinha plena noção de que está era sua maior arma – o desejo e a satisfação deles. Ela percorria a rua deslizando como se não tocasse o chão. Trazia nas mãos alguns panfletos, mesmo sabendo que quase ninguém saberia lê-los. Mesmo assim não se abdicava de chegar bem perto dos homens para entregar-lhes cada panfleto, antes destes serem puxados por suas esposas.
Na chefia desta trupe, e conduzindo a carroça, estava Leonard. Como de costume ele vinha todo envolto numa pesada capa de lã com a cabeça encoberta por um capuz. Ninguém dava atenção à ele até o momento que ele escolhesse. Como de rotina, de repente ele parava a carroça e todos os seus amigos silenciavam. Ele se levantava e deixava cair a capa. Sua roupa era ainda mais colorida que a de Ioridis. A barba e o cabelo longos contrastavam com os tons vermelhos e amarelos da roupa.
“- Senhoras e senhores!!! Temos o inenarrável prazer de estarmos aqui. Somos carregadores. Carregamos alegria, ilusão e felicidade aonde necessitem. Abrimos os olhos dos cegos, os ouvimos os surdos e gritamos pelos mudos.”
Aplausos extasiados corriam por todo o público que estava amontoados ao redor da carroça. Os gêmeos iam realizando piruetas ao redor da meia-elfa no topo da carroça enquanto Lifaen permanecia sentada, mais abaixo, o mais recatada que ela conseguisse.
“- Conseguimos uma pequena vaga em nosso calendário abarrotado de compromissos para satisfazer os desejos de nossos melhores amigos...”
“- Mas não temos dinheiro algum....” – gritou um senhor ao fundo da turba.
“- Cada público nos dá o que tem de melhor. Dos ricos queremos o dinheiro, de vocês queremos o prazer da companhia.... e um pouco de vinho, é claro!” – mais aplausos, gargalhadas e urros de alegria subiram ao céu.
Leonard sabia exatamente como controlar um público. Sabia como ninguém dizer o que queriam escutar e tirar-lhes o que desejava. Mas o alvo dele não era, com certeza, essas pessoas simples. Ele sabia distinguir muito bem as pessoas. Daquele portão para fora estavam seus verdadeiros inimigos. A população afetada, empolada e racista de Portsmouth, sedenta por sangue inocente e facilmente manipulada por Ferren, e porque não dizer que por Leonard também.
Daquele portão para dentro estavam pessoas quase que igualmente segregadas, é verdade que menos que os manipuladores de sortilégios, mas igualmente indiferentes aos olhos do resto da população. Eles tinham um ódio por magos que foi criado artificialmente em seu modo de vida e em seus corações, que eram mais como reproduções do que significa ser um morador do reino do que por algo consciente.
Essa população era também um alvo para esse grupo. Mas alvo da quase doutrinação que estavam prestes a fazer naquela noite. Eles eram a esperança de que algo poderia ser alterado se fossem esclarecidos. Essa era a sua jornada, sua tarefa, sua diversão.
“- Quero ver todos vocês, esta noite, na praça central deste “nobre” bairro!!!” – ele fez uma reverência e aplaudiu sua platéia – “teremos muita diversão, alegria e bebida... tudo por conta das gordos pagamentos deles” – ele apontava com desdém com o polegar sobre o ombro em direção ao resto da cidade. Mais vivas explodiam por todo o lado.
A entrada triunfante e barulhenta estava encerrada. A população retornava aos poucos aos seus afazeres diários e as crianças permaneciam aqui e ali procurando mais alguma atenção, coisa que os gêmeos não se negavam de forma alguma.
Do alto do carroção Leonard observava as pessoas na rua, perdido em seus pensamentos. Seu raciocínio estava em pleno funcionamento repassando tudo o que cuidadosamente planejara para aquela noite. Cada detalhe estava pensado e repensado. Seria uma noite inesquecível para aquelas almas.
“- Você deve aprender a relaxar”.
A voz suave vinda daquela pequena e bela mulher atingiu Leonard com um impacto gostoso. Mesmo sem virar a cabeça um grande sorriso estampou-se na face e um calor aqueceu-lhe a alma. Sempre que Karin se encontrava com Leonard, velhas chamas voltavam à tona.
“- Ora, ora.... se não é a moça mais linda deste e de outros tantos reinos” – Leonard saltou com maestria e caiu como um gato ao lado da moça.
Ela de pronto enlaçou-o com os braços no pescoço, apertando-o como que desejando unir os corpos num só.
