Recorte de uma cena antológica de uma
sessão de RPG de Star Without Numbers
Existem algumas sessões de RPG que ficam gravadas na
memória. São aquelas sequências onde tudo dá certo tal qual um incrível plano
sequência de seu filme de ação ou anime favorito. Isso me aconteceu na sessão
de final de temporada de nossa campanha de Na Sombra do Farol, para o sistema
Star Without Numbers, pelas mãos talentosas do mestre Felipe Soares.
Nessa sessão meu personagem, Myiamura, um dos membros
de uma agência que tenta livrar o planeta de uma invasão alienígena, junto de
outros dois agentes, se vê frente a frente com um ataque direto contra a sua
sede. Cada um dos personagens estava separado e teve suas cenas centradas
apenas em si. Foram cenas antológicas.
Gostei tanto do que transcorreu na minha cena que decidi
trazer aqui um pequeno recorte do que vivenciei naquele dia. Espero que curtam!
A cena de Myiamura
Myiamura saiu correndo desesperadamente pela rua.
Os gravflyers que saiam em quantidade da enorme nave que pairava sobre a cidade
era sinal de que as coisas iriam esquentar rapidamente. As sombras que o agente
via passando por ele indicava que as naves de assalto estavam indo na mesma
direção que ele – para a Agência.
Ele precisava chegar lá e ajudar a evacuar o prédio
o mais rápido possível. Por mais que tivessem algumas defesas prontas no
prédio, não seriam páreas para a quantidade de inimigos que se aproximavam e
seu poderio.
Ele forçou-se a correr em seu limite, vencendo
quadra após quadra, mas os gravflyers eram mais rápidos e quando ele se aproximou
do prédio uma das naves já estava pousando e abrindo suas portas traseiras para
deixar sua tripulação mortal descer.
Myiamura não era um novato e sabia muito bem o que
fazer e quais suas reais chances. Seu treino incessante com os mais variados
armamentos e veículos lhe conferia algum conhecimento e muita habilidade que
ele teria que colocar à prova.
Ele deslizou até a proteção de um poste enquanto
puxava seu rifle de assalto que balançava nas costas. Apoiando-se ajoelhado sob
a cobertura improvisada ele mirou no único ponto que lhe daria alguma chance.
Lutar contra os seis ou setes seres que saiam da nave estava fora de cogitação,
mas um tiro bem dado poderia resolver a situação.
Para Myiamura os gravflyers são muito semelhantes
em todo o lugar, seja humano ou de uma das raças invasoras, todos eles precisam
de baterias. Baterias que ele conhecia bem e que ficam em um local protegido
dentro da nave. Local esse que só é acessível pelo lado de dentro... e a porta
estava aberta lhe dando boas-vindas.
Era a vantagem que ele precisava.
O tiro certeiro encontrou as baterias de energia do
gravflyer e resultou em uma considerável explosão algumas dezenas de metros
antes do prédio da Agência, matando instantaneamente todos os ocupantes.
Bingo!
Myiamura voltou a correr para seu destino, mas
agora tendo chamado a atenção de todos os inimigos que estavam próximos. Ele
começou a escutar os disparos zunindo por sua cabeça e por sorte atingindo o
chão à sua frente. Ele não teria uma segunda chance e tão logo pôde, ele se
jogou atrás de um automóvel estacionado no exato momento em que uma segunda
saraivada de disparos irrompia do céu.
Quando o atacante voador passou por ele, uma rápida
espiada lhe mostrou que ele estava próximo do prédio, mas não próximo o
suficiente. Ele tentou voltar a correr no exato momento em que um segundo
gravflyers pousava bem em frente ao prédio da Agência, obstruindo sua passagem.
Ele teria de improvisar. Desviando em direção à um beco do outro lado da rua
ele procurou uma nova cobertura na parede lateral. Com o canto do olho ele
percebeu que as coisas estava se complicando. Três enormes Quadrilas com seus
quatro braços e suas enormes metralhadoras saíram da nave e começaram agilmente
a subir pela parede do prédio, enquanto cinco Capangas deslizavam para a rua
procurando proteger o perímetro.
