domingo, 12 de maio de 2013

Contos da Confraria: Fortão, o gato aventureiro - 03


Fortão, o gato aventureiro

Capítulo 3
Fortão corria abaixado pela luminosidade trêmula de algumas tochas. À cada passo ele sentia a umidade e o frio daquele piso fétido das Ruínas de Tooree, em Collen, o reinos dos olhos estranhos. De pouco em pouco ele parava e aguçava sua audição e faro felinos e então recomeçava a andar. Tinha acabado de tomar uma decisão pelo seu grupo.

“Muito demorados e confusos”, ele pensou sobre seu grupo. Quando chegaram à entrada do corredor que parecia o único caminho para seguir naquele labirinto de túneis todos os acharam muito suspeito. Provavelmente pelos corpos perfurados ou decepados espalhados por toda a extensão do corredor até onde a vista alcançava. “Gênios”, ele pensava desdenhando amigavelmente de seus companheiros.

Ainda no navio, após se afastarem de Petrynia, ele escutou o grupo conversando sobre uma boa oportunidade em Wynlla, mas daria uma parada em Collen para averiguar uma história que haviam escutado numa taverna. Seria um bom começo para sua ânsia de ser aventureiro e todos estavam muito animados, o que o deixou ainda mais entusiasmado.


Chegar até às ruínas foi fácil já que ela fica apenas alguns dias do porto próximo a Van Raan. Tudo correu fácil. Mas aos poucos Fortão foi conhecendo seu grupo. E ele se perguntava, depois de alguns dias, como eles não haviam se matado. O que eles tinham em coragem, lhes faltava em foco e perspicácia. Perdiam horas debatendo, discutindo ou bebendo. Mas a esperança dele era que na hora da ação isso fosse diferente.

Não foi.

Quando chegaram na entrada do corredor suspeitos já haviam derrotado alguns adversários de pequeno porte – bandoleiros e criaturas de muitas pernas. Mas nada verdadeiramente desafiador. Fortão agia como se fosse a maior de todas as aventuras. Seu foco era total, mas as piadas os reclamações de um e outro acabavam tirando sua atenção. Mas ele decidiu esperar para ver como seria.

Mas na entrada do corredor ele verdadeiramente se irritou. O grupo parou na entrada e começou um debate de como chegar ao outro lado superando as evidentes armadilhas. Fortão que estava aos pés do grupo sentou e começou a tomar um banho vagaroso enquanto escutava a, na sua opinião, inapropriada discussão, em um inapropriado lugar, em um inapropriado momento. Embora enfadonha, Fortão agüentou a situação por mais tempo que acreditava suportar. Mas quando um deles disse - “vamos rever nossas possibilidades desde o início” – o gato não agüentou, baixou a cabeça, suspirou e tomou ele uma atitude.

“Se esses humanos não conseguem se decidir, eu decido por eles”, pensou enquanto dava uma olhada atenta no corredor. A disposição dos corpos, a posição das setas espalhadas pelo chão, as correntes de ar, cada detalhe estava passando por seus sentidos.

O gato então se espreguiçou e num curto pulo começou a correr. Ele procurou o canto entre a parede esquerda e o chão. Aparentemente era uma posição melhor já que não haviam setas cravadas naquela altura, certamente lançadas pelos furos nas parede oposta.

Sua expectativa era de que nos vinte e poucos metros de extensão do corredor houvessem três tipos de armadilhas, segundo sua análise. Primeiro um grupo de setas disparadas lateralmente de ambas as paredes. Em seguida gigantes e afiadas estacas que viriam do chão. Por fim um conjunto de lâminas que sairiam das paredes em três pares. Os corpos no chão iam diminuindo em número, demonstrando o descuido dos aventureiros e sua incapacidade de descobrirem as armadilhas à tempo. Mas nenhum deles era um gato.

Quando Fortão se aproximou do primeiro corpo um leve toque de sua pata no chão acionou a primeira armadilha. O dispositivo disparou num quase inaudível clique e setas voaram de ambas as paredes após alguns segundos em seguidas levas e em diferentes alturas. Mas Fortão já havia percebido que a linha mais baixa de setas eram disparadas à dois palmos do chão, ou seja, o gato passava tranquilamente por debaixo do ataque.

A ação de Fortão não havia sido notada pelo grupo de aventureiros até a primeira seta ser lançada. O susto tirou todos da acalorada discussão e os manteve boquiabertos por alguns instantes.

“- Fortão!” -  gritou o grupo em uníssono.

“- Gato louco!!! ... volte aqui!”

Os gritos assustaram o gato mais do que o acionamento da primeira armadilha. Ele deu uma olhada desdenhosa para trás e continuou seu caminho, com as setas zunindo sobre suas orelhas. Os olhares incrédulos de todos acompanhavam o gata à cada passo.

“- Este gato está sendo mais eficiente e esperto que nós!” – disse Allyohnas – “pelo tamanho ele leva vantagem... quem sabe da próxima vez não mandamos o anão na frente?” Todos riram baixinho, menos o anão, mas a tenção de todos continuava nos passos do felino.

Fortão avançou até o local onde estava o último cadáver. Entre este e o próximo corpo apodrecido pelo tempo havia um espaço de cerca de dois metros. Era um espaço vazio e limpo de corpos. Apenas poeira e mofo estavam no chão e, provavelmente, abaixo estava o gatilho para a próxima armadilha.

Depois do sucesso na primeira etapa, todos os aventureiros estavam estáticos, ainda quase sem respirarem, os olhos fixos no movimento de Fortão, acompanhando-o à cada passo. Mas o sentimento agora não era de apreensão, mas de expectativa.

Fortão parou logo no início desta faixa entre as armadilhas e sentou-se estático, bem no centro, eqüidistante entre as paredes.

“- O que aconteceu, meu amigo?” – perguntou Blander.

“- Ele está analisando o caminho. Allihanna seja louvada, suas criações são impressionantes” – sussurra o elfo enquanto se acoca sem tirar os olhos do felino.

Fortão já tinha um plano quando recomeça a andar. Graças à sua percepção ele já tinha a noção exata de como proceder com esta armadilha e tinha certeza de que não haveria surpresas. Ele se levantou e deu um passo. O clique do acionamento do dispositivo foi mais audível desta vez, tanto por ele quanto pelos outros. Mas o gato parecia tranqüilo e começou a andar mais rapidamente.

Após atingir o local do primeiro corpo desta seção estacas de metal começaram a subir velozmente do chão como que disparadas por enorme arco até uma altura de mais ou menos um metro e meio. Elas vinham de frestas quase imperceptíveis. Fortão continuava correndo sem parar em um zigue zague estranho, mas eficiente. As estacas subiam velozmente e desciam logo depois, para novamente serem lançadas para cima. Os corpos que estavam ali a muito tempo era maltratados e muitos, os mais antigos, foram despedaçados. Mas o gato continuava ileso. Ele parecia adivinhar onde cada estaca surgiria e antecipava cada movimento mortal pulando ou desviando. Era uma dança belíssima.

Após alguns instantes Fortão chegou à mais uma área vazia, um novo paradouro entre as seções mortais de armadilhas. Ele chegou nela cansado. Embora soubesse o que estava fazendo e de sua certeza de chegar ileso até ali, isso não foi mais fácil e seu corpo sentia o esforço. Ele parou e sentou-se para tomar ar. Estava próximo do final de sua aventura pessoal. Ele já conseguia ver, no final do corredor, uma enorme porta e mais próximo uma alavanca, que provavelmente travava o funcionamento das armadilhas.

Toda a ação de Fortão foi seguida entre suspiros de alívio e gritos de incentivo dos aventureiros que estavam, tal qual uma torcida organizada, aplaudindo as vitórias pessoais do gato.

Enquanto tomava ar e recuperava as forças Fortão foi averiguando o último desafio. Os vários corpos literalmente divididos em duas ou três partes já lhe haviam dado a dica do que esperava. Olhou cada detalhe e criou uma estratégia um tanto simples.

“- O que ainda haverá pela frente?” – pensavam todos em silêncio.

O gato se levantou e arrumou o corpo como que para dar um salto. Ninguém entedia o que estava acontecendo ou por vir. O felino avanço com passos firmes como que aguardando alguma surpresa e quando escutou o clique ele saltou o máximo que pode para frente. Um instante após o acionamento da armadilha três enormes lâminas circulares surgiram vindo da parede à esquerda dele. Duas, a de cima e a de baixo, vinham na direção de Fortão, enquanto a lâmina do centro vinha de suas costas. Era uma armadilha muito inteligente, pois isso impossibilitava que o infeliz desavisado pudesse recuar. Fortão deu mais um passo apressado e pulou entre as lâminas que vinham em sua direção e logo depois, já atingindo o chão, abaixava-se para que lâmina central passasse por sobre ele.

Logo que a lâmina central zuniu por sobre sua cabeça as três outras lâminas, as da parede à sua direita começaram seu caminho mortal, só que com uma composição inversa. Fortão já imaginava isso e só teve que realizar o movimento inverso. Mas desta vez ele teve mais dificuldade. O seu pequeno corpo já estava sentido a fadiga. Mas ele conseguiu chegar ao final da terceira e última armadilha. Às suas costas o grupo pulava e gritava tal qual um,a torcida de algum torneio de justas.

De onde ele estava, ofegante e com os músculos tremendo, faltava somente uns oito ou dez metros até o final do corredor. Ao final do corredor havia uma passagem estreita com uma alavanca sobre um pedestal. O gato sabia que provavelmente aquele era um simples dispositivo para travar as armadilhas para quem desejasse voltar sem correr perigo.

Vitória!” – ele pensou estufando o peito. Fortão olha para trás, para o resto do grupo e mia alto. Todos aplaudem e gritam palavras de glória para o felino.