“- Você demorou muito desta vez. Quanto tempo faz? Quase um ano? Você quer com toda a certeza me matar de saudades” – ela estava com fartas lágrimas escorrendo dos olhos.
“- Não faça assim irmãzinha. Sabe que a vida de artista é assim mesmo. Nunca sabemos onde vamos parar. A cada esquina uma surpresa. Infelizmente não pude vir antes para cá, mas nunca deixei de pensar em ti!”
Cada vez que se encontravam, sempre que a trupe vinha para a capital de Portsmouth, ele dedicava pelo menos algumas horas para a irmã, única que ainda o procurava de sua família. Ela, como os seus outros parentes, ignorava a verdadeira ação do grupo de artistas. E ele assim preferia, para manter todos em segurança.
“- Vai ficar quanto tempo, desta vez?” – ela perguntava enquanto andavam pela rua de braços dados depois dele encaminhar a carroça para uma estrebaria próxima da praça central daquele bairro.
“- Prometo que ficarei uns dias... mas por você, certo?!” – ele disse enquanto sentia que o braço dela o apertara mais forte ainda – “mas hoje terei meu show com o grupo e tenho alguns assuntos para resolver antes. Aguarde que amanhã pela manhã lhe encontro para termos o dia somente para nós”.
Ela virou-se para ele e pulou em seu pescoço num abraço forte. Ela era mais baixa que Leonard e ficou com os pés balançando. Osculou a fronte do irmão e sorriu. Depois o soltou e disse – “te espero amanhã, bem cedo!” – e saiu correndo saltitando.
Leonard sentia muita falta dela, mas sabia que tinha um trabalho para fazer. O bem de muitos dependia dele e de todo o grupo dos Caçadores. Após controlar a emoção saiu andando displicentemente pelas ruas da capital de Portsmouth. Era uma cidade bonita, mesmo com todo o lixo que ficava escondido em seus porões. Ele sentia-se culpado por gostar de estar ali. Mas isto não o impedia de arregaçar as mangas na hora do trabalho.
Alguns minutos de caminhada e estava à frente de uma casa com um grande movimento de entra e sai. Algumas mulheres estavam paradas em sua porta colocando a conversa em dia, enquanto muitas outras faziam o vai e vem diário. Era o Cotovelo Cerzido. Renomada casa de costura da capital e dos arredores. Parado na porta, conversando com outras crianças, estava Arthir. De olhos muito vivos ele discursava empolgadíssimo sobre um assunto qualquer quando viu Leonard chegando. Sua fisionomia mudou e ele despachou seus colegas e correu na direção do bardo.
“- Salve, Leo!” – disse o menino parando de forma ameaçadora np caminho de Leonard – “Pedágio!” – ele disse.
“- Ora, ora... parece que o menino cresceu. Está bem mais alto. Acho que um ou dois centímetros!” – disse dando um sorriso de canto de boca.
“- Não desconversa. Onde está?”
“- Deixe-me ver. Eu tinha uma encomenda de um rapazinho... O que era mesmo?! Ah, sim... um esplendoroso artigo mágico” – ele ia falado enquanto fazia de conta que procurava algo nos bolsos – “infelizmente não achei o tal medalhão”.
O menino fez cara de desapontamento e já ia liberando a passagem de Leonard quando este interrompeu seu movimento.
“- Mas o que é isto em sua orelha?" – ele fantasiou um semblante de espanto e fez gestos exagerados enquanto levou a mão na direção da orelha esquerda de Arthir – “aha... estava me escondendo isso não é danadinho!” – e puxou uma pequena adaga como que por mágica.
“- Não encontrei o medalhão, mas não me esqueci do pequeno amigo.Veja” – Leonard mostrou-lhe a adaga com muito cuidado – “belíssimo artefato, muito afiado e o melhor... você joga e ela retorna para sua mão como que por mágica!” – ele disse a última parte num sussurro arrancando um largo sorriso do garoto.
Arthir pegou a adaga e saiu correndo para dentro da casa. Leonard continuou seu caminho satisfeito para a casa de costuras. Ele era reconhecidamente bonito e arrastava os olhares das mulheres que estavam circulando por ali. Suas roupas também chamavam atenção. Ser um artista era como um afrodisíaco para muitas.
Ele entrou pela porta sem cerimônia e logo encontrou Thânara em meio à multidão de clientes e costureiras. Ao se avistarem trocaram largo sorriso e trocaram um grande e apertado abraço.
“- Já esperava a chegada de vocês para logo, meu amigo” – disse ela.
“- Não queríamos que o caso esfriasse. Temos de aproveitar ao máximo os fracassos dele”.
