Fortão, o gato aventureiro
Capítulo
3
Fortão corria
abaixado pela luminosidade trêmula de algumas tochas. À cada passo ele sentia a
umidade e o frio daquele piso fétido das Ruínas de Tooree, em Collen, o reinos
dos olhos estranhos. De pouco em pouco ele parava e aguçava sua audição e faro
felinos e então recomeçava a andar. Tinha acabado de tomar uma decisão pelo seu
grupo.
“Muito demorados
e confusos”, ele pensou sobre seu grupo. Quando chegaram à entrada do corredor
que parecia o único caminho para seguir naquele labirinto de túneis todos os
acharam muito suspeito. Provavelmente pelos corpos perfurados ou decepados
espalhados por toda a extensão do corredor até onde a vista alcançava.
“Gênios”, ele pensava desdenhando amigavelmente de seus companheiros.
Ainda no navio,
após se afastarem de Petrynia, ele escutou o grupo conversando sobre uma boa
oportunidade em Wynlla, mas daria uma parada em Collen para averiguar uma
história que haviam escutado numa taverna. Seria um bom começo para sua ânsia
de ser aventureiro e todos estavam muito animados, o que o deixou ainda mais
entusiasmado.
Chegar até às
ruínas foi fácil já que ela fica apenas alguns dias do porto próximo a Van
Raan. Tudo correu fácil. Mas aos poucos Fortão foi conhecendo seu grupo. E ele
se perguntava, depois de alguns dias, como eles não haviam se matado. O que
eles tinham em coragem, lhes faltava em foco e perspicácia. Perdiam horas
debatendo, discutindo ou bebendo. Mas a esperança dele era que na hora da ação
isso fosse diferente.
Não foi.
Quando chegaram
na entrada do corredor suspeitos já haviam derrotado alguns adversários de
pequeno porte – bandoleiros e criaturas de muitas pernas. Mas nada
verdadeiramente desafiador. Fortão agia como se fosse a maior de todas as
aventuras. Seu foco era total, mas as piadas os reclamações de um e outro
acabavam tirando sua atenção. Mas ele decidiu esperar para ver como seria.
Mas na entrada
do corredor ele verdadeiramente se irritou. O grupo parou na entrada e começou
um debate de como chegar ao outro lado superando as evidentes armadilhas.
Fortão que estava aos pés do grupo sentou e começou a tomar um banho vagaroso
enquanto escutava a, na sua opinião, inapropriada discussão, em um inapropriado
lugar, em um inapropriado momento. Embora enfadonha, Fortão agüentou a situação
por mais tempo que acreditava suportar. Mas quando um deles disse - “vamos
rever nossas possibilidades desde o início” – o gato não agüentou, baixou a
cabeça, suspirou e tomou ele uma atitude.
“Se esses
humanos não conseguem se decidir, eu decido por eles”, pensou enquanto dava uma
olhada atenta no corredor. A disposição dos corpos, a posição das setas
espalhadas pelo chão, as correntes de ar, cada detalhe estava passando por seus
sentidos.
O gato então se
espreguiçou e num curto pulo começou a correr. Ele procurou o canto entre a
parede esquerda e o chão. Aparentemente era uma posição melhor já que não
haviam setas cravadas naquela altura, certamente lançadas pelos furos nas
parede oposta.
Sua expectativa
era de que nos vinte e poucos metros de extensão do corredor houvessem três
tipos de armadilhas, segundo sua análise. Primeiro um grupo de setas disparadas
lateralmente de ambas as paredes. Em seguida gigantes e afiadas estacas que
viriam do chão. Por fim um conjunto de lâminas que sairiam das paredes em três
pares. Os corpos no chão iam diminuindo em número, demonstrando o descuido dos
aventureiros e sua incapacidade de descobrirem as armadilhas à tempo. Mas
nenhum deles era um gato.
Quando Fortão se
aproximou do primeiro corpo um leve toque de sua pata no chão acionou a
primeira armadilha. O dispositivo disparou num quase inaudível clique e setas
voaram de ambas as paredes após alguns segundos em seguidas levas e em
diferentes alturas. Mas Fortão já havia percebido que a linha mais baixa de
setas eram disparadas à dois palmos do chão, ou seja, o gato passava
tranquilamente por debaixo do ataque.
A ação de Fortão
não havia sido notada pelo grupo de aventureiros até a primeira seta ser
lançada. O susto tirou todos da acalorada discussão e os manteve boquiabertos
por alguns instantes.
“- Fortão!”
- gritou o grupo em uníssono.
“- Gato louco!!!
... volte aqui!”
Os gritos
assustaram o gato mais do que o acionamento da primeira armadilha. Ele deu uma
olhada desdenhosa para trás e continuou seu caminho, com as setas zunindo sobre
suas orelhas. Os olhares incrédulos de todos acompanhavam o gata à cada passo.
“- Este gato
está sendo mais eficiente e esperto que nós!” – disse Allyohnas – “pelo tamanho
ele leva vantagem... quem sabe da próxima vez não mandamos o anão na frente?”
