Arquearia I
- Sua excelência, o arco -
Quando
pensamos em arquearia não estamos pensando numa simples e antiquada arma, mas
em um dos mais elaborados saltos tecnológicos da militaria na história da
humanidade. Se pensarmos na humanidade, desde seus primórdios, quando a espécie
homo começou a moldar o seu redor, instrumentos foram criados para defesa e
ataque, principalmente na defesa contra outros grupos humanos e no ataque para
caça. Nesses períodos a distância de um alvo era um problema real, que foi
levemente superado com as hastes de arremesso – uma espécie de lanças primitvas.
Mas ainda assim elas se valiam diretamente da força do braço de alguém para
arremessá-la à uma certa distância com uma certa potência. Ambas, distância e
potência, relativamente pequenos para nossos parâmetros atuais.
Com
a invenção do arco para arremessar uma flecha, o homem criou um instrumento que
ampliava a sua capacidade de força para arremessar algo muito além da simples
capacidade de seu braço e com muito mais força. Foi realmente, como já disse,
uma salto tecnológico. E quando esse salto aconteceu? Ainda há muita
controvérsia, mas antropólogos localizam a invenção do arco entre os períodos
paleolítico e mesolíticos, provavelmente mais próximo possível dos 15 mil anos
a.C., muito embora arqueólogos já tenham descoberto o queriam pontas de flecha
datadas em 60 mil anos. O que temos certeza é que em meio ao mesolítico temos
pipocando por todos os cantos restos arqueológicos de artefatos que até certa
medida serviam de arco.
Quanto
mais nos aproximamos do presente mais vemos o arco tomando seu lugar nos
exércitos e campos de batalha, pelo menos até a descoberta da pólvora. Não por
menos que ele é colocado dentre as cinco invenções de militaria que mais
influenciaram e mudaram o mundo.
O
arco, a estrutura que impulsiona as
flechas, é composto basicamente (por que não dizer historicamente) de madeira.
Essa madeira tem de ser resistente e densa e normalmente vem de árvores com o
teixo, o freixo, carvalho ou carya (isso será abordado melhor na postagem sobre
fabricação de arcos). Existem duas formas dessa haste ser trabalhada - em forma
plana, onde apenas uma haste (também chama de pala) compõe toda a estrutura do arco, ou de forma composta, quando
duas hastes (palas) montam a estrutura
do arco à partir do centro. Ele é uma haste relativamente alongada e com as
extremidades afinadas e interligadas por uma corda chamada simplesmente de a
corda do arco.
O
arco é dividido em duas seções quando o olhamos em posição vertical, ambas chamadas
de limb (‘extensão’ ou ‘braço’),
assim divididos em braço superior (uper limb) e braço inferior (lower limb).
Ambas extensões finalizam em extremidades chamadas de nock. A porção central do arco, considerando o local onde o
seguramos acrescido de mais cinco centímetros para cima e para baixo, é chamado
de rise ou handle.
A
corda do arco (originalmente chama de bowstring)
precisa ser resistente tanto à tensão de uso quanto à ação da água e umidade.
Mas sem engana aquele que pensa que a corda de arco é uma simples corda
resistente. Até mesmo a forma de entrelaçamento de suas fibras tem importância
em seu uso. Em princípio temos três tipos de trançados para o arco: simples,
reverso-torcido e as looped strings.
A
corda trançada de forma simples pode ser feita de qualquer tipo de fibra
torcida em um único cabo. Sua maior vantagem é a facilidade de se achar o
material (quase todo o tipo de fibra) e a rapidez de a produzirmos. Mas sua
velocidade de trançado acaba por produzir uma corda mais fraca e que precisa
estar em constante tensão no arco para que suas fibras não se separem. Para se
presa ao arco usamos um nó simples com duas laçadas ao redor do nock.
Já
o reverso-torcido, mais comum na Europa, usava fibras de linho ou cânhamo, e
tinha uma mecânica de torção muito peculiar. Conjuntos de fibras são torcidos
em um sentido em vários feixes separados. Depois esses feixes são unidos e
torcidos entre eles em um sentido contrário. Isso garante que eles permanecerão
em sua estrutura, não necessitando estar em permanente tensão. Eles são presos
aos nocks por nós em um engate na própria estrutura do arco. Por fim o looper
string é simplesmente um feixo fino contínuo que é preparado dando voltas com o
comprimento máximo que terá no arco. Depois esse conjunto de feixos paralelos é
unido a partir das extremidades já formando um laço para ser preso no arco. Ao
redor do centro desse feixe coloca-se uma sustentação onde as flechas serão
colocadas circulando com outro fio como que criando um incólucro.