Os dois se encaminharam para as dependências internas e por mais de uma hora trocaram informações e histórias regadas à muito chá. Tudo sobre as últimas atividades, principalmente o resgate dos últimos dias, foi passado para Leonard.
Logo em seguida ele despediu-se deles, mãe e filho, e retornou ao seu passeio pela cidade, mas com um encontro marcado entre eles para mais tarde.
O O O
A noite chegou e o movimento estava crescendo nos arredores do palco improvisado pela trupe. Era um tabuleiro de madeira com pouco mais de seis metros de cada lado. Tochas altas em todo o seu redor iluminava muito bem o local do espetáculo. Não havia arquibancada. Cada um trazia seu assento ou empuleirava-se da forma que dava. Os mais velhos eram encaminhados para frente. As crianças se jogavam pelo chão nos pontos mais próximos ao palco desejando não perder nada do show.
Numa grande tenda branca, montada atrás do palco e como uma continuidade da carroça, os artistas se preparavam em meio à animada conversa. Thânara e Arthir haviam chegado mais cedo para rever os amigos. Ioridis tocava uma canção singela entre uma e outra parada para acertar as cordas de sua harpa. Os irmãos malabaristas demonstravam seus novos truques para o pequeno Arthir que tentava imitar sem muito sucesso seus movimentos. Thânara conversava com Leonard e Lifaen passando instruções para as próximas atividades subversivas do grupo.
“- Onde está Sturky?” – perguntou Savac enquanto equilibrava-se apenas numa mão de ponta cabeça.
“- Está por perto. Mas ele não quer se arriscar a ser visto por aqui” – disse Thânara de longe – “mas ele assistirá o show de alguma forma” - Thânara sabia que o pequeno goblin era muito responsável para querer comprometer o grupo de Leonard com a sua presença. Sabia ainda que os olhares de asco da população lhe incomodavam de forma profunda. Stu fora o primeiro goblin realmente com sentimentos que ela conhecera.
“- Crianças... hora da diversão!” – gritou Leonard para todos sendo respondido por gritos de entusiasmo dos gêmeos e movimentos dos demais em preparação para entrarem em cena.
O show fora programado para ter duas partes distintas. Na primeira a intenção era a pura diversão do público com performances artísticas da trupe. Na segunda parte, quando já tinham a plena atenção do público, passavam ao quadro que serviria para denegrir a imagem do velho abutre.
A primeira parte passou brilhante. Começou com Savac e Kovac numa longa apresentação que ia do contorcionismo ao malabarismo. Jogavam facas em alvos móveis, trocavam malabares em pleno ar. O ponto alto era quando, usando um voluntário do público, jogavam malabares pegando fogo de um para o outro ao redor do voluntário.
Logo depois vinha Ioridis com sua harpa. Ela tocava uma linda melodia onde Lifaen cantava e dançava vestindo uma roupa composta por muito tecidos que voavam e criavam formas incríveis ao seu redor. A canção era de amor. Os casais ficavam mais próximos e trocavam carícias enquanto as crianças faziam caretas ante os enamorados. Perto do final da canção, em meio à sua dança, Lifaen puxava para o palco algum casal de namorados e terminava a canção girando ao seu redor. Um beijo trocado entre o casal encerrava a melodia.
Leonard entrou, em seguida, vestido de bufão e alegrou o ambiente com palhaçadas das mais variadas. As crianças e os mais velhos eram seus alvos preferidos. Ele circulava pelo público, sentava no colo de um, brincava e fazia caretas de outros. Terminava com todas as crianças no palco numa grande festa.
Um pequeno intervalo era feito e algumas tochas foram cuidadosamente apagadas. Uma penumbra tênue era estabelecida. Ioridis sentou-se num canto do palco, sobre uma grande almofada vermelha, com sua harpa nas mãos. Uma fumaça com agradável perfume emergia de alguns candeeiros espalhados por todos os cantos. A música iniciou em um tom alegre. Leonard entrou, com uma outra vestimenta completamente negra e postou-se no centro do palco.
“- Vou contar uma história para vocês...” – ele proclamou de forma reverencial – “ela me foi contada por meu pai, e para ele por seu pai. Ela foi retirada dos arquivos do próprio deus da sapiência. E como todos sabem Tanna-toh não mente!”
Todos do público moviam a cabeça em sinal de afirmação.
“- Num reino esquecido pelo homem, a muito enterrado pelas areias do tempo, vivia um povo. Homens, mulheres, velhos e jovens, todos dividiam o mesmo reino. Todos se viam como iguais. Eles se chamavam apenas por ‘Nós’. O reino cresceu com a velocidade das plantações bem cuidadas e era feliz como a alegria das crianças.”
