Uma história para Starfinder
Sobrevivência Incerta
Interlúdio
Duas espaçonaves paradas no
meio do espaço, muito próximas e motores desligados. Era no mínimo curioso. Mas
quem tem o costume de percorrer a imensidão em aventuras ou combates sabe que
muitas vezes nada mais é do que um simples encontro entre amigos, e depois dos
últimos acontecimentos só o que a tripulação de Huaa queria era um pouco de paz.
Icarus e Nimbus estavam muito
próximas. O raio trator da Icarus, embora projetado para objetos pequenos
soltos no espaço não maiores que um corpo, era o suficiente para manter a
posição estacionária de uma nave que não estava tentando escapar. Ambas
moviam-se muito vagarosamente numa espécie de ballet sincronizado. Dentro da
Icarus os cinco tripulantes reunidos realizavam uma verdadeira algazarra.
Ao redor da mesa de refeições,
na zona comunal, todos estavam largados confortavelmente em suas poltronas. Os
pratos vazios mostravam que a refeição havia sido farta e prolongada, mas a animação
ainda era grande. Todos tentando falar ao mesmo tempo numa mescla de conversas
paralelas, discursos inflamados unidos à um jogral, tudo sobre os últimos
acontecimentos que ambas equipes haviam passado.
Nytaa, de pé em sua poltrona, descrevia
os combates que aconteceram saltando de um lado para o outro enquanto tentava
demonstrar cada ação e detalhe. Sakesh, com os pés sobre a mesa, apenas
concordava balançando a cabeça afirmativamente como que aprovando cada detalhe
com um semblante de professor orgulhoso. Target questionava tudo para
poder montar o cenário o mais rico possível, extremamente curioso com tudo o
que tinha acontecido. No outro canto da mesa Kroan apenas reclamava de cada
ação que as duas haviam feito e do perigo que correram desnecessariamente. Depois
foi a vez de Target e Sakesh narrarem seu momento de ação durante a transação
comercial, tudo igualmente encenado e floreado. Mais afastada, a capitã Huaa
assistia à tudo com os olhos brilhando, extremamente satisfeita com aquele
quadro. A família estava reunida.
Depois de mais algum tempo de
confraternização os ânimos foram naturalmente se tranquilizando. Já havia
passado o clímax de toda a euforia pelo reencontro e as novidades de cada um.
Um clima mais sério pairou sobre a mesa.
“- O que faremos agora capitã?”
– questionou Sakesh.
“- O que já havíamos decidido -
ir para Absalom. Tenho assuntos para resolver lá, além de que acho que as
informações sobre essa raça de criaturas estranhas será muito bem recompensada
pela Associação Starfinder... e sei que vocês querem gastar a parte de vocês do
pagamento. Ele foi bem suado e valeu cada crédito em nossas contas.”
“- Estamos à algumas horas de
lá” – disse Kroan despretensiosamente enquanto dava uma olhada em seu comlink –
“será ótimo podermos dar uma parada tranquila para reparos na nave.”
“- Perfeito” – disse Huaa
levantando-se – “Sakesh, vá na Nymbus e fique como escolta já que ainda estamos com muitas avarias e sistemas capengas. Target, preciso que revise o sistema
elétrico da Icarus antes de chegarmos em Abaslon. Nytaa, organize todas as
informações que conseguiu levantar sobre aquelas criaturas para barganhamos com
a Sociedade Starfinder. Kroan, enquanto nos leva até lá faça os diagnósticos necessários para os reparos que teremos que fazer. Eu vou revisar os equipamentos
e me preparar para uma reunião desagradável.”
Automaticamente todos se colocaram
em movimento. Da mesma forma que sabiam descontrair, também sabiam como e
quando realizar suas tarefas prontamente. Embora aparentemente um grupo estranho
e que poucos acreditassem serem uma mesma tripulação, eles agiam como
engrenagens muito bem calibradas. Em alguns minutos Sakesh e Kroan já estava
colocando as naves em movimento rumo à Absalon e todos estavam empenhados em suas tarefas pessoais para que tudo estivesse pronto no momento devido. Em
algumas horas estariam aportando num dos braços da gigantesca estação Absalon e
teriam um pouco de diversão e sossego por algumas horas ou dias, se tivessem
sorte.
Em sua cabine Huaa revisava
alguns arquivos tentando ocupar sua mente. A parada não programada que fizeram
no planetoide a fez esquecer por algum tempo do motivo de estarem indo para
Absalon. Os créditos que Sakesh e Target conseguiram com a troca em Akiton era
apenas o primeiro passo para algo maior. Seus companheiros sabiam que havia
algo por trás de seus movimentos nos últimos meses. A investida no quartel
abandonado, a procura por alguém em especial naquele reduto de contrabandistas
e a caça de algo valioso para conseguir créditos suficientes para uma troca por
informações. Tudo começara com uma história que havia escutando de um velho
membro da Starfinder. Uma história que não deveria ser contada. Uma história perigosa
em mãos erradas. Era um segredo, e por isso mesmo, algumas pessoas já o
conheciam. Embora sua tripulação não soubesse as motivações exatas, todos
confiavam nela e a seguiriam de qualquer forma.