Quase que instintivamente Myiamura puxou novamente
o rifle e começou a mirar. Ele sabia que sua mira era ótima, desde que conseguisse
adequadamente focar no seu alvo e perder alguns instantes. Entre uma respiração
e outra ele puxou o gatilho e literalmente explodiu a cabeça de um dos
Quadrila, o fazendo despencar da parede diretamente para o chão.
Infelizmente agora os cinco Capangas tinham localização
de um alvo e começaram a preparar suas armas. Myiamura tinha pouco tempo para
escapar daquele local que não era seguro o suficiente. Uma janela desgastada do
prédio no beco era uma opção adequada para uma boa rota de fuga.
Os primeiros disparos dos cinco adversários passaram
perto, mas sem perigo real. De um cinto pendurado no ombro Myiamura retirou uma
das granadas e a lançou contra os monstros. Embora tenha sido um arremesso
desajeitado, a explosão lhe proporcionou uma distração por tempo suficiente
para terminar de quebrar a janela e saltar para dentro enquanto os Capangas procuravam
algum abrigo.
Ele não tinha tempo para respirar, apenas pensando
em como chegar à Agência, do outro lado da rua. Ele correu por entre os
aposentos abandonados do prédio onde estava procurando uma forma de chegar ao
segundo andar e conseguir uma posição elevada para disparar. Uma janela
providencialmente bem de frente para o prédio da Agência, do outro lado da rua,
era perfeita para suas pretensões. Ele correu na sua direção derrapando no
assoalho empoeirado e já colocando o rifle em posição.
Quando procurou fixar a mira apressadamente nas
paredes do prédio, procurando os dois Quadrilas que haviam sobrado, ele percebeu
que chegara tarde demais. Um enorme buraco em uma janela do segundo andar
mostrava que eles já haviam entrado e que pela posição estavam indo diretamente
para as salas dos bancos de dados.
Agora ele precisava chegar lá ainda mais rapidamente
e, para isso, ainda tinha que passar pelos cinco Capangas e pela nave que
estavam entre ele e o prédio. Os tiros dos capangas na sua direção trouxeram
sua atenção de volta ao combate. Novamente, quem sabe por sorte, os disparos
não o atingiram.
Ele precisava ser rápido e direto para não perder
tempo. Rapidamente Myiamura retirou o pino das quatro granadas restantes no seu
cinto e o jogou tal qual uma boleadeira sobre o gravflyer pousado, atrás do
qual as criaturas usando como proteção. Elas não tiveram a menor chance. A
grande explosão estremeceu tudo, quebrando algumas vidraças dos dois lados da
rua. Foi melhor do que o esperado. Cinco à menos em uma só tacada.
Mas as coisas não poderiam ser fáceis, ainda mais durante
esta invasão.
Em meio ao som de vários gravflyers cortando o céu,
Myiamura percebeu o nítido som de algo grande ser quebrado logo abaixo de sua
janela, seguido de passos pesados. Embora não conseguisse enxergar, ele
pressentiu que poderia ter sido a porta de entrada abaixo dele e que algo
grande estava entrando no prédio, provavelmente atrás dele.
Myiamura não queria descobrir o que era e ele não
podia perder tempo enfrentando algo que ele nem ao menos sabia o que poderia ser.
Sua única rota de fuga, e o caminho mais curto, era a própria janela. Sem
pensar ele ajeitou o rifle e escorregou para o lado de fora do segundo andar,
lançando-se com perícia acrobática para o chão. Um bom ponto de apoio e um giro
de lado lhe garantiram uma aterrissagem segura e perfeita.
Os destroços e corpos de alienígenas espalhados
pelo chão foram facilmente superados enquanto avançava, deixando Myiamura de
frente para a porta de aço da Agência, automaticamente trancada em casos de emergência.
Alguns toques no painel da porta trouxeram uma resposta sonora e um movimento
lateral dela. Quando ela finalmente abriu Myiamura deu de cara com Luís, o amigável
atendente da recepção da Agência, apontando um rifle para a entrada da porta.
“Você não estava morto?” – perguntou Luís
nitidamente confuso e assustado.
“Longa história... vamos deixar para depois...”
– respondeu Myiamura enquanto entrava e acionava os controles para a porta
fechar novamente – “...temos que evacuar o prédio e rápido!”
“O pessoal já está se dirigindo para o bunker,
no andar de baixo. É mais seguro.”
“Algumas daquelas coisas entraram pela janela do
segundo andar. Devem estar indo até a Anna” – Myiamura começou a se afastar
gritando enquanto corria em direção à sala de armas. Ele voltou alguns instantes
depois com um novo cinto de granadas no ombro e um potente Mag Rifle, indo em
direção à escada – “Segura as pontas por aí, vou até a Anna”.
Enquanto Myiamura subiu as escadas com cuidado
redobrado e ouvidos atentos ele acionou seu compad – “Anna? Está escutando?”
“Sim” – uma voz feminina, agitada com
estática soou no seu fone.
“Tem duas coisas grandes e armadas indo para aí.
Devem estar atrás de nossos arquivos. Tem como limpar as coisas e ir para o bunker?”
“Já estou providenciando isso.”
“Vou ver o que posso fazer para atrasar os
bichos. Desligo.”
Quando Myiamura chegou à porta do segundo andar ele
a encontrou aberta. Do corredor ele escutava o som de pesados passos e
respirações forte vindo do corredor. Aquelas duas coisas estavam perto demais
da sala onde estavam Anna, seu pai e os preciosos arquivam. Mais uma vez ele
não tinha a opção de errar.
Silenciosamente o agente espiou pela porta no exato
momento em que ambos Quadrilas entraram em salas dos dois lados do corredor, um
em cada lado. Pelo visto eles estavam vasculhando sala por sala. Eles deviam
saber que o andar para pegar as informações era este, mas ignoravam em qual
sala. Isso lhe dava algum tempo.
Se aproveitando que ambos estavam fora do corredor,
Myiamura se sentou no chão bem no vão da porta usando-a como apoio para as
costas e para o pé direito, deixando a perna arqueada. Ele enrolou
cuidadosamente a bandoleira no braço para dar firmeza ao pesado Meg Rifle e o
deixou apoiado no joelho. Ele sabia que um disparo com uma arma dessas em um
alvo tão próximo era ainda mais difícil do que em um alvo à distância.
Ele deixou a arma imóvel mirando para o espaço
vazio em uma das portas, a que tinha melhor visão do possível alvo, bem no
ponto onde a cabeça do Quadrila deveria aparecer. Ele ficou olhando fixo e
quase sem respirar como se estivesse enxergando a cabeça do seu alvo naquele
vazio. Quando a criatura saiu pela porta a reação para o movimento do dedo no
gatilho foi instantânea, deixando uma enorme mancha de sangue e pedaços de
carne espalhados pelo corredor.
Tão logo o alvo foi atingido, Myiamura se jogou
para fora da porta, em direção novamente às escadas, girando sobre o ombro em
uma meia cambalhota ágil. A surpresa causada ao Quadrila restante lhe conferiu
alguns instantes de vantagem que Myiamura usou para subir meio lance de escadas
e novamente se posicionar com seu rifle, agora apoiado no corrimão metálico. A
criatura apareceu na porta com suas armas em punho apenas para também receber
um disparo mortal em sua cabeça.
Myiamura nem conseguia acreditar que ainda estava
vivo e que os Quadrilas estavam realmente abatidos. Sem pensar muito ele correu
para a porta da sala de multimídia, esmurrando-a pesadamente.
“Anna? Tudo certo aí?” – gritou Myiamura
tentado se fazer escutar.
“Sim. Estou terminando aqui...” – ela disse
quando a porta se abria lateralmente.
“Já terminou de limpar tudo? Vocês têm como sair
daqui!” – disse o agente enquanto olhava para dentro conferindo se tudo
estava realmente bem.