As
flechas são hastes, de madeira (pelo
menos as da época que temos como alvo aqui nesta postagem), com uma ponta de
pedra, osso, metal ou mesmo apenas com a ponta da haste afinada, que são
propelidas pelo arco. Sua estrutura é muito simples sendo composta pela haste,
numa das extremidades a ponta de flecha (que passa a ser chamada de dianteira)
e noutra extremidade possuindo o nock
(o mesmo nome das extremidades do arco) que nada mais é do que um encaixe para
melhor fixação na corda do arco. Antes de chegar ao nock, na haste, há um
conjunto de três estabilizadores chamados de fletching (que normalmente são feitos de penas de pássaros ou
folhas).
As
pontas de flecha possuem uma grande variedade de tipos. Quem pensa que as
variações de pontas de flechas utilizadas pelos personagens de HQs Gavião
Arqueiro e Arqueiro Verde são fantasia, está enganado. Ao longo dos séculos
muitos tipos de pontas de flechas foram inventados e aprimorados para as mais
variadas funções. Basicamente as flechas se dividem em três tipos básicos:
combate, caça pequena e caça grande.
As
flechas para caça, tanto para presas pequenas quanto para presas grandes, têm
as mesmas características estruturais para causar dano. Elas possuem uma forma triangular
menos alongada que as de combate para possibilitar uma maior área de entrada na
presa e assim desabilitá-la rapidamente, não lhe dando chance de fuga. Pelas
imagens abaixo vocês perceberão que as dimensões também são diferentes. As para
presas de pequeno porte são menores para uma rápida ação a curta distância,
quase sempre em meio à floresta. Já as para presas de maior porte possuem uma área
muito mais ampla, para potencializar o ferimento, e com abas laterais para que
a flecha não dê à presa a possibilidade de fuga.
As
flechas de combate têm um formato um pouco diferente. Elas são mais alongadas,
pois sua função é causar dano em adversários cobertos de proteção – escudo,
armadura, cota de malhar e proteção acolchoada, quando não todas elas. Cada um
dos tipos era indicado para um tipo de proteção. Por exemplo as imagens 4 e 7 eram
indicadas para para cotas de malha e vestimentas acolchoados, enquanto as de
número 1, 2 e 3 para armaduras e escudos. Nos aprofundaremos mais na postagem
sobre os mitos dos combates com arcos na Idade Média.
Tipos de Arco
Como
já vimos até agora a definição de arco passa a idéia de um objeto alongado de
madeira, preso por uma corda, com a função de projetas flechas. Esta é a
definição de todos os arcos. Mas mesmo dentro deste universo de simplicidade
temos muitas variações fazendo eles se dividirem quanto à estrutura, formato e
tamanho.
Como
já dissemos antes os arcos podem ser divididos quanto à sua estrutura. Os arcos
planos são aqueles construídos a partir de uma peça única de madeira podendo
ser chamados também de arcos laminados. Já os arcos compostos eram produzidos a
partir de duas palas feitas de cornos de animais ou madeira, que se iniciavam
no centro e se curvavam individualmente até as pontas. Seu formato assimétrico
permitia ter um tamanho reduzido sem perder a força nos disparos, mas era
extremamente frágil, além de ser afetado pela umidade. Por seu tamanho menor
eles eram mais utilizados por arqueiros em montarias.
Quanto
ao seu formato eles tinham uma maior variação, desde o simétrico arco em linha
reta (a) até o triangular com aderência (h). Entre eles tínhamos o arco em
linha reta curvo (b), arco em linha reta com duas curvas (c), o arco assimétrico
(d), o arco com curvatura dupla (e), o arco com quatro curvas (f) e o arco
triangular (g). Todos esses formatos tinham suas explicações e justificativas regionais,
culturais ou funcionais.
Quanto
ao seu tamanho podemos dizer que existem os arcos curtos e longos. Existe muita
controvérsia quanto o tamanho exato de um e de outro, mas podemos dizer que os
arcos curtos mediam até 1,20m e os longos acima disso, podendo chegar à 2
metros de comprimento. Por sua potência ligada ao tamanho sabe-se que os arcos
curtos tinham um desempenho menor, sendo mais utilizados para caça, enquanto os
longos, que poderiam atingir perto de 400 metros de distância, mais utilizados
para combates. Mas mesmo isso pode ser debatido se levarmos em conta a questão
dos arcos compostos, mas veremos isso em outro momento.
Dentre
estas três variações apresentadas – estrutura, formato e tamanho – foi criada
ao longo da história, e pelo mundo à fora, uma grande variedade de tipos. Por
exemplo, o arco clássico inglês é um arco plano, reto e longo. Já um arco
mongol é um arco muitas vezes composto, curto e com quatro curvas.
6 comentários:
Parabéns pelo texto, muito bem elaborado. Espero a segunda parte. Isto é incrível para qualquer RPG!
Muito obrigado.... muito em breve teremos a segunda parte!
Parabéns, ótimo texto mesmo! Não pensava que tinha tanta informação sobre o arco.
E isso é só o começo!!!!
Parabéns pelas informações. Me recomendaram o link e estou olhando aos poucos. Muito útil pros meus enredos de fantasia, já que eles são bem baseados nos RPG/MMORPG.
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