Todos riram baixinho, menos o anão, mas a tenção de todos continuava nos passos
do felino.
Fortão avançou
até o local onde estava o último cadáver. Entre este e o próximo corpo apodrecido
pelo tempo havia um espaço de cerca de dois metros. Era um espaço vazio e limpo
de corpos. Apenas poeira e mofo estavam no chão e, provavelmente, abaixo estava
o gatilho para a próxima armadilha.
Depois do
sucesso na primeira etapa, todos os aventureiros estavam estáticos, ainda quase
sem respirarem, os olhos fixos no movimento de Fortão, acompanhando-o à cada
passo. Mas o sentimento agora não era de apreensão, mas de expectativa.
Fortão parou
logo no início desta faixa entre as armadilhas e sentou-se estático, bem no
centro, eqüidistante entre as paredes.
“- O que
aconteceu, meu amigo?” – perguntou Blander.
“- Ele está
analisando o caminho. Allihanna seja louvada, suas criações são
impressionantes” – sussurra o elfo enquanto se acoca sem tirar os olhos do
felino.
Fortão já tinha
um plano quando recomeça a andar. Graças à sua percepção ele já tinha a noção
exata de como proceder com esta armadilha e tinha certeza de que não haveria
surpresas. Ele se levantou e deu um passo. O clique do acionamento do
dispositivo foi mais audível desta vez, tanto por ele quanto pelos outros. Mas
o gato parecia tranqüilo e começou a andar mais rapidamente.
Após atingir o
local do primeiro corpo desta seção estacas de metal começaram a subir
velozmente do chão como que disparadas por enorme arco até uma altura de mais
ou menos um metro e meio. Elas vinham de frestas quase imperceptíveis. Fortão
continuava correndo sem parar em um zigue zague estranho, mas eficiente. As
estacas subiam velozmente e desciam logo depois, para novamente serem lançadas
para cima. Os corpos que estavam ali a muito tempo era maltratados e muitos, os
mais antigos, foram despedaçados. Mas o gato continuava ileso. Ele parecia
adivinhar onde cada estaca surgiria e antecipava cada movimento mortal pulando
ou desviando. Era uma dança belíssima.
Após alguns
instantes Fortão chegou à mais uma área vazia, um novo paradouro entre as seções
mortais de armadilhas. Ele chegou nela cansado. Embora soubesse o que estava
fazendo e de sua certeza de chegar ileso até ali, isso não foi mais fácil e seu
corpo sentia o esforço. Ele parou e sentou-se para tomar ar. Estava próximo do
final de sua aventura pessoal. Ele já conseguia ver, no final do corredor, uma
enorme porta e mais próximo uma alavanca, que provavelmente travava o
funcionamento das armadilhas.
Toda a ação de
Fortão foi seguida entre suspiros de alívio e gritos de incentivo dos
aventureiros que estavam, tal qual uma torcida organizada, aplaudindo as
vitórias pessoais do gato.
Enquanto tomava
ar e recuperava as forças Fortão foi averiguando o último desafio. Os vários
corpos literalmente divididos em duas ou três partes já lhe haviam dado a dica
do que esperava. Olhou cada detalhe e criou uma estratégia um tanto simples.
“- O que ainda
haverá pela frente?” – pensavam todos em silêncio.
O gato se
levantou e arrumou o corpo como que para dar um salto. Ninguém entedia o que
estava acontecendo ou por vir. O felino avanço com passos firmes como que
aguardando alguma surpresa e quando escutou o clique ele saltou o máximo que
pode para frente. Um instante após o acionamento da armadilha três enormes
lâminas circulares surgiram vindo da parede à esquerda dele. Duas, a de cima e
a de baixo, vinham na direção de Fortão, enquanto a lâmina do centro vinha de
suas costas. Era uma armadilha muito inteligente, pois isso impossibilitava que
o infeliz desavisado pudesse recuar. Fortão deu mais um passo apressado e pulou
entre as lâminas que vinham em sua direção e logo depois, já atingindo o chão,
abaixava-se para que lâmina central passasse por sobre ele.
Logo que a
lâmina central zuniu por sobre sua cabeça as três outras lâminas, as da parede
à sua direita começaram seu caminho mortal, só que com uma composição inversa.
Fortão já imaginava isso e só teve que realizar o movimento inverso. Mas desta
vez ele teve mais dificuldade. O seu pequeno corpo já estava sentido a fadiga.
Mas ele conseguiu chegar ao final da terceira e última armadilha. Às suas
costas o grupo pulava e gritava tal qual um,a torcida de algum torneio de
justas.
De onde ele
estava, ofegante e com os músculos tremendo, faltava somente uns oito ou dez
metros até o final do corredor. Ao final do corredor havia uma passagem
estreita com uma alavanca sobre um pedestal. O gato sabia que provavelmente
aquele era um simples dispositivo para travar as armadilhas para quem desejasse
voltar sem correr perigo.
“Vitória!” – ele pensou estufando o
peito. Fortão olha para trás, para o resto do grupo e mia alto. Todos aplaudem
e gritam palavras de glória para o felino.
“- Isso Fortão!!