Mas Huaa ainda estava
preocupada com esse próximo passo. Conseguir a informação que precisava, ainda
mais com quem ela teria que conseguir, era muito perigoso. Se ele desconfiasse
do que se tratava ela o teria como adversário e uma corrida contra o tempo
começaria. Ela sabia que não existe lealdade, amizade ou honra entre caçadores de aventuras
que estão atrás de relíquias tão poderosas e ela deveria manter no anonimato
suas reais intenções. Tudo teria de ser perfeito.
o O o
Esse era mais um dia comum na
vida dela. Circular nas áreas mais periféricas entre um braço e outro da
Estação Absalom, evitar o centro o máximo que pudesse, esquivar-se de
comissários e seguranças particulares e conseguir alguns recursos para
manter-se viva por mais alguns dias. Quando se aprendia como aquela gigantesca
estação funcionava e a forma como todas as suas peças se moviam quase que
organicamente, era necessário apenas adaptar-se e seguir em frente.
Ótima observadora, ela havia
aprendido rapidamente a reconhecer os sinais de perigo, os caminhos mais
seguros, os bairros mais amigáveis, as rotas de fuga mais eficazes e onde
encontrar a comida mais facilmente. Não fora por diversão ou esporte, mas
necessidade, uma professora rigorosa e implacável.
Ela ainda tinha dois problemas
para manter seu plano diário funcionando. Primeiro que ela era muito jovem,
pelo menos em aparência para os padrões humanos, a principal raça residente da
estação. Essa impressão sempre lhe transparecia uma aura de indefesa ou fraca.
Por um lado isso era ótimo, pois não imaginavam na enrascada que estavam se
metendo quando a enfrentavam.
Em segundo porque ela era uma
elfa. Sim uma elfa em pleno espaço, por mais contraditório que isso possa
parecer. Mesmo que sua raça tenha uma fama considerável, se comparado ao seu mínimo
número de membros no pós-lacuna, era difícil que não fosse reconhecida
facilmente, gerando comentários e curiosidade. Ela se sentia como uma iguaria
rara em uma vitrine de um antiquário famoso, sendo vendida por um preço que
poucos pudessem pagar. Isso a incomodava muito. Ser uma mercadoria já tinha
acontecido com ela e sua atual situação era fruto dos horrores que já passara.
Não por menos que a pesada capa
e o capuz eram vestimentas inseparáveis. Dependendo de onde você estivesse em
Absalon alguém andando com capuz sempre impunha algum respeito e poucos se
incomodavam em descobrir quem estava escondido por baixo. Esse fora um dos
muitos aprendizados que ela desenvolvera sozinha ao longo do tempo na Estação.
Sim, sozinha, desde que sua família fora morta após meses sequestrados e com seu
pai obrigado a trabalhar para aquela gangue maldita. Desde a fatídica e
improvável liberdade, após aquela guerra de gangues com a participação de
seguranças privados da Alterax, que ela vagueia e sobrevive. Dia após dia. Ela
ainda se pergunta por que sobreviveu e sua família não.
O aprendizado se desenvolveu
nela de muitas formas. Sua primeira vitória foi não morrer de fome, depois de
três dias perambulando pelos corredores sem saber o que fazer e desejando ter
tido o fim de seus pais. Ela chegou a procurar a Guilda dos Síndicos em busca
de ajuda, mas não conseguiu nem sequer chegar perto do prédio. A ajuda existe,
mas nem todos têm os benefícios dela. Para todos, ela era apenas uma mendiga,
uma desafortunada, uma abandonada. Aos poucos começou a descobrir uma pequena
aptidão para passar desapercebida nos lugares, entrar e sair sorrateiramente e,
em casos especiais, brilhantemente se passar por alguém que não era com uma boa
lábia e muita criatividade.
Mais um tempo e ela começou a
se dedicar a conhecer melhor o local onde estava. Absalon tem muitos adjetivos,
mas fonte de conhecimento é um dos principais. Como centro dos Mundos do Pacto,
informação poderia ser encontrada em todo o lugar, desde que se soubesse
procurar. A estação era uma casa para quase todas as raças do sistema e além, onde
tinha-se um pouco de tudo para conhecer e aprender. Muitas guildas de
comerciantes, sedes de empresas e naves chegando e saindo todo o dia vindas de
todos os lugares. Era muita informação disponível. Se tudo isso não bastasse,
ainda havia a sede da Starfinder, onde seus membros gostavam tanto de aprender
quanto de professoralmente ensinar qualquer um.
Para que ela precisava de
informação? Por um lado ela se convencera de que era por pura vingança. Queria
descobrir exatamente quem sequestrará sua família à mando daquela maldita
guilda e por quê. Queria encontrar essa pessoa e, de alguma forma, acabar com
ela. Mas na verdade ela tinha curiosidade em descobrir o que seu pai fazia de
tão importante à ponto de ser levado junto de sua família para que fosse
obrigado a trabalhar para eles. Os elfos, principalmente depois da Lacuna,
tinham diminuído muito em importância em um mundo tão vasto e tecnológico. Eles
viviam em um isolamento auto-imposto na cidade de Solvyrian, em Castrovel.
Embora mantivessem sua vida sob os desígnios de sua raça, seu pai era o que
poderiam chamar de pesquisador. Mente curiosa e habilidoso com letras ele
passara muito tempo procurando algo ‘importante’, embora não comentasse com os
filhos o que seria.
Para tudo isso, para começar
sua jornada de descobrimento ela tinha apenas um nome que o pai deixara escapar
numa conversa, quando ela insistentemente questionava o por quê de terem sido sequestrados
– Kazavon.
Nenhum comentário:
Postar um comentário