Os irmãos gêmeos, um com roupa azul e outro com uma vestimenta amarela, entraram no palco em meio à narração de Leonard e simulavam serem agricultores com ferramentas invisíveis em meio à um trabalho agrícola. Lifaen juntou-se à eles, com uma roupa verde, simulado uma outra atividade qualquer. Todos os três com sorrisos estampados. De quando em quando eles se abraçavam e se cumprimentavam e começavam a simular uma nova atividade. A música continuava festiva.
“- Eles levavam suas vidas conforme os preceitos dos deuses” – continuou Leonard – “Eram justos, obstinados, honrados, inventivos, pacíficos se possível, guerreiros se inevitável. Foram vivendo e prosperando à olhos vistos e passos largos. Eles eram um só. E continuavam a se denominar ‘Nós’” - Cada palavra de Leonard era, de alguma, forma encenada pelos três. A atenção do público era total.
“- Mas onde há luz a escuridão, invejosa, faz suas maquinações. Os seres rastejantes destilam seus venenos em tudo o que há de bom” – a música silenciou de repente – “e mesmo os deuses podem ser iludidos. Quanto mais quando a escuridão opera por intermédio de um conhecido.”
Quebrando o silêncio Leonard saltou no meio do palco, com sua roupa negra, ostentando um enorme nariz curvo. A música agora era sinistra e fúnebre. Ele bateu os braços como se fossem asas e rodava ao redor dos outros três atores.
“- Eu sou o senhor destas terras” – Leonard gritava com uma voz esganiçada – “e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Os outros três atores, em coro, disseram – “nosso senhor só pode querer o nosso bem” – e fizeram uma reverência à Leonard que continuava batendo os braços.
Leonard se aproximou de Savoc, que está vestido de azul, e de Lifaen e puxou-os para um canto do palco dizendo – “eu nunca confiaria em alguém como ele, o amarelo não pode trazer nada de bom” – e fazia uma careta de nojo. Os atores de azul e de verde simularam uma confabulação e encenaram estarem segurando armas e matando o gêmeo de amarelo.
Novo silêncio enquanto Kovac saiu de cena e Leonard entrou de novo em cena enquanto os dois restantes encenavam trabalharem no campo. Leonard repetiu – “eu sou o senhor destas terras e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Agora Leonard, com sua fantasia de Ferren, aproximou-se de Savoc e o puxou para um canto dizendo – “eu nunca confiaria em alguém como ele, o verde não pode trazer nada de bom” – enquanto fazia uma nova careta. O ator de azul repetiu a cara de nojo de Leonard e simulou matar Lifaen.
Leonard entre em cena novamente e dirigindo-se para um canto do palco ele grita - “eu sou o senhor destas terras e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’” - ele olhou com cara de nojo para Kovac e sua roupa azul e disse – “eu nunca confiaria em alguém como ele, o azul não pode trazer nada de bom" – e simulando ter uma arma matou o ator de azul.
Com o palco vazio ele Leonard gritou – “eu sou o senhor destas terras e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Com um grande silêncio – no palco e na platéia – todos observavam Leonard fantasiado batendo os braços como que voando sozinho no tablado. As tochas começam a serem acesas, todas, iluminando plenamente o palco. Leonard encenou ser ferido pela luz. O som de um tambor cadenciado ecoava nas mãos de Ioridis.
Os três atores retornaram ao palco com olhos pouco amistosos e, em coro, gritavam para Leonard – “tu não és o senhor destas terras e o que diz não é lei, pois não sabe o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Cada um deles tirou sua roupa colorida, azul e amarela e verde, mostrando por baixo uma singela vestimenta branca. Os três avançaram contra o personagem de Leonard de forma vagarosa gritando – “nós não somos de cor nenhuma, nós somos apenas N-ó-s!” - a cada passo repetiam a frase.
Num único movimento, quando estão à um passo de Leonard, simularam atacá-lo dizendo – “nada é mais importante do que N-ó-s!” – e Leonard caiu fazendo-se de morto no exato momento em que a música passou do cadenciado tambor para a melodia alegre da harpa dançada pelos atores.
Todos bateram palmas efusivamente. Toda a trupe, de pé e no centro do palco, retribuiu as palmas com agradecimentos e mais palmas. Leonard sabia que muitos poderiam não ter entendido a mensagem de forma clara, mas era uma semente plantada em solo fértil.
