terça-feira, 22 de maio de 2012

Fantasia e Realidade - Druidas



Druidas: fantasia e realidade


Há entre os celtas três grupos tidos na mais alta estima:
os bardos, os vates e os druidas.
Os bardos são poetas e cantores, enquanto que os vates
supervisionam os sacrifícios e estudam a natureza. Os druidas também
estudam a natureza, mas dedicam-se também à moralidade.
Os gauleses consideram os druidas os mais justos dentre os
homens, conferindo-lhes portanto o papel de juízes
em todas as disputas públicas e privadas.
Possidônio

Uma palavra, muitas dúvidas
O termo druida é muito mais antigo do que se imagina. Etimologicamente a palavra derivaria do idioma galo, povo que vinha de um ramo do tronco celta localizado onde hoje temos a França e a Bélgica e como esse povo se fixou na região mais ou menos no ano 1000 a.C, suspeita-se que o termo seja tão antigo quanto a chegada do povo à região. O termo, desta forma, se originaria em dru-(u)id cujo sentido seria ‘dona da ciência’ ou ‘muito sábio’ e cuja origem estaria nos termos  dru+wid, onde o primeiro formaria a palavra ‘árvore ou firme como uma árvore’ e o segundo formaria a palavra ‘sabedoria ou conhecimento’, dando origem à ‘aquele que o carvalho’. Ou, sob outra interpretação, seria o termo dru-wid-es que significaria ‘os que vêem mais além’ dando também uma clara interpretação ligada à sabedoria e conhecimento. O povo galo fazia parte de um ramo do tronco celta localizado onde hoje temos a França e a Bélgica. Como esse povo se fixou na região mais ou menos no ano 1000 a.C, suspeita-se que o termo seja tão antigo quanto a chegada do povo.

Mas isso não é um consenso e veremos que quase tudo relacionado aos druidas gera muita certeza. O historiador romano, Plínio o Velho, afirmava em seus estudos de lingüística que na verdade o termo druida viria da forma como se pronuncia a palavra grega drãj que significa ‘carvalho’, uma árvore que curiosamente é um dos símbolos do druidismo.

Muito mais do que apenas mexer com ervas
Longe do RPG, e mais próximo do senso comum, sempre fomos bombardeados pela falsa noção de que o druida era apenas um ser bucólico que manipulava ervas como ninguém. Mas o que a história e a pesquisa arqueológica nos contam é muito diferente. Tão diferente que nos impressiona.

Os druidas formavam uma verdadeira classe sacerdotal entre os celtas. O sentido de ‘classe sacerdotal’ equivale a dizer que eles possuíam características de proceder que iam muito além do simples gosto de cada um ou coincidências, seguindo sim parâmetros organizados entre um eles.

Suas atribuições iam muito além do que normalmente acontecia com outros membros da comunidade, assumindo inúmeros afazeres e tarefas, e sendo considerados especializados em todas elas. Eles eram considerados magos, feiticeiros, artistas, poetas, conhecedores dos mistérios da vida e da morte, médicos, conhecedores de animais, herbologistas e muitos mais. Mas tudo isso ainda estava longe da verdadeira visão que faziam dele.

Como o termo druida significa, em sua essência e comentado no início deste artigo, conhecimento e sabedoria, seu detentor era venerado pelo povo como um ser de respostas e de ensinamentos. E não só pelo povo, mas inclusive pelos reis que os colocavam como conselheiros reais e mesmo muitas vezes eles assumiam o posto de reis. Lembrem-se que estamos falando de comunidades pequenas e a visão dos druidas como reis deve ficar longe daquela visão ocidental contaminada que temos da palavra ‘rei’ com castelos e tudo mais. No caso dos druidas o termo rei está ligado mesmo ao sentido estrito de comando da comunidade.

Os druidas eram versados nas leis da comunidade celta, bem como em suas tradições, mitos e rituais. Esses eram motivos à mais para que sua importância dentro das comunidades os levassem à realmente serem considerados ‘seres de conhecimento e sabedoria’. Esse enorme conhecimento dos druidas sobre o passado do povo celta lhes conferia uma mística ainda maior. 


Detentores do passado
Os druidas consideravam profano gravar quaisquer de seus ensinamentos. Este era dos motivos para erroneamente considerarem o povo celta tão atrasado. Mas não passava de uma escolha protecionista do conhecimento. Eles passavam todo o seu conhecimento apenas de forma oral lhes garantindo escolher muito bem quem seguiria seus passos, assumindo também o poder concernente à sua posição, além de manterem o conhecimento restrito. Algumas pesquisas antropológicas dizem que os ensinamentos poderiam durar mais de vinte anos até consideraram um aprendiz um verdadeiro druida. Não por menos que temos a visão de druidas sempre como homens velhos com suas longas barbas brancas.

Quando procuravam um aprendiz eram extremamente criteriosos. Além de um jovem com grande capacidade de memória, deveria ser íntegro e altruísta para com sua comunidade. Antes da passagem de seus ensinamentos eles deveriam jurar honrar os deuses, não trabalhar de forma imprudente e estarem sempre disponíveis para os serviços da comunidade.

Druidas ou bardos?
A pergunta pode parecer estranha para aqueles que são jogadores de RPG, mas para os estudiosos do druidismo é uma questão interessante. Uma das atividades dos druidas era a perpetuação do passado do povo celta que eles realizavam unindo a memória com a arte. Pesquisas contam que as história eram contadas em forma de cânticos e músicas, satíricos ou não, entretendo a população ao mesmo tempo que os ensinava.

