sábado, 17 de fevereiro de 2018

Cobrar ou não cobrar? Eis a questão! - debate sobre cobrar para mestrar mesas de RPG


Cobrar ou não cobrar? Eis a questão!
- debate sobre cobrar para mestrar mesas de RPG -

O debate dessa semana na comunidade rpgistica do Brasil volta a ser a cobrança para mestrar sessões de RPG. A discussão começou após uma postagem em um grupo de D&D (se não me engano, pois não a localizei novamente... acho que foi apagada) onde um rapaz se disponibilizava à mestrar sessões de RPG de diversos sistemas. O valor seria de R$ 100,00 reais para quatro sessões mensais (1 por semana) de quatro horas cada. Após a postagem tivemos críticas ou apoios em muitos perfis pessoais, grupos e páginas.

Os grupos se formaram mais ou menos sobre dois discursos distintos onde muitos dos meus amigos estavam espalhados por ambos os lados. Primeiramente quero deixar claro que o debate não é de forma alguma maniqueísta, não há mocinhos ou bandidos, certo ou errado. Isso é importante para que não fiquemos procurando o lado certo da história.

Para aqueles que são contra a cobrança um dos argumentos é de que o RPG é um jogo colaborativo e como tal precisaria de uma igual cumplicidade e participação de mestre e jogadores para que ele se desenvolvesse de forma adequada. Em um jogo de RPG ambos os lados ganham com a diversão e com a participação. Com isso, cobrar para a tarefa de mestrar seria uma relação desigual entre as duas partes, onde o mestre estaria tendo vantagem para uma tarefa que não cabe por inteiro à ele.

“Se tem mestre profissional, tem jogador profissional também. RPG é um jogo colaborativo. Não tem jogo sem jogadores, apesar de ter jogos sem mestre, e aí? Vamos cobrar para jogar com esses mestres também?” (...) “Eu entendo empresas pagarem para divulgar o jogo, para publicidade, para uma empresa. Se o propósito do jogo tiver a ver com "grana", então faz sentido ter remuneração. Agora se o propósito for uma experiência lúdica, pela natureza cooperativa e interdependente de todos os participantes, cobrar para mestra é sim uma exploração oportunista. Tu não consegue mestrar sozinho. Você precisa dos jogadores."


Do outro lado do debate temos aqueles que não têm problema com o pagamento de mestres para conduzirem aventuras de RPG. Esse grupo argumenta, entre outras coisas, que não deixa de ser algo válido pela dedicação do mestre em relação ao estudo das regras e sistemas, preparação da aventura e tempo gasto na sessão. Muitos exemplos aparecerão em algumas postagens sobre como já foram remunerados pela atividade de mestre.

 “Em 2006 eu estava ainda na LUDUS CULTURALIS quando a Roche do Brasil nos contratou para irmos até Santiago do Chile e fazermos uma dinâmica de grupo com RPG, focando trabalho em equipe e criatividade na resolução de problemas. Tivemos que levar dois narradores (eu incluso) e contatar uma narradora lá para, essencialmente, narrar RPG. Uma aventura especificamente criada e elaborada para a atividade. Em 2003 fomos contratados pela prefeitura de São Paulo para mestrar RPG para frequentadores das bibliotecas das unidades do CEU, em São Paulo. Os narradores tinha que ser preparados para aventuras instantâneas, com crianças que nunca leram um livro, em distantes locais de São Paulo. Houve fins de semana em que eu precisava de trinta narradores trabalhando simultaneamente em toda capital. Em outra ocasião fomos contratados pelo Banco do Brasil para uma atividade com RPG em que fosse trabalhada a questão do preconceito. Uma aventura especificamente criada e desenvolvida com esse objetivo. É claro que fizemos MUITO mais atividades gratuitas e voluntárias. Eu mesmo já fiz Oficinas de Formação de Narradores de RPG remuneradas. E para cada uma remunerada, fiz outras cinco ou seis gratuitas. Cada um ou uma tire a conclusão que quiser, mas vamos analisar todos os lados da questão” – Jaime Daniel Rodriguez Cancela.

