Druidas:
fantasia e realidade II
“Que
se faça a espiral
Que
se dissipe todo o mal
Que o
que desejar meu coração
Venha
sem obstáculos à minha mão
Este
feitiço se realiza em graça,
Assim
seja assim se faça!”
-
fragmento do feitiço O Ovo da Serpente
Seus Poderes
Uma das coisas que unem os druidas em suas versões
tanto fantasiosa quanto histórica é o uso de magia, e mais do que isso, a forma
como usam ela. Em obras literárias de fantasia como “A Primeira Regra do Mago”
ou “Crônicas do Mundo Emerso”, para ficarmos em obras pouco conhecidas, e em
sistemas de RPG variados druidas são pessoas poderosas e dotadas de poder
equivalente à sua sabedoria.
Sem entrar no mérito da questão se ‘magia existe ou
não’ (sabiam que existem ainda hoje grupos de druidas que praticam e mantém
viva a prática de sua doutrina e magia?) a história e antropologia mostram que
as comunidades, ao longo da história, acreditavam que os druidas eram receptáculos
de enorme poder, causando temor e respeito desmedido de todas as pessoas
“comuns”. Os celtas contam, resgatado a partir de sua tradição oral, que os
druidas controlavam as forças da natureza podendo fazer, por exemplo, chover ou
trovejar, além de se comunicarem com animais ou mesmo se transformarem nesses
animais, ao seu bel prazer. É clara a confluência de informações e noções do
real no imaginário.
Em RPG a classe druística tem como marca registrada
sua ligação com a natureza (tanto de meio físico quanto de meio natural) tendo
todo um escopo de escolhas e características ligadas à esta capacidade. Só para
ficarmos em dois exemplos disso podemos começar com o clássico D&D 3.5. No
segmento reservado para as classes dos personagens é dito claramente ali que:
“A fúria de uma tempestade, a força suave do
sol da manhã, a astúcia da raposa, o poder do urso – tudo isso está sob
controle do druida. (...) Os druidas conjuram magias divinas, da mesma forma
que os clérigos, embora retirem suas magias e habilidades do poder da
natureza.” [D&D 3.5 – Livro do Jogador - Página 33-34]
É clara a apropriação que o fantasioso fez do
histórico. Druidas nunca se consideraram deuses poderosos, mas detentores de
sabedoria capaz de manipular, a partir dos seus deuses, as forças primais da
natureza. Completando isso, na mesma obra, vê-se que todas as habilidades
descritas e ganhas à cada nível atingido pelo personagem faz o druida ficar
cada vez mais ‘uno’ com a natureza. Inclusive a metamorfose possível com a
habilidade especial “Forma selvagem”, era uma das habilidades mais temidas e
reconhecidas pelas populações da época.
Já no sistema “Tormenta RPG”, mais claro ainda fica
esta noção:
“Em Arton, a natureza é
poderosa e soberana – ela está presente na ferocidade dos animais, no poder das
tempestades, na resistência das montanhas, na majestade dos mares, na
exuberância das árvores. Os deuses ligados à natureza governam essas forças, e
o druida é seu maior campeão.” [Tormenta RPG- Módulo
Básico – página 52]
Ficou mais claro ainda, não é?? Quando jogamos
nosso amado RPG ou lemos as obras de fantasia que preferimos, nem sempre temos a
real medida do quanto estamos ou não próximo de algo que milênios atrás era
considerado real.
Como já vimos no artigo anterior é claro que nem
tudo do fantasioso combinava ou estava relacionado com o real, mas o âmago em
questão é o mesmo.
A Magia
No druidismo a magia não vinha de poderes
inexplicáveis ou ocultos. Ela tinha sua fonte nas forças e energias próprias da
natureza da natureza. Como tal não pode ser classificada de boa ou ruim, branca
ou negra já que a própria natureza é neutra neste sentido. Da mesma forma as
magias druidísticas podem ter qualquer sentido. Pode tanto rogar uma benção
quanto uma praga.