Muitas obras da época dos próprios druidas os chamavam de bardos. O historiador grego Diodoro Sículo em uma obra sobre os druidas, escrita no século I a.C., dizia que os druidas eram divididos em três funções ou ofícios sacerdotais: os Bardos, os Ovates e os Druidas.


Os Bardos, também conhecidos na Irlanda por Fili,possuiriam as habilidades artísticas da poesia, música e dança. Eram encarregados de transmitirem os ensinamentos druídicos – lendas e história - para a população em forma de poemas e músicas. Eram considerados os guardiões da tradição oral. Já os Ovates (ou apenas vates) seriam dotados de capacidades intuitivas e mágicas como astrologia, adivinhação e cura, além de estabelecerem comunicação com os outros planos. Por fim os Druidas propriamente ditos, detinham funções de sacerdote, filósofos e conselheiros. Eram responsáveis pelas cerimônias religiosas e rituais além de servirem de juízes. Mas como tudo relacionado aos druidas está longe de um consenso aqui também temos outras noções do passado. Alguns historiadores dividem hoje em dia os druidas de uma comunidade em até seis classes diferentes, conforme seus afazeres.

Os bardos mantiveram sua imagem de depositários da cultura e das tradições durante toda a idade média, mas desassociada à dos druidas durante toda a idade média, mesmo após a caça e aculturação imposta aos druidas.

Longe do que achávamos
Muitos sistemas de RPG e muitas obras literárias colocavam-nos um druida de forma muito diferente do que realmente ele era. Normalmente os tínhamos como pessoas extremamente ligadas à natureza e à vida, bestializados muitas vezes, que amavam as coisas advindas dela acima de qualquer coisa. É correto dizer que eles realmente tinham esta forte ligação com a natureza e com a vida, mas fora isso eram humanos como quaisquer outros. Comiam carne, casavam, realizavam sacrifícios humanos, participavam de festins e decapitavam seus inimigos.

Os druidas eram extremamente práticos, preocupando-se sim, e muito com as coisas materiais, embora não esquecessem das espirituais. Mas mesmo assim estão longe da visão abnegada e quase animalesca que seria capaz de matar um exército para manter viva uma borboleta. Esta praticidade material também é um resultado da aplicabilidade que eles faziam de todo o conhecimento que detinham. Sua erudição em tantos tipos e naturezas de assuntos os faziam servir como consultores de quase tudo, de irrigação à plantio, de caça à herbologia, de cuidados médicos à veterinária, de leis à arte. Assim sua vida dentro da comunidade, mesmo sendo considerado uma eminência fora do comum, era repleta de atividade. Os estudos mostram que ele trabalhava como qualquer outro em todas as atividades que pudesse fazer uso para ajudar a comunidade.

Isto acaba por concordar, de certo modo, com a noção que o RPG nos trás de que os druidas eram avessos à grandes cidades, preferindo a natureza. Na verdade, um pouco menos radical, podemos dizer que eles preferiam suas pequenas comunidades, onde eram ‘reis’, às grandes cidades.

Lutando de peito aberto

"As almas não morrem, mas passam, depois da morte física,
de um corpo a outro; e essa crença de morte da alma,
assim como o próprio temor à morte, estão,
por eles mesmos, descartados, o que, asseguram,
é o maior incentivo para infundir valor".
Júlio Cesar

A história nos mostra que os druidas estavam longe de serem pacíficos. Pela sua comunidade eram capazes de enfrentar qualquer desafio ... e de peito nu. Mas por que? Bem, isso tem ligação com a visão religiosa deles.

Para os druidas, e era um ensinamento passado ao povo celta, a alma passava por três círculos sucessivos. Primeiramente entravam no círculo da matéria, onde estavam animalizados. Dentro dele passariam pela um mundo de experiências e sofrimentos. Após muita luta, depois de se libertarem das influências materiais, entravam na roda das encarnações. O segundo círculo seria o círculo dos venturosos, onde estariam despojados de anseios e sentimentos terrenos.

Por fim entravam no círculo do infinito onde encontrariam a essência divina. Esta noção de reencarnação e evolução com o sofrimento os faziam ter uma outra compreensão da morte. Por isso eles não a temiam e lutavam nos campos de batalha sem nenhum apego à vida, inclusive lutando de peito nu, achando que seria uma covardia se protegerem com uma armadura ou escudo.


Visão do RPG VS realidade
Numa primeira análise o que percebemos é que o RPG se baseou pouco na versão histórica dos druidas. Alguns elementos do estereótipo mais superficial deles estão presentes na maioria das descrições da classe em obras rpgísticas – o culto pela natureza, a aversão pelas grandes comunidades e a capacidade mística. Mas muito ficou de fora e aqui vemos que essas obras se basearam muito mais na produção de fantasia mais recente.

Outro ponto abordado pelas obras de RPG foi a propensão dos druidas, quando em combate, em não usarem certos tipos de armas ou proteções tais como armaduras e escudos. Isso passa perto do modo deles verem a morte e do modo como encaravam um combate. Mas mesmo assim ainda está longe do que temos na realidade histórica.

Um pouco do caráter bucólico do druida ficou nas obras de RPG, embora seja em alguns casos exagerada mostrando quase que um eremita que conversa com árvores e animais. Nessas obras ele aparenta ser muita mais simples e anti-social, bem diferente do que vemos na história reconstruída por antropólogos e arqueólogos.

Claro que sei que seria muito difícil simplesmente adaptar a realidade tal qual aconteceu para uma obra de RPG. Como disse na apresentação desta nova seção é que ela serviria apenas para comparar as visões e mostrar uma visão que poucos rpgístas conhecem.

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