Com o final do espetáculo o povo iniciou seu retorno à suas casas. Mas as surpresas não acabariam ali. Dias depois as ruas daquele bairro pobre estavam repletas de panfletos. Eles foram espalhados pelo chão e o vento os levava conforme seu gosto. A curiosidade faze que cada um pegasse um dos panfletos. Muitos não sabiam ler, mas sempre havia um outro para ajudar-lhes em saber o que dizia no manifesto. Uns leram em voz alta para muitos, outros em voz baixa em pequenos grupos. O manifesto contava as atrocidades de Ferren Asloth, que havia alternativas, que suas ações eram frustradas por um grupo organizado, fazia piadas com a figura do velho abutre e contava como um pequeno grupo conseguiu libertar um mago injustamente preso.
Ao final do espetáculo Leonard e seus amigos sabiam que poderiam dormir de forma tranqüila. Sabiam que mesmo não tendo pego armas haviam feito um ataque ao caráter daquelas pessoas. Que haviam sacudido algumas almas para pelo menos fazer-lhes pensar. Isso era o que sabiam fazer. E pelo menos haviam feito algo. E, principalmente, todos sabiam que teriam uns poucos dias de folga, mas logo já haveria uma nova luta para começar.
Numa grande tenda branca, montada atrás do palco e como uma continuidade da carroça, os artistas se preparavam em meio à animada conversa. Thânara e Arthir haviam chegado mais cedo para rever os amigos. Ioridis tocava uma canção singela entre uma e outra parada para acertar as cordas de sua harpa. Os irmãos malabaristas demonstravam seus novos truques para o pequeno Arthir que tentava imitar sem muito sucesso seus movimentos. Thânara conversava com Leonard e Lifaen passando instruções para as próximas atividades subversivas do grupo.
“- Onde está Sturky?” – perguntou Savac enquanto equilibrava-se apenas numa mão de ponta cabeça.
“- Está por perto. Mas ele não quer se arriscar a ser visto por aqui” – disse Thânara de longe – “mas ele assistirá o show de alguma forma” - Thânara sabia que o pequeno goblin era muito responsável para querer comprometer o grupo de Leonard com a sua presença. Sabia ainda que os olhares de asco da população lhe incomodavam de forma profunda. Stu fora o primeiro goblin realmente com sentimentos que ela conhecera.
“- Crianças... hora da diversão!” – gritou Leonard para todos sendo respondido por gritos de entusiasmo dos gêmeos e movimentos dos demais em preparação para entrarem em cena.
O show fora programado para ter duas partes distintas. Na primeira a intenção era a pura diversão do público com performances artísticas da trupe. Na segunda parte, quando já tinham a plena atenção do público, passavam ao quadro que serviria para denegrir a imagem do velho abutre.
A primeira parte passou brilhante. Começou com Savac e Kovac numa longa apresentação que ia do contorcionismo ao malabarismo. Jogavam facas em alvos móveis, trocavam malabares em pleno ar. O ponto alto era quando, usando um voluntário do público, jogavam malabares pegando fogo de um para o outro ao redor do voluntário.
Logo depois vinha Ioridis com sua harpa. Ela tocava uma linda melodia onde Lifaen cantava e dançava vestindo uma roupa composta por muito tecidos que voavam e criavam formas incríveis ao seu redor. A canção era de amor. Os casais ficavam mais próximos e trocavam carícias enquanto as crianças faziam caretas ante os enamorados. Perto do final da canção, em meio à sua dança, Lifaen puxava para o palco algum casal de namorados e terminava a canção girando ao seu redor. Um beijo trocado entre o casal encerrava a melodia.
Leonard entrou, em seguida, vestido de bufão e alegrou o ambiente com palhaçadas das mais variadas. As crianças e os mais velhos eram seus alvos preferidos. Ele circulava pelo público, sentava no colo de um, brincava e fazia caretas de outros. Terminava com todas as crianças no palco numa grande festa.
Um pequeno intervalo era feito e algumas tochas foram cuidadosamente apagadas. Uma penumbra tênue era estabelecida. Ioridis sentou-se num canto do palco, sobre uma grande almofada vermelha, com sua harpa nas mãos. Uma fumaça com agradável perfume emergia de alguns candeeiros espalhados por todos os cantos. A música iniciou em um tom alegre. Leonard entrou, com uma outra vestimenta completamente negra e postou-se no centro do palco.
“- Vou contar uma história para vocês...” – ele proclamou de forma reverencial – “ela me foi contada por meu pai, e para ele por seu pai. Ela foi retirada dos arquivos do próprio deus da sapiência. E como todos sabem Tanna-toh não mente!”
Todos do público moviam a cabeça em sinal de afirmação.
