terça-feira, 2 de setembro de 2014

Dicas do Mestre: Seguir as regras X house rules


Seguir as regras X house rules

Um debate meio acalorado que acompanhei essa semana em um dos grupos de RPG do Facebook me trouxe a falar deste tema novamente – o peso das regras. O debate se polarizou em dois pontos antagônicos distintos. De um lado aqueles que consideram que as regras devem ser respeitadas à todo o custo, de outro aqueles que acham que quando necessário podemos e devemos nos valer das house rules (regras da casa). Quem está certo?

Aqueles que defendem as regras acima de tudo o fazem baseados em alguns pontos bem claros. Primeiramente, e acho que um dos mais lógicos deles, é a questão do acordo. Quando ingressamos em qualquer tipo de disputa, atividade ou relação, o fazemos segundo algum conjunto de normas. Baseados nessas normas poderemos avaliar ou direcionar nossas ações futuras preocupados (ou não) com riscos que nossas ações possam gerar. Todo o sistema de RPG nada mais é do que um enorme conjunto de acordos que nos indicam quais as reações para nossas ações. Todos, não importa o sistema, mesmo os RPGs narrativos, são baseados em acordos, mesmo que o acordo seja de não haver acordo algum.

Um grupo de jogadores em uma sessão avalia de forma isolada e conjunta cada passo que terão de dar conforme o andamento da história. Eles avaliarão eventuais riscos usando como medida esses acordos e escolherão as alternativas segundo esses riscos e arcarão com as consequências, mas dentro de suas próprias escolhas. Seguir as regras, vendo elas como esse acordo estabelecido, nada mais é do que dar 'segurança' para que o grupo possa jogar sem se preocupar de estar às cegas.

Quando não temos essa 'segurança' podemos desbancar para a indignação ou desagrado dos participantes da mesa. Assim, desta mesma forma, seguir as regras, seguir o acordo, é uma segurança também para o mestre. Segurança em vários sentidos. Tanto a segurança de ter elementos de argumentação para com os jogadores, embasando suas decisões e os resultados obtidos, quanto segurança de construir um jogo que não desbanque para caos total. Da mesma forma que cada passo dos jogadores está baseado em perspectivas de resultados ou em riscos calculados, as ações e decisões do mestre também o estão.

Um segundo argumento gritado aos quatro ventos pelos defensores incondicional das regras é que quem joga RPG não está procurando realismo ou pedantismo e sim fantasia. Para eles os jogadores de RPG não se interessam em saber se as regras (o acordo) ferem premissas básicas da ciência. Eles não se interessam em saber da lógica (ou da falta dela) para ações que seriam impossíveis em circunstâncias normais. Segundo eles os jogadores procuram o improvável, o inacreditável, aquilo que define a fantasia em seu tom mais profundo – o imaginário. O incentivo para muitos de nós (para não dizer todos) para ingressarmos na prática do RPG foi experimentarmos algo que nossa vida normal impossibilita, em lugares inimagináveis, fazendo coisas impossíveis. Que importa se seria fisicamente impossível lutar embaixo d'água por minutos à fio sem se afogar e ainda vencer a luta? RPG, para muitos, é vivenciar aquilo que nunca teríamos condições vivenciaríamos.


Eles defendem que os jogadores de RPG querem fantasiar sem as amarras de preciosismos físicos ou lógicos, ou alguém imagina que as habilidades de um garou ou os sortilégios mágicos de um mago estão inseridos dentro de regras científicas preciosistas? Não! Eles não desejam saber se a velocidade de um míssil mágico irá reduzir se ele atravessar uma parede de água. Eles não querem saber se teoricamente um guerreiro terá x por cento de redução do dano do seu golpe devido à resistência da água se ele lutar mergulhando. Eles não querem saber se é humana e logicamente impossível conceber que um personagem conseguiu trocar de arma e preparar-se para um novo combate e tantos segundos. Não eles não querem. Eles querem apenas a fantasia, o irreal, degustar o inimaginável.

Mas nós temos um outro lado desta discussão. Temos um outro grupo tão apaixonado pelo RPG quanto os primeiros. Este grupo tem uma visão diferente do acordo. Podemos começar dizendo que eles têm uma visão diferente do RPG? Talvez. Eles, mestres e jogadores, vêem as regras, o acordo, como uma ferramenta para que a experiência de jogar RPG seja a mais prazerosa possível. A visão deles é simples. O RPG, bem ou mal, é uma forma de experimentarmos a realidade - existente ou não. Para essa experimentação nos valemos de regras (como já disse anteriormente). Esse grupo tem a clara noção de que seria humanamente impossível criar um conjunto de regras de fossem abrangentes o suficiente para que comportasse todas as circunstâncias possíveis.

