Já disse isto anteriormente, em outras postagens sobre o assunto, mas vampiros são de longe um dos temas mais adorados e utilizados na literatura e no cinema, além de muitas outras mídias. Mas no Brasil, até bem pouco tempo, este tema estava relegado ao segundo (ou quem sabe terceiro) plano. Mesmo obras interessantes e de qualidade, como as de André Vianco, não estouravam na mídia com facilidade. Mas estamos em novos tempos. Com a incrível catapultada que a franquia “Crepúsculo” deu no tema, começam a pipocar em todos os cantos crias desta nova febre. E as obras da maranhanse Nazarethe Fonseca são um desses casos.
O primeiro lido da série Alma de Sangue foi lançada ainda em 2005, mas só ganhou uma revitalização consistente neste ano de 2009. Com o título de “O despertar do Vampiro” a autora introduz o tema aqui em terras brasileiras. Nesta história temos o vampiro Jan Kman que após despertar de seu sono em um casarão na cidade de São Luiz pelo trabalho de operários se apaixona pela responsável pela restauração do casarão, Kara Ramos. Ele a considera como a reencarnação de um antigo amor. Mas o sentimento não é recíproco.
É inegável que ela bebeu de autores consagrados. De Anne Rice ela tenta recriar a figura de Lestat – ora sensual ora mortal. Do próprio André Vianco, que assina seu prefácio, ela assimilou e empregou a efeito de deixar muitas pontas soltas ao final do livro para continuações. Quanto ao livro em si ele tem uma qualidade que não faz ninguém se arrepender de compra-lo. Com uma leitura fácil ela peca apenas ao final, onde se torna um pouco cansativo. No mais a história é contada em forma de flashbacks, exigindo um pouco de cuidado para o leitor não se perder, mas nada exagerado. São 432 páginas agradáveis para uma rápida leitura, pela editora Aleph.
Trecho do Livro:
O aparelho de som parou. Ergui-me preguiçosa do assento e dei uma longa olhada no desenho. Ficara perfeito. Satisfeita com o resultado, resolvi encerrar o trabalho. Olhei pela janela, fitei o relógio de pulso e me assustei. Passava das sete horas, o vigia estava muito atrasado. Recolhi minhas coisas e deixei tudo organizado à minha volta. Tirei o boné e penteei o cabelo rapidamente, para logo em seguida refazer o rabo – de - cavalo. Mochila nas costas, mesa organizada, tomadas desligadas, tudo arrumado… A janela! Fui até ela e a fechei; cruzei o quarto em direção à porta e nesse momento as luzes se apagaram. Não somente as da sala, mas todas as luzes do casarão. O susto foi tão grande que gritei. Simplesmente, não via um palmo à frente do nariz. Não sobrounada, nem uma fresta de luz para guiar-me. Fiz meia-volta e ali fiquei, tentando achar qualquer coisa para guiar minha saída do casarão.
— Estúpida! — gritei comigo mesma. Afinal, tinha um isqueiro no chaveiro.
Toquei a calça em busca das chaves e do isqueiro para me lembrar que o havia retirado dali a pedido de Alva… — Ai, droga! Merda… — xinguei, após esbarrar na mesa e machucar o quadril. Era isso! Estava sobre a mesa em algum lugar, mas onde? Toquei a superfície da mesa e passei a mão sobre papéis, canetas, tesoura… Onde está? — perguntava- me, desesperada.Medo. Esta era a definição mais precisa para o que sentia. Sempre tive medo do escuro, fugia ao meu controle, perdia a noção de espaço, de onde estava e, simplesmente, me sentia sufocar. Levei a mão à testa suada e notei que tremia de tão apavorada.
Decidida a me acalmar, comecei a repetir:
— Não há nada no escuro, não há nada no escuro. — Enquanto dizia as palavras, respirava fundo tentando recobrar o fôlego e o controle. Com as mãos sobre a mesa, recomecei uma busca mais calma; quando toquei o isqueiro, gritei de alegria. — Graças a Deus! — Afinal, não foi fácil encontrá-lo e quanto mais acendê-lo. Tentei três vezes sem nada conseguir. Só consegui respirar melhor depois de ver a chama frágil tremular à minha frente, dando-me confiança.