Agora pule naquela alavanca para podermos chegar até aí!” – gritou Gustav.
O gato começou
sua caminhada da vitória em direção ao final do corredor. Ele havia imaginado
que seria até mais difícil. Não que tenha sido fácil, mas para um primeiro
desafio até que ele se saiu de forma exemplar.
Todos estavam em
silêncio esperando o gato desativar as armadilhas quando o caminhar dele foi
interrompido por um estalo. Não um simples estalo, mas o som característico de
um mecanismo sendo acionado. O mesmo estalo que ele escutara por três vezes até
aqui e que acionaram três armadilhas mortais que ele estava esperando e que por
isso mesmo foram sobrepujadas de forma relativamente simples.
Ao escutar o
escalo, o clique, o tempo parou para Fortão. Sua mente começou a funcionar numa
velocidade impressionante. “Como pude ser
tão tolo?”, ele perguntava à si mesmo. Numa fração de segundo ele entendeu
tudo. Não eram três armadilhas, mas quatro. A falta de cadáveres se deu pelo
simples motivo que ninguém havia conseguido ir tão longe. Ele, que erroneamente
achava que não haviam mais corpos por ali pois não haveriam mais armadilhas,
teve sua tese colocada por terra no momento em que ele escutara aquele clique.
Agora todas as probabilidades estavam contra ele. Ele não imaginava o que
aconteceria, não estudou o local, não pensou nas possibilidades. Ele
simplesmente avanço para o perigo que ignorava. Agora teria de ser rápido.
O gato percebia
que o tempo vagarosamente começava a andar. Já era tarde para recuar e sua
melhor chance era avançar, e rápido. Seu segundo passo já foi um salto para
encurtar a distância. Mesmo no ar ele mantinha a total atenção para tentar
vislumbrar de onde viria o perigo. E ele veio justamente do ar.
Saindo do teto,
uma série de lâminas cortaram o ar seguindo a direção do corredor. Fortão não
percebera quantas elas eram, mas conseguiu perceber a direção. Mesmo no ar ele
torceu levemente o seu corpo para escapar de um golpe mortal que lhe cortaria
da cabeça à cauda. Quando tocou no chão sentiu uma pequena vibração que
significou em lâminas vindo de baixo também. Ele deu mais um salto para frente,
mas não rápido o suficiente, pois recebeu um pequeno ferimento na pata
traseira. E mesmo ferido e no ar teve novamente que girar seu corpo para
escapar de mais um par de lâminas que vagavam pelo ambiente do corredor.
Faltava só metade da distância para chegar à alavanca.
Quando novamente
tocou o chão ele já estava atrasado para o movimento das lâminas inferiores e
teve que esticar seu corpo para deslizar entre elas, mas não sem perder alguns
bigodes para o frio elas. Ainda no chão, ele não sabe como, saltou para a
esquerda e quando tocou no piso já pulou novamente para frente passando por entre
as lâminas que aqui cortavam o ar tal qual uma porta invisível. Seu salto foi
preciso, passando por ambas as lâminas.
Os aventureiros,
na outra extremidade do corredor, permaneciam catatônicos.
Fortão chegou ao
final do percurso mortal caindo no chão com seu pelo das costas eriçado. Suas
pernas tremiam mais do que conseguia se lembrar que já tenham tremido. Ele não
achava o ar. A visão estava turva. Ele só enxergava a alavanca.
Com mais alguns
passos cambaleantes ele chegou à alavanca e a acionou. Depois disso tudo ficou
preto.
Quando Fortão
acordou todo o grupo já estava de volta na floresta. Ele estava sendo carregado
numa espécie de pequena maca improvisada. Todos conversavam animadamente, mas
num tom baixo.
Quando
perceberam que ele acordara Fortão foi ovacionado pelo grupo. Todos falavam ao
mesmo tempo e ele quase não conseguia entender nada. Aos poucos ele compreendeu
o que havia acontecido. Após desmaiar, mas tendo acionado a alavanca, todos
foram até ele e o levaram para o próximo ambiente, que era a tão esperada sala
dos tesouros. Mas infelizmente ela estava bem guardada por mortos-vivos e
alguns seres estranhos. O anão contou que nunca havia visto um guerreiro lutar
tão bem e de forma tão brilhante com apenas uma das mãos, já que na outra carregava
de forma carinhosa um gato. Todos disseram que ele havia sido um verdadeiro
herói e que sua atitude os inspirou para que a luta final, naquelas ruínas,
fosse realizada de forma tão brilhante e fervorosa.
“- Agora você já
teve seu batismo de fogo, amigo!” – disse Blander – “Agora já é um dos nossos e
não pode mais voltar atrás!”
“- UM VIVA PARA
FORTÃO!!!” – brandiu o anão, seguido por todos os outros.
A primeira
façanha de Fortão fora um sucesso, mais ou menos no susto, mas com sucesso. Ele
estava satisfeito, mas exausto. Seus olhos fecharam novamente e só se abriram
mais de um dia depois. Mas ele adormeceu satisfeito pois já tinha uma aventura
para contar.
Capítulo 04 - AQUI
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