“- Num reino esquecido pelo homem, a muito enterrado pelas areias do tempo, vivia um povo. Homens, mulheres, velhos e jovens, todos dividiam o mesmo reino. Todos se viam como iguais. Eles se chamavam apenas por ‘Nós’. O reino cresceu com a velocidade das plantações bem cuidadas e era feliz como a alegria das crianças.”
Os irmãos gêmeos, um com roupa azul e outro com uma vestimenta amarela, entraram no palco em meio à narração de Leonard e simulavam serem agricultores com ferramentas invisíveis em meio à um trabalho agrícola. Lifaen juntou-se à eles, com uma roupa verde, simulado uma outra atividade qualquer. Todos os três com sorrisos estampados. De quando em quando eles se abraçavam e se cumprimentavam e começavam a simular uma nova atividade. A música continuava festiva.
“- Eles levavam suas vidas conforme os preceitos dos deuses” – continuou Leonard – “Eram justos, obstinados, honrados, inventivos, pacíficos se possível, guerreiros se inevitável. Foram vivendo e prosperando à olhos vistos e passos largos. Eles eram um só. E continuavam a se denominar ‘Nós’” - Cada palavra de Leonard era, de alguma, forma encenada pelos três. A atenção do público era total.
“- Mas onde há luz a escuridão, invejosa, faz suas maquinações. Os seres rastejantes destilam seus venenos em tudo o que há de bom” – a música silenciou de repente – “e mesmo os deuses podem ser iludidos. Quanto mais quando a escuridão opera por intermédio de um conhecido.”
Quebrando o silêncio Leonard saltou no meio do palco, com sua roupa negra, ostentando um enorme nariz curvo. A música agora era sinistra e fúnebre. Ele bateu os braços como se fossem asas e rodava ao redor dos outros três atores.
“- Eu sou o senhor destas terras” – Leonard gritava com uma voz esganiçada – “e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Os outros três atores, em coro, disseram – “nosso senhor só pode querer o nosso bem” – e fizeram uma reverência à Leonard que continuava batendo os braços.
Leonard se aproximou de Savoc, que está vestido de azul, e de Lifaen e puxou-os para um canto do palco dizendo – “eu nunca confiaria em alguém como ele, o amarelo não pode trazer nada de bom” – e fazia uma careta de nojo. Os atores de azul e de verde simularam uma confabulação e encenaram estarem segurando armas e matando o gêmeo de amarelo.
Novo silêncio enquanto Kovac saiu de cena e Leonard entrou de novo em cena enquanto os dois restantes encenavam trabalharem no campo. Leonard repetiu – “eu sou o senhor destas terras e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Agora Leonard, com sua fantasia de Ferren, aproximou-se de Savoc e o puxou para um canto dizendo – “eu nunca confiaria em alguém como ele, o verde não pode trazer nada de bom” – enquanto fazia uma nova careta. O ator de azul repetiu a cara de nojo de Leonard e simulou matar Lifaen.
Leonard entre em cena novamente e dirigindo-se para um canto do palco ele grita - “eu sou o senhor destas terras e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’” - ele olhou com cara de nojo para Kovac e sua roupa azul e disse – “eu nunca confiaria em alguém como ele, o azul não pode trazer nada de bom" – e simulando ter uma arma matou o ator de azul.
Com o palco vazio ele Leonard gritou – “eu sou o senhor destas terras e o que digo é lei, pois eu sei o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Com um grande silêncio – no palco e na platéia – todos observavam Leonard fantasiado batendo os braços como que voando sozinho no tablado. As tochas começam a serem acesas, todas, iluminando plenamente o palco. Leonard encenou ser ferido pela luz. O som de um tambor cadenciado ecoava nas mãos de Ioridis.
Os três atores retornaram ao palco com olhos pouco amistosos e, em coro, gritavam para Leonard – “tu não és o senhor destas terras e o que diz não é lei, pois não sabe o que é melhor para ‘N-ó-s’”.
Cada um deles tirou sua roupa colorida, azul e amarela e verde, mostrando por baixo uma singela vestimenta branca. Os três avançaram contra o personagem de Leonard de forma vagarosa gritando – “nós não somos de cor nenhuma, nós somos apenas N-ó-s!” - a cada passo repetiam a frase.
Num único movimento, quando estão à um passo de Leonard, simularam atacá-lo dizendo – “nada é mais importante do que N-ó-s!” – e Leonard caiu fazendo-se de morto no exato momento em que a música passou do cadenciado tambor para a melodia alegre da harpa dançada pelos atores.
Todos bateram palmas efusivamente. Toda a trupe, de pé e no centro do palco, retribuiu as palmas com agradecimentos e mais palmas. Leonard sabia que muitos poderiam não ter entendido a mensagem de forma clara, mas era uma semente plantada em solo fértil.