Aqui vemos uma feliz coincidência entre o real e o
fantasioso. Nas obras de RPG os druidas são descritos como seres ‘normalmente’
de tendência neutra. A explicação deles é que os druidas refletem o equilíbrio da
natureza. Já no real eles também possuíam uma forma de proceder que equivaleria
à neutralidade do RPG, mas mais por sua posição dentro do grupo e pelo seu
entendimento de neutralidade da natureza em si, não harmonia simplesmente, mas
a visão de que a natureza simplesmente segue a vontade dos deuses.
Outro ponto importante para entendermos os druidas
do passado e sua ‘neutralidade’ e ‘equilíbrio’ é que a magia para eles não
podia vir desvinculada da ética e da responsabilidade. Para eles praticar magia
era gerar poder, e como tal todo poder deveria ser exercido com
responsabilidade.
A magia druidística pode ser dividida em quatro
tipos e veremos que em sua maioria eles estão representados nas regras de RPG:
Presságios: é a
arte de prever o futuro. Os druidas recebiam esses presságios de duas formas –
expontânea ou dirigida. A forma expontânea acontecia quando eles recebiam
previsões através dos sonhos. Em RPG não existe necessariamente uma regra para
isso, sendo o mestre quem decide sobre este subterfúgio de enredo. Já a forma
dirigida é quando eles realizavam algum tipo de ritual que possibilitasse uma visão
do futuro. Em TormentaRPG, por exemplo, temos as magias Adivinhação e Augúrio que
facilmente simulam este efeito.
Divinação: se
vocês olharem com atenção o Módulo Básico de TRPG ou o Livro do Jogador de
D&D 3.5 perceberão que as magias destinadas ao druida são quase em sua
totalidade magias divinas, ou seja,
ligadas à divindades que o druida cultua. Em última análise todas as magias do
druida são de fonte divina, mas aqui elas têm um sentido um pouco mais
profundo, sendo magias que usam instrumentos, sejam símbolos, cânticos ou mesmo
fenômenos naturais para realizar uma ligação do druida com sua divindade e, a partir
daí, realizar a magia que deseja. Em RPG temos exemplos deste tipo de magia em Adestrar Animais, Antipatia ou Aura Sagrada.
Feitiços e
encantamentos: este tipo de magia requer uma preparação prévia
para sua realização. A preparação pode ser desde meditação, banho de ervas ou a
necessidade de um local especial para sua realização. Neste tipo temos as bênçãos,
maldições, banimentos, cura etc. Em RPG podemos citar Abençoar Água, Ampliar Plantas e Cajado de cobra. Abaixo um exemplo de um fragmento de um ritual de
purificação e fortalecimento de água dos antigos druidas celtas:
Pela Lua e pelo Sol
Pela Noite e pelo Dia
Eu encanto esta água
Com a mais pura energia
Que onde essas gotas caírem
Comece a agir a magia
Amor, saúde e paz
É o que essa água traz
O que eu digo está correto e confirmado
Pois no astral já está plasmado
E assim está este feitiço
Em luz realizado
Ritos de
Compromisso: este é bem mais complexo e exige muita preparação
e uma troca onde o druida se obriga ou se proíbe à um ato por tempo determinado
ou não. Isso pode ser antes de conseguir o que precisa, ou ele pode vincular o
ato à ser realizado apenas para depois de ser atendido. As obrigações ou
proibições pode ser desde não comer certo tipo de alimento. A magia em RPG que
achei que mais poderia se enquadrar neste tipo de sortilégio foi Aliado Extraplanar e suas variações.
Mas notem que todas essas aproximações que realizei
foram meramente comparações distantes. Como disse na última postagem, não temos
a necessidade e nem a possibilidade de encaixar uma peça quadrada em um espaço
quadrado. São meras ‘aproximações’ e comparações superficiais, mas que nos
possibilitam perceber que realmente muita coisa foi inspirada no mundo real.
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