 “Aproveitando para explicar... Eu quando desenvolvi as primeiras mega mesas do EiRPG eram por minha conta... Star Wars - Operação Corona Fire, 7th Sea - Mares de Sangue e Ninja Burger foram de criação minha e investimento de meu bolso. Após isso, a Devir me convidou para remodelar o Desafio D&D e aí sim recebi um dinheiro pelo meu esforço que foi dividido pela equipe que treinei de mestres e outros amigos que me ajudaram na coordenação. Depois disso, realizei o lançamento do Mutantes e malfeitores para a jambo que não tinha dinheiro pra me pagar, na época pedi livros para meus dez mestres que coordenaram sessenta players em uma aventura que criei de nível épico em uma cidade de miniatura de três metros por três metros que construí com meu dinheiro. Sem investimento externo nesse último. Eu acho justo cobrar por um serviço que você tenha desde que o mesmo seja de qualidade. Afinal é entretenimento! A quantidade de players que não tem alguém para mestrar uma boa aventura é uma parcela grande da situação atual. Como falei, se o serviço é de qualidade, capaz de entreter e dar ao player um quality time inesquecível, o investimento é totalmente válido” - Alessandro Franzen.


Eu particularmente não vejo problema algum em um mestre cobrar para conduzir uma ou mais sessões de RPG. Ao mesmo tempo entendo perfeitamente o ponto de vista de quem critica tal opção. As sessões de RPG sempre foram um encontro de amigos, uma forma de conhecer pessoas e uma oportunidade de vivenciar uma nova experiência. Fossem em um evento, numa loja ou na casa de alguém, eram momentos para fugirmos de nossas vidas e entrarmos em um novo mundo com pessoas que tinham gostos afins. Aliado à isso o RPG em si é um momento de desenvolvimento criativo, lúdico e interpessoal em que ele precisa de uma relação de todos os participantes para que “funcione” adequadamente. Então, quando chega alguém dizendo que vai cobrar por algo como mestrar RPG, para muita gente parece até uma heresia onde o essencial passou a ser o dinheiro.

Claro que me incomoda a monetarização do RPG, algo que temos visto muito no seu meio nesses últimos tempos, algo que ainda faz dele um hobby excludente e de nicho reduzido. Ok, sei que RPG é um negócio e depende de um mercado e que tudo isso gira em torno de dinheiro. Quem me acompanha sabe de minhas opiniões pessoais sobre como o RPG deve ser o mais aberto, popular e agregador possível. Ao mesmo tempo sei de suas características como um produto, mas não vejo a cobrança para mestrar mesas como algo que reforce isso.

Cobrar para mestrar é um serviço. Alguém se disponibiliza a servir como mestre por um valor determinado e dentro de alguns parâmetros delimitado por um acordo de ambas as partes – mestre e jogadores. Mas esse serviço não é obrigatório ou imposto. Quem desejar se valer dele o solicita. Entendam que a existência de mestres que cobram não diminui em anda a opção das pessoas comprarem seus próprios livros e jogarem à exaustão sem gastar nenhum centavo. A cobrança não está restringindo acesso ao conhecimento ou impossibilitando que qualquer um seja mestre, está apenas disponibilizando um serviço para quem desejar pagar por ele. Hoje em dia tenho visto muita gente dizendo que não tem tempo para organizar uma campanha, ou mesmo novatos que estão entrando agora no meio e desejam uma experiência mais reforçada de sessão. Para eles funciona muito bem esse “serviço” prestado.

Mas e a questão do papel colaborativo que exercem mestre e jogadores para desenvolver a história? Concordo que existe um elemento essencial de colaboração entre as duas partes para que o jogo se desenvolva, mas não nos esqueçamos que há atribuições distintas entre mestre e jogadores. Por mais que o jogador colabore na condução do jogo e em sua relação retroalimentativa com a aventura, ele ainda poderá ter chego à mesa sem conhecimento ou preparo prévio algum e ainda assim o jogo acontecerá. Mas normalmente o mestre precisou de algum preparo no estudo e entendimento das regras, na elaboração da aventura e tudo relacionado à ela, produção de acessórios etc. Um jogador sem conhecimento algum e o jogo flui, um mestre sem preparo ou estudo do sistema/aventura e nada anda.

Mas e a qualidade do mestre e do serviço prestado? Isso é muito difícil de ser avaliado, pagando ou não. Não considero que cobrar seja o fiel da balança. O elemento que dirá se a qualidade está adequada é o quanto o grupo se divertiu e aproveitou a sessão e mesmo assim ainda não é um indicativo consistente de qualidade. Quando contratamos qualquer serviço, principalmente aqueles que não são para produção de algo material, a qualidade passa a ser um elemento de subjetividade – e isso não está atrelado ao ato de cobrar ou não pelo serviço, mas sim do resultado imaterial. As variáveis são muitas nesse caso, inclusive passando pelo fato de ser um ato colaborativo, como já mencionado.