“- Isso Fortão!! Agora pule naquela alavanca para podermos chegar até aí!” – gritou Gustav.

O gato começou sua caminhada da vitória em direção ao final do corredor. Ele havia imaginado que seria até mais difícil. Não que tenha sido fácil, mas para um primeiro desafio até que ele se saiu de forma exemplar.

Todos estavam em silêncio esperando o gato desativar as armadilhas quando o caminhar dele foi interrompido por um estalo. Não um simples estalo, mas o som característico de um mecanismo sendo acionado. O mesmo estalo que ele escutara por três vezes até aqui e que acionaram três armadilhas mortais que ele estava esperando e que por isso mesmo foram sobrepujadas de forma relativamente simples.

Ao escutar o escalo, o clique, o tempo parou para Fortão. Sua mente começou a funcionar numa velocidade impressionante. “Como pude ser tão tolo?”, ele perguntava à si mesmo. Numa fração de segundo ele entendeu tudo. Não eram três armadilhas, mas quatro. A falta de cadáveres se deu pelo simples motivo que ninguém havia conseguido ir tão longe. Ele, que erroneamente achava que não haviam mais corpos por ali pois não haveriam mais armadilhas, teve sua tese colocada por terra no momento em que ele escutara aquele clique. Agora todas as probabilidades estavam contra ele. Ele não imaginava o que aconteceria, não estudou o local, não pensou nas possibilidades. Ele simplesmente avanço para o perigo que ignorava. Agora teria de ser rápido.

O gato percebia que o tempo vagarosamente começava a andar. Já era tarde para recuar e sua melhor chance era avançar, e rápido. Seu segundo passo já foi um salto para encurtar a distância. Mesmo no ar ele mantinha a total atenção para tentar vislumbrar de onde viria o perigo. E ele veio justamente do ar.

Saindo do teto, uma série de lâminas cortaram o ar seguindo a direção do corredor. Fortão não percebera quantas elas eram, mas conseguiu perceber a direção. Mesmo no ar ele torceu levemente o seu corpo para escapar de um golpe mortal que lhe cortaria da cabeça à cauda. Quando tocou no chão sentiu uma pequena vibração que significou em lâminas vindo de baixo também. Ele deu mais um salto para frente, mas não rápido o suficiente, pois recebeu um pequeno ferimento na pata traseira. E mesmo ferido e no ar teve novamente que girar seu corpo para escapar de mais um par de lâminas que vagavam pelo ambiente do corredor. Faltava só metade da distância para chegar à alavanca.

Quando novamente tocou o chão ele já estava atrasado para o movimento das lâminas inferiores e teve que esticar seu corpo para deslizar entre elas, mas não sem perder alguns bigodes para o frio elas. Ainda no chão, ele não sabe como, saltou para a esquerda e quando tocou no piso já pulou novamente para frente passando por entre as lâminas que aqui cortavam o ar tal qual uma porta invisível. Seu salto foi preciso, passando por ambas as lâminas.

Os aventureiros, na outra extremidade do corredor, permaneciam catatônicos.

Fortão chegou ao final do percurso mortal caindo no chão com seu pelo das costas eriçado. Suas pernas tremiam mais do que conseguia se lembrar que já tenham tremido. Ele não achava o ar. A visão estava turva. Ele só enxergava a alavanca.

Com mais alguns passos cambaleantes ele chegou à alavanca e a acionou. Depois disso tudo ficou preto.

Quando Fortão acordou todo o grupo já estava de volta na floresta. Ele estava sendo carregado numa espécie de pequena maca improvisada. Todos conversavam animadamente, mas num tom baixo.

Quando perceberam que ele acordara Fortão foi ovacionado pelo grupo. Todos falavam ao mesmo tempo e ele quase não conseguia entender nada. Aos poucos ele compreendeu o que havia acontecido. Após desmaiar, mas tendo acionado a alavanca, todos foram até ele e o levaram para o próximo ambiente, que era a tão esperada sala dos tesouros. Mas infelizmente ela estava bem guardada por mortos-vivos e alguns seres estranhos. O anão contou que nunca havia visto um guerreiro lutar tão bem e de forma tão brilhante com apenas uma das mãos, já que na outra carregava de forma carinhosa um gato. Todos disseram que ele havia sido um verdadeiro herói e que sua atitude os inspirou para que a luta final, naquelas ruínas, fosse realizada de forma tão brilhante e fervorosa.

“- Agora você já teve seu batismo de fogo, amigo!” – disse Blander – “Agora já é um dos nossos e não pode mais voltar atrás!”

“- UM VIVA PARA FORTÃO!!!” – brandiu o anão, seguido por todos os outros.

A primeira façanha de Fortão fora um sucesso, mais ou menos no susto, mas com sucesso. Ele estava satisfeito, mas exausto. Seus olhos fecharam novamente e só se abriram mais de um dia depois. Mas ele adormeceu satisfeito pois já tinha uma aventura para contar.


Capítulo 04 - AQUI



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