Com o final do espetáculo o povo iniciou seu retorno à suas casas. Mas as surpresas não acabariam ali. Dias depois as ruas daquele bairro pobre estavam repletas de panfletos. Eles foram espalhados pelo chão e o vento os levava conforme seu gosto. A curiosidade faze que cada um pegasse um dos panfletos. Muitos não sabiam ler, mas sempre havia um outro para ajudar-lhes em saber o que dizia no manifesto. Uns leram em voz alta para muitos, outros em voz baixa em pequenos grupos. O manifesto contava as atrocidades de Ferren Asloth, que havia alternativas, que suas ações eram frustradas por um grupo organizado, fazia piadas com a figura do velho abutre e contava como um pequeno grupo conseguiu libertar um mago injustamente preso.
Ao final do espetáculo Leonard e seus amigos sabiam que poderiam dormir de forma tranqüila. Sabiam que mesmo não tendo pego armas haviam feito um ataque ao caráter daquelas pessoas. Que haviam sacudido algumas almas para pelo menos fazer-lhes pensar. Isso era o que sabiam fazer. E pelo menos haviam feito algo. E, principalmente, todos sabiam que teriam uns poucos dias de folga, mas logo já haveria uma nova luta para começar.
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Este é grupo responsável pela destruição da imagem de Ferren Asloth. E todos concordam que ninguém no mundo faria isto melhor do que um bardo. E quando se fala em bardos ninguém se compara, pelo menos em Portsmouth, à Leonard Mellonamin. Ele era o protótipo perfeito de um nobre empolado e afetado. Membro de uma família de nobres foi enviado para o Castelo de Erynia onde pretendiam que iniciasse sua vida no mundo dos números – sua família o queria como um renomado conhecedor dos cálculos.
Jovem muito talentoso na arte da música e da interpretação atraiu, desde sua chegada, os olhares ambiciosos dos mais variados membros da côrte. Viam nele um futuro valoroso à serviço de Asloth. Mesmo assim foi enviado para Mehnat, em Sambúrdia, depois de seu estágio em Erynia, onde iniciaria seus aprendizados econômicos, para depois retornar para Portsmouth para servir à corte de Ferren. Mas a viajem lhe trás efeitos diferentes dos esperados pela sua família. A intolerância frente aos magos, a xenofobia típica do seu reino e o tratamento pouco digno dado às outras raças lhe mudam profundamente o modo de ver o mundo. Ele vê a “verdade”, descobre que vive em um local corrompido pela falta de escrúpulos de seu regente, pela ignorância, o xenofobismo e o preconceito. E isso deveria mudar. A corte nunca mais o viu. Mas não declarou abertamente uma luta contra Ferren. Considera prudente manter-se no anonimato e prefere parecer ser mais um excêntrico do que um revolucionário.
Ele e seus companheiros vagam pelas comunidades cantando aos quatro ventos toda a sujeira varrida para baixo do tapete por Ferren. As tavernas durante a noite são lugares fáceis para encontra-los. Mas não atuam de forma muito agressiva, muito embora em algumas vezes isso torne-se necessário com canções ou representações bem diretas. Mesmo assim não são vistos como um perigo em potencial pelas milícias – “são uns coitados desajustados...mas inofensivos” – dizem os milicianos.
Lifaen é uma belíssima mulher com rostinho de anjo. Sua beleza estonteante lhe trás muitas vantagens – principalmente no que tange ao seu contato com homens. Sua beleza consegue seduzir homens influentes, cuidadosamente escolhidos. Esse contato sempre lhes rende alguma informação valiosa e algum “dinheiro extra”.
Os gêmeos Kavoc e Savac sabem atrair a atenção, quando necessário. O primeiro pela sua habilidade excepcional com o bandolim e o segundo com humor aprimorado e sagaz em interpretações satíricas do Velho Abutre. Além disso, ambos são impressionantes malabaristas.
Por fim temos Ioridis. Há quem a compare à Glórienn, tomando-a por “a dama de olhos tristes”. Com sua habilidade interpretativa no palco, aliada aos toques sutis de uma harpa, canta as mazelas das comunidades pobres tentando utilizar-se indiretamente delas para mostrar a culpa que Ferren leva disso. Sua luta está diretamente ligada à vingança e tristeza crescentes desde a morte de seu noivo – um mago – à mando do Conde.
A principal intenção do grupo seria de criar uma aura de questionamento na cabeça da população – e isso é feito de forma muito lenta. E eles sabem disso.