Não é novidade nenhuma que muitos dos sistemas de RPG existentes não se propõem serem genéricos. Normalmente os sistemas propõem acordos, regras, para tipos específicos de jogos ou situações. Quando estamos colocando em prática as regras de um sistema qualquer nos deparamos inúmeras vezes com situações que nos lançam em um limbo perigosamente fora das regras ou apenas tangenciando-as. Mesmo os poucos sistemas que se intitulam como genéricos, o são de forma ampla e abrangente, estabelecendo situações-limite para que sirvam de base.

Esse segundo grupo vê o acordo com outros olhos. Para eles esse acordo significa um compromisso com a experiência de praticar o RPG e simular um ambiente, um personagem, uma situação ou mesmo um cenário. Para eles esse acordo é o compromisso de que a experiência seja vivaz, seja real. Real, mesmo quando estamos falando de ambientes inexistentes e fantasiosos. Esse grupo acaba por não se satisfazer com soluções abrangentes de situações-limite. Eles aproximam a simulação do realismo e vislumbram momentos não contemplados pelas regras (pelo acordo) como falhas. Com isso os membros desse grupo prendem-se àquele pequeno parágrafo que existe normalmente no início de todos os livros de RPG avisando que o livro é uma bússola, mas que pode ser adequado como necessário.

E assim eles o fazem. As famosas House Rules são criadas para cada nova situação fora do contexto das regras e mecânicas contidas no sistema utilizado. Mais pormenores são utilizados, concebidos, aceitos ou ponderados. A lógica é procurada para que situações, mesmo que fantasiosas e inimagináveis, fiquem dentro de certos parâmetros que esses grupos estabelecem. Aos olhos de muitos essa busca por tapar os furos das regras seria uma busca incansável pelo realismo ou um pedantismo desmedido.

Discordo. Esse grupo é praticamente idêntico ao anterior. Eles procuram sim, com essas ações, a mesma segurança com as regras que o grupo anterior encontra ao aceitá-las indiscriminadamente. Eles apenas não se satisfazem com uma mera convenção, e não estou desmerecendo este ou aquele quando digo isso. Enquanto a motivação do primeiro grupo reside em que uma quebra do acordo possibilitaria uma impossibilidade de praticar o RPG, o segundo grupo parte do pressuposto de que se as regras não comportarem tudo o acordo estaria impossibilitado de ser mantido. Em suma, ambos preocupam-se com o acordo, mesmo que nem imaginem que seja por isso, em um verdadeiro ato inconsciente.


Concluindo
Isso me leva à duas conclusões que tenho certeza que não será novidade para ninguém, embora nem todo concordem (abertamente) com isso.

Primeiro de que não existe um lado certo, não existe um lado errado. Se pensarmos no elemento básico de que a manutenção de ‘um’ acordo é importante aos olhos dos rpgístas para a realização da satisfatória prática do RPG, então a forma como isso será alcançado – seguindo fielmente as regras ou adaptando os problemas com house rules – não faz diferença. O importante é percebermos que a preocupação é pela possibilidade de fazermos ‘certo’ e proporcionarmos para os adeptos desta prática um bom jogo.

O cuidado que devemos ter é como seguir esses caminhos. Pela experiência que tenho em RPG (e que muitos de vocês também têm) sei que os grupos se formam, e principalmente se mantêm, conforme suas afinidades. Essas afinidades se baseiam principalmente pelas expectativas e direcionamento das sessões de RPG – se mais realistas, se dentro deste ou daquele cenário, se narrativas e também conforme a visão do uso das regras. É uma simples questão de expectativa e correspondência.


A segunda coisa é que uma visão não exclui a outra, de forma alguma, necessitando apenas de uma concordância se a sessão será desta ou daquela forma. O único cuidado que devemos ter aqui é que nem uma nem outra opção deve ser imposta ao grupo ou ao mestre. Como tudo no RPG, uma imposição é suficiente para transformar uma ótima experiência em uma desagradável ocasião. Debater alguns pontos antecipadamente já é o suficiente, e depois de algum tempo as escolhas já passam a fazer parte do andamento natural do grupo.

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