Quantas vezes já jogamos com mestres (sem cobrar) reconhecidamente de qualidade e suas aventuras não engrenaram? Quantas vezes jogamos com aquele mestre, nosso amigo de anos que semana após semana levava a sessão, e em algumas oportunidades o jogo não vingou? Quantas vezes estivemos em mesas de mestres conhecidos e amigos e ele foi displicente e realizou um jogo mal preparado? Quantas vezes fomos à eventos só para participar de uma mesa com algum rpgista famosão e a aventura não nos encantou? Todos já passamos por isso. E tudo isso não aconteceu pelo fato de cobrarem ou não cobrarem pela mestragem. Com certeza um mestre meia boca – despreparado, displicente, ranzinza, mal humorado ou possessivo com relação à sua aventura - terá problemas na condução de sua mesa e muito provavelmente não será chamado novamente pelo grupo de jogadores – como acontece em qualquer situação onde selecionamos de qual mesa participaremos ou não.

Embora possa parecer uma loucura, estamos cobrando pelo serviço e não pela garantia de qualidade. E se pensarmos bem isso acontece com qualquer tipo de serviço contratado. É de nosso interesse (é óbvio) que esse serviço seja o melhor possível já que estamos pagando. Ao mesmo tempo é de interesse de quem presta o serviço que ele seja de qualidade, pois isso propiciará que ele tenha mais clientes. Posso me arriscar a dizer que este tipo de prestação de serviço é um risco para ambos os lados.

Mas isso pode matar a espontaneidade do RPG? A cobrança para mestragem é uma opção para quem necessite dela. Qualquer um ainda pode começar sua carreira de mestre com um simples livro ou pdf, muita boa vontade e um grupo de amigos. As pessoas ainda vão se juntar e criar novas amizades com as sessões de RPG semanal nas casas de amigos, eventos ou lojas. A espontaneidade é uma questão das pessoas em si.

Este tema trás um debate interessante tal qual outros que volta e meia vêm à tona – pirataria, RPGs importados, interpretação, preconceito, sexismo, monopólio e por aí vai. No final das contas o ponto convergente entre este tema de cobrança para serviço de mestre e todos esses outros exemplos é mesmo – as pessoas e seus valores. Enquanto vermos o RPG por todo o seu potencial, por tudo o que há positivo e agregador nele, por sua capacidade como formador de caráter, por seu viés como meio para compreender e contestar a realidade, pela sua necessidade de ser acessível à todos e não apenas há um grupo com um certo perfil da sociedade, então ele estará no caminho certo.

Bons jogos!

4 comentários:

Bruno Baère disse...

Uma dúvida que me surgiu agora é quanto à empresa que produz os jogos.

Suponha uma empresa que tenha lançado um jogo novo e um mestre não associado a ela cobre para mestrar. Caso esse mestre não proporcione uma boa experiência para os jogadores com o jogo dessa empresa, esses jogadores terão menor probabilidade de consumir esse produto, por associarem com uma experiência fraca ou negativa.

A empresa poderia tomar alguma ação, como proibir a cobrança pelo uso do seu sistema de regra ou cenário em uma mesa paga não sancionada por ela? Como geralmente quem compra os livros são os mestres, um jogador que não gostou daquela experiência é possivelmente um mestre em potencial a menos daquele sistema ou cenário.

Dependendo de como essa questão crescer (claro, aqui estou fazendo um exercício de futurismo), é capaz de precisarmos de associações que regulem o mercado. Não que um mestre não sancionado por essa associação seja um mal mestre, mas um com a chancela da associação teria garantias para os interessados (empresas produtoras dos jogos, jogadores, etc.) da forma como ele conduz o trabalho (respeito aos participantes, temas condizentes com as políticas da empresa, etc.).

Essa questão é complexa e delicada, ainda mais se tratando de um potencial mercado que lida com atividades que consideramos um passatempo entre amigos e que possui poucos exemplos de uso comercial e poucos paralelos com outros mercados. Parabéns por abordá-la de forma imparcial.

Unknown disse...

Não vejo o menor problema. Hoje em dia tem gente que contrata um Chef de cozinha para preparar um jantar para receber amigos em sua residência, pq não contratar um Mestre pra apresentar o RPG, divertir a ti e aos teus amigos que nunca mestraram ou jogaram ou simplesmente querem jogar ao invés de mestrar?! Acho MUITO válido esse tipo de serviço. Se houvesse aqui na minha cidade (Caxias do Sul) e eu recebesse recomendações do profissional, acredito que contrataria sim!

Unknown disse...

Rafael, existe a Roleplayers que faz esse serviço via stream. da uma procurada lá.
Acredito que essa seja a primeira empresa a oferecer os serviços pagos de "mestragem" hahahah

Unknown disse...

Sim, Yan. Conheço a Roleplayers já. Mas preferia uma mesa presencial mesmo. Hehehe