O Líder
A principal intenção do grupo seria de criar uma aura de questionamento na cabeça da população – e isso é feito de forma muito lenta. E eles sabem disso.
O Líder
Leonard Mellonamin: Humano Bardo13; NB; DVs 13d6; PVs 70; Inic +1; Desloc 9m; CA 14 (10 + 1 Des + 2 Anel de Proteção +1 Camisão) +17 defensiva e +20 defesa total; Agarrar 10, Toque 11; BBA +9/+4; Surpresa 13; Ataque: +11 corpo-a-corpo (espada curta, 1d6+1 Afiada 17-20/x2), Ataque total: +11/+6/+1 corpo-a-corpo; Face/ Alcance 1,5 m/ 1,5 m; Fort +4, Refl +8, Vont +10; For 12 (+1), Des 12 (+1), Con 11, Int 16 (+3), Sab 14 (+2), Car 14 (+2).
Perícias: Saltar +12, Ouvir +12, Ofícios [música] +15, Natação +6, Escalar +8, Acrobacia +17, Atuação +13, Blefar +14, Conhecimento [nobreza e realeza] +15, Conhecimento [Capital de Portsmouth] +13, Disfarce +12, Sentir Motivação +14, Diplomacia +18, Obter informação +16, Intimidação +16, Cavalgar +9, Sobrevivência +8.
Talentos: Investigador, Liderança, Persuasivo, Vontade de Ferro, Acrobático e Negociador.
Talento regional: Faro para Magos [Portsmouth].
Especiais: Música de Bardo, Conhecimento de Bardo, Música de Proteção, Fascinar, Inspirar coragem +2, Inspirar competência, Sugestão, Inspirar Grandeza.
Magias de Bardo: 3/4/3/3/2
Magias Conhecidas: 6/4/4/4/4/2
Truques: Canção de ninar, Som fantasma, Luz, Detectar magia, Pasmar e Mensagem.
1º Nível: Sono, Riso histérico de Tasha, Transformação momentânea e Curar ferimentos leves.
2º Nível: Explosão sonora, Sugestão, Poeira ofuscante e Padrão hipnótico.
3º Nível: Esfera de invisibilidade, Sono profundo, Imagem maior e Loquacidade.00
4º Nível: Zona de silêncio, Porta dimensional, Grito e Modificador de memória.
5º Nível: Pesadelo e Canção da discórdia.
Equipamento: Anel de Proteção +2, Espada curta +1 Afiada, Camisão de cota de malha +1 Sombria.
O Grupo:
Lifaen: humana ladina 12, CB.
Perícias: Saltar +12, Ouvir +12, Ofícios [música] +15, Natação +6, Escalar +8, Acrobacia +17, Atuação +13, Blefar +14, Conhecimento [nobreza e realeza] +15, Conhecimento [Capital de Portsmouth] +13, Disfarce +12, Sentir Motivação +14, Diplomacia +18, Obter informação +16, Intimidação +16, Cavalgar +9, Sobrevivência +8.
Talentos: Investigador, Liderança, Persuasivo, Vontade de Ferro, Acrobático e Negociador.
Talento regional: Faro para Magos [Portsmouth].
Especiais: Música de Bardo, Conhecimento de Bardo, Música de Proteção, Fascinar, Inspirar coragem +2, Inspirar competência, Sugestão, Inspirar Grandeza.
Magias de Bardo: 3/4/3/3/2
Magias Conhecidas: 6/4/4/4/4/2
Truques: Canção de ninar, Som fantasma, Luz, Detectar magia, Pasmar e Mensagem.
1º Nível: Sono, Riso histérico de Tasha, Transformação momentânea e Curar ferimentos leves.
2º Nível: Explosão sonora, Sugestão, Poeira ofuscante e Padrão hipnótico.
3º Nível: Esfera de invisibilidade, Sono profundo, Imagem maior e Loquacidade.00
4º Nível: Zona de silêncio, Porta dimensional, Grito e Modificador de memória.
5º Nível: Pesadelo e Canção da discórdia.
Equipamento: Anel de Proteção +2, Espada curta +1 Afiada, Camisão de cota de malha +1 Sombria.
O Grupo:
Lifaen: humana ladina 12, CB.
Kovac e Savac: humanos (gêmeos) bardos 11, NB.
Ioridis: meio-elfa barda 11, CB.
Ioridis: meio-elfa barda 11, CB.
2 comentários:
Você ja tinha postado o capítulo 4 não?
Claro que já.... O capítulo 4 é composto por quatro partes - uma para cada grupo da organização. Ontem eu postei a quarta parte.
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