Com um meio sorriso ela apenas apertou um botão em
um dispositivo em sua mão que mais parecia um alarme de carro, causando uma
série de pequenas explosões em círculo no chão e abrindo uma passagem para o
andar inferior – “já temos nossa rota de fuga... agora só falta limpar os
arquivos” – ela disse enquanto apontava sua pesada pistola para os
computadores onde estavam os preciosos arquivos – “pode deixar comigo!”
“Ótimo. Tranca a porta para ninguém perceberem e
se cuidem. Vou continuar limpado a área” – Myiamura nem terminara as
palavras quando se virou de costas e saiu pela porta novamente correndo para o
corredor. De fora, enquanto ele se afastava, apenas escutou o som de Anna limpado
os arquivos.
Mas sua felicidade foi interrompida quando uma
forte explosão foi escutada. Definitivamente o som vinha do térreo.
“Luís? O que aconteceu?” – gritava Myiamura
pelo compad esperando boas notícias.
“Temos companhia... muita companhia... mas estou
com ajuda aqui! Pode continuar!”
Myiamura sabia que precisava descer. Quem quer que
estivesse lá embaixo não seria tão bem treinado quanto ele para retardar a
entrada dos alienígenas. Ele começou a correr nas escadas para os andares de
baixo, mas um detalhe percebido com o canto do olho lhe chamou a atenção. A
janela da escada entre o segundo e o primeiro andar. Estava fechada quando ele
subira, mas agora estava cuidadosamente aberta.
Seu instinto o fez parar instantaneamente. A
primeira coisa que ele pensou foi que se os invasores estavam tão interessados
nas informações da Agência, eles não mandariam apenas Quadrilas para lá. Com o
rifle em punho andou o mais silenciosamente que podia. A porta entreaberta para
o corredor do primeiro andar era um indício de que aquele poderia ter sido o
caminho usado para o possível visitante desconhecido.
Myiamura abriu a porta com cuidado mantendo-se fora
da linha da luz para não denunciar sua posição. Espiando sutilmente para o corredor
ele em princípio não viu nada, mas sua experiência, ou quem sabe sorte, o fez
perceber algo como que um pequeno deslocamento no ar. Era como se olhasse por um
vidro levemente mais grosso. Era uma perturbação visual que literalmente estava
se movimentando pelo corredor.
Um infiltrador camuflado – Myiamura pensou.
Sem conseguir enxergar perfeitamente ele não tinha
real noção da posição do adversário ou o que ele estava realmente enfrentando.
Seria literalmente um tiro no escuro que ele não poderia errar.
Ele pensou rápido em suas alternativas e lembrou do
cinto de granadas ainda à tiracolo. Ele pegou duas granadas, olhou novamente para
o lento movimento da perturbação visual que se afastava no corredor e calculou onde
as jogar. Com a boca ele puxou os dois pinos e as arremessou, uma antes e outra
depois da possível posição do infiltrador na esperança de causar algum dano.
Foi uma jogada providencial. As explosões
aparentemente erraram a criatura que estava entre ambas, mas foram perfeitas
para lançar detritos suficientes que pudessem denunciar sua posição. Agora ele
tinha algo no que mirar.
Ele ainda teve tempo de ver a real forma da
criatura antes de disparar uma rajada de três disparos certeiros, dois no peito
e um na testa. Ela estava mais perto do que ele percebera e ameaçava saltar na direção do agente quando
recebeu os disparos e tombou em meia à uma enorme poça de sangue esverdeado e
uma nuvem de esporos.
Myiamura ainda permaneceu um instante imóvel e com o
rifle apontado para o vazio esperando por um novo e desavisado ataque, mas nada
aconteceu. Apenas quando voltou a respirar é que o agente percebeu que a criatura estava tão próxima que seus disparos foram realizados quase que simultâneos com um ataque imperceptível da criatura. Ele havia sido atingido e por sorte não fora de forma mortal. Praguejando pelo erro quase fatal ele se voltou para a escada e começou a descer
enquanto gritava pelo compad – “Luís! Estou chegando!”
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