— Não tenha tanto medo do escuro.
O aviso soou de maneira suave, sensual, cortando a escuridão como uma flecha. Ergui os olhos e dei de cara com um completo desconhecido. Sentado comodamente na cadeira, na cabeceira da mesa, ele me observava de maneira calma. Fiquei tão aborrecida com a possibilidade de ele ter me visto naquele estado de pavor que não o olhei direito.
— Que houve com as luzes? — perguntei, achando que se tratava do vigia.
— Eu as apaguei — falou insolente, sem sequer levantar-se.
— E por que o fez? Não há necessidade de o casarão ficar às escuras — faleitaxativa.
— Gosto do escuro — falou, sem dar um pingo de importância ao que eu dizia.Seu rosto não parecia ter movimento; os olhos azuis brilhavam no escuro, fazendo aquele efeito só conseguido por cães e gatos.
Ele pareceu notar que eu o observava e deu-me um leve sorriso, mas um sorriso malévolo e malicioso. Recuei para trás um tanto assustada.
— Quem é você e o que faz aqui? — perguntei, notando que a voz estava trêmula.
— Acho que a invasora aqui é você — falou, apontando o dedo em riste emminha direção. Somente naquele momento percebi suas roupas estranhas, ou melhor, antigas. A manga de sua camisa era larga e trazia no punho cordões e uma renda que provavelmente algum dia fora branca, bem como o resto da camisa.
— Vamos, diga! Que faz em minha casa? Que está havendo, onde estão os móveis e todo o resto? — perguntou, alteando a voz, fazendo-me piscar de susto.
Fiquei tão atônita surpresa que ri dele. Foi isso mesmo, eu ri. Nervosismo, medo, sei lá! Mas não foi uma das atitudes mais acertadas a tomar,porque ele ficou furioso. Saltou da cadeira e ficou em pé para mostrar quanto era alto e forte. Seus ombros largos eram valorizados pela camisa de tecido solto. Foi com grande surpresa que notei o lenço de seda em volta de seu pescoço largo. Era um Plastron, uma espécie de gravata usada no século XIX, se não me engano.
— Do que ri? Acha que sou algum bufão, um truão para rir de mim? — perguntoumais alto e muito mais agressivo enquanto andava para a frente.
— Não se aproxime! — gritei, reagindo no mesmo tom, recuando para trás.
— E quem pensa que é para gritar comigo, sua pequena insignificante! — Seus movimentos assemelhavam-se ao de um tigre. A calça preta moldada perfeitamente às suas pernas másculas, fortes. Não sei bem ao certo como, mas, totalmente assustada, ainda conseguia sentir-me atraída. Sua beleza chegava a ser um insulto, a assustar, essa era a verdade. — É só isso que consegue sentir? Medo? — o homem perguntou, quase ofendido. Passou a mão pelos cabelos loiros presos numa fita escura e continuou a falar: — Kara, Kara, Kara, pensei que fosse mais corajosa, forte, decidida — falou com um leve sotaque que, no momento, não identifiquei.
— Como… como sabe meu nome? — tentava lembrar-me de onde conhecia seu rosto. Foi em vão; nunca o tinha visto em toda minha vida, mas seu olhar… eu conhecia.
— Sua amiga, a negra forra, falou, enquanto usava aquela estranha máquina.Diga-me, sua mão melhorou? — O modo descuidado como falou me chocou.
— De onde afinal você saiu?
— Do sótão, é claro.
— Ai, meu Deus!
— Você chama muito a “Deus”; ele a ajuda tanto como parece?
— Olhe, não sei de onde diabos saiu, mas ordeno que saia desta casa imediatamente!— falei, tentando parecer o mais segura possível. O silêncio foi quebrado comsua gargalhada, no mínimo gostosa.
— Kara, você deve ter sido uma menina muito mimada e levada, mas lhe digo,uma boca tão perfeita e carnuda não deveria ser manchada com tantos palavrões; contei quatro, apenas enquanto a vigiava — comentou cínico. — Agora, vamos — falou, estendendo a mão num convite perturbador.
— Acho melhor não tentar.
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