sábado, 29 de março de 2008

Diário de um Escudeiro - 3

Sétimo dia de Cyd de 1392.

Azgher está postado bem no meio do firmamento. Já recebi um farto almoço com muito mais do que imaginava necessário para alguém comer. Mas de qualquer forma isso só é mais uma prova de que a “boa impressão” que o nome de Sir Constan continua fazendo efeito.

Acordei muito cedo. Me acostumei a acordar junto dos primeiros raios de sol na vida que levava no campo. Mas desta vez fui despertado pelo nervosismo. Passei boa parte da manhã recostado em uma cadeira olhando o vai-e-vem pela janela do meu quarto. Estou no terceiro andar da estalagem, o que me proporciona uma ótima visão de uma boa parte da cidade. Palthar não possui muitos prédios altos, posso ver à uma boa distância por cima dos telhados.

Mas de qualquer forma eu alternei minha atenção entre a correria das pessoas pelas ruas da cidade e o Medalhão que recebi e presente. Cada vez que o olhava com mais atenção novos detalhes percebia. Meu avô deve ter sido muito querido por aquele anão para receber tamanho presente.

Será que um dia terei conseguido algo parecido?

Não sei. Não tenho muitas certezas nessa vida, como muitos dos meus semelhantes. Uma das poucas coisas que sei é que nesta tarde conhecerei um cavaleiro de verdade. Um seguidor da ordem e da justiça. Um paladino.

o O o


Conheci Sir Constant hoje. Ou quase.

Como determinado em sua carta encontrei-o na residência de sua família. Ele nasceu aqui e como eu é filho do reino dos cavalos.

Fiquei parado por vários minutos à frente do portão de sua casa tentando me adaptar àquilo tudo. Era uma vasta casa que ocupava um enorme terreno nos arredores da capital. O muro alto de pedra parecia ser tão antigo quanto o próprio mundo. Estava desgastado e com ervas subindo aqui e ali. Mas ainda assim tão imponente quanto a moradia.

Logo que atravessei os portões fui recebido por um rapaz um pouco mais velho do que parecia já estar à minha espera. Me acompanhou por todo o corredor de árvores que serviam de passadiço entre os portões e a casa contando-me sobre a história daquela moradia e dos antepassados que ali moraram. Acho que ele falava compulsivamente pois não parou por um minuto sequer. Eram tantas coisas sobre assuntos tão diversos que mal conseguia acompanhar.

Dentre as poucas coisas que consegui guardar na memória estavam que aquela casa já existia a mais de cem anos e sempre pertencendo à família de Sir Constant. Além disso, disse-me que eles eram de uma linhagem de cavaleiros de Khalmyr e que consideravam muito importante pertencerem à ordem. Comentou também que eram muito ricos, mas num quase sussurro, como se fosse assunto proibido. De resto contou sobre as espécies de árvores do jardim, sobre de onde vieram os chafarizes, quantos empregados eram na casa. E esses foram apenas alguns assuntos. O resto não consigo me lembrar.
Quando chegamos na beira da escada de entrada da casa o jovem transformou-se. Parecia que estava possuído por algo. Simplesmente havia tornado-se totalmente diferente do era até aquele momento. No alto da escada estava postado como uma estátua um outro empregado, muito mais velho, com um rosto sem expressão, mas com olhos severos. Ele olhava-nos como quem espia formigas no chão antes de pisoteá-las. Os olhos iam de um para outro de nós.

Ficamos parados ali por instantes até que ele abrisse a boca. “Senhor Tyrias, não é?” e as palavras saiam como desdém. “O mestre não poderá recebe-lo hoje. O senhor será acomodado num dos cômodos na ala dos empregados. Amanhã pela manhã se encontrarão”. E com um aceno com a cabeça o rapaz, que ainda estava imóvel ao meu lado, me indicou a direção.

Quando nos distanciamos o clima melhorou e meu acompanhante voltou à falar, mas em voz baixa. “Aquele abutre miserável... E bom ficar no seu lugar, essa corja é toda igual.....ele ou eles! Fique no quarto bem quieto até amanhã, se quer um conselho!”

E assim estou. Minha diversão foi ficar cuidando as sombras passando de um lado para o outro por debaixo da porta. Fiquei, no mais, isolado aqui. Recebi um prato de sopa e um pedaço de pão de uma mocinha muito jovem, quase uma criança com roupas de empregada.Tudo aqui está no mais completo silêncio. É mórbido. Com certeza vou dormir cedo.

Nenhum comentário: