Arquearia III
- O paradoxo do
arqueiro e o disparo da flecha -
Depois
de sabermos a história, partes e tipos de arcos e flechas, vamos avançar para a
construção destes materiais, o segundo passo natural antes de começarmos a
lançar flechas como loucos.
Paradoxo do
arqueiro
O
que seria isso? Normalmente este tema é ligado à dinâmica dos arcos longos por
ser mais determinante em seu uso, mas ele acontece em alguma medida com todos
os tipos de arcos. Vamos entender isso.
Quando
seguramos a flecha junto ao arco, com sua corda tensionada e pronto para o
disparo, se realizarmos a mira através de uma posição exatamente perpendicular
entre alvo/arco/corda veremos que a flecha estará apontada levemente para
esquerda ou direita (dependendo de como o arqueiro segura o arco). Assim, se
você criar uma linha imaginária seguindo a linha da flecha, você perceberá que
ela estará apontada para a esquerda/direita do alvo (mais uma vez dizendo que
depende de quem segura o arco. Daí você pergunta: não vou errar o alvo?
Não.
A movimentação que a flecha recebe após a força aplicada à ela com o
destencionamento da corda à faz girar envergando seu corpo. Esses dois
movimentos, para frente e sobre seu próprio eixo, a faz criar o que seria um
cone de avanço, também chamado de fish-tail
ou spinage do arco. Dentro deste cone
imaginário ela avança. Ou seja, embora aponte para fora do alvo ela poderá
atingir. Reforço o ‘poderá’ pois um arco longo principalmente não é uma arma
tão precisa quanto se imagina, principalmente à longa distância. Pode-se dizer
que há uma área de acerto.
O
paradoxo do arqueiro seria isso: a flecha anda para frente mesmo estando, na
verdade apontada para o lado. Esta teoria foi explicada cientificamente em 1930
pelo Dr Robert P. Elmer embora fosse percebida muitos séculos antes, embora não
pudessem explicá-la.
Esse
paradoxo vem a dar uma explicação crucial para algo que muitas vezes não
percebemos ou não imaginamos - a flecha ficar do lado esquerdo do arco. As flechas, principalmente em arcos longos, devem
ter um exato grau de flexibilidade. Não imaginem que quanto mais firme a
madeira da flecha mais mortal ela será. A flexibilidade garante a pontaria
muito mais do que a dureza do material. Caso contrário a sua flecha, de
material duro e inflexível, será lançada realmente para a esquerda ou direita
do alvo.
Lançando
nossas flechas
Tudo
começa em como segurar a flecha em seu arco. Existem muitas formas de segurar
uma flecha, junto ao arco, para esticar a corda e lançá-lo. Desde as técnicas
clássicas européias às orientais ou mesmo às variações árabes, elas se alteram
conforme a necessidade do arqueiro em precisão, tipo de arco e necessidade em
seu uso.
O
especialista britânico Steve Rouse, lista cinco elementos básicos
(corriqueiros) para alguém lançar uma flecha de forma adequada:
1
– a posição firme dos pés, paralelos e em posição perpendicular ao corpo;
2-
colocar a flecha no arco segurando-a firmemente junto ao “nock”;
3
– puxar a corda em direção ao rosto;
4
– relaxar o corpo;
5
– soltar a corda.
Simples?
Pode parecer, mas realmente não é. Mesmo com esses elementos simples o adequado
disparo de uma flecha contava com técnica e força. Um arqueiro tinha que ser
alguém com saúde perfeita, boa constituição física e muscular e um treinamento
de muitos anos, principalmente se pensarmos na Idade Média. Simplesmente puxar
a corda de um arco e lançar uma flecha é uma coisa. Uma pessoa normal consegue
puxar cerca de 30 libras e lançar uma flecha de forma meramente simples, mas sem
muita força e direção. Já um arqueiro que compunha um exército medieval chegava
a puxar entre 50 e 70 libras, centenas de vezes, em cada disparo. Imagine então
um arqueiro inglês com um arco longo que precisava puxar perto de 100 libras de
força para um preciso e poderoso disparo? A constituição física era
fundamental.
Muito
embora a posição de arqueiro não fosse a mais honrosa aos olhos de nobres e
cavaleiros, quem nunca leu que era vergonhoso matar alguém com uma flechada,
era uma posição treinada à exaustão em exércitos organizados. Estamos
acostumados à assistir filmes e ler histórias onde nos deparamos com cavaleiros
vestindo suas armaduras como impressionantes guerreiros ou arqueiros com uma mira
descomunal, mas isso não era apenas dom ou sorte. Isto era treinamento. Todos
os segmentos de um exército medieval tinham seus ciclos diários de treinamento puxado
para uma melhor performance fosse na defesa do castelo ou de seu senhor, fosse
nos momentos de batalha. Atente que não estou dizendo que ‘todos’ os membros
dos exércitos medievais passassem por esse treinamento já que a grande maioria
dele era composto por vassalos e pessoas comuns.
Mas
falando mais especificamente em arquearia, mesmo as pessoas comuns tinham um
longo treinamento no uso do arco e flecha. Como sendo uma forma de caçar
corriqueira naquela época, muitos camponeses usavam arco e flecha como
equipamento básico de sua lida diária desde a infância (alguns escritos de época
dizem que as crianças usavam arco desde os sete anos de idade) o que significavam
que algumas vezes poderiam ser até melhores que os treinados arqueiros do
exército. De qualquer forma o que fica claro é que sem treinamento físico e
prático seria impossível ser um adequado arqueiro. Até por que todos os detalhes
que listaremos à seguir só seriam realizados de forma eficiente quando
automático e isso só é possível com a prática contínua.
Mas
vamos retornar à mecânica do disparo. A mais antiga e simples forma, antropologicamente
a primeira e mais arcaica, de segurar uma flecha é com dois dedos – polegar e
indicador, um de cada lado do nock – puxando a corda juntamente com ele e os soltando.
Essa posição consegue esticar a corda até um certo limite. Com a evolução dos
arcos e a crescente necessidade de puxar ainda mais a corda conforme os arcos evoluíam
e a tensão da corda aumentava, houve um reflexo direto na posição dos dedos.
Não bastava apenas segurar a flecha e puxá-la, eles tinham que puxar a corda
sem perder força segurando o nock. Com isso houve a necessidade de deslocar o
indicador, agregando à ele mais um ou dois dedos para segurar e puxar a corda (o nock pode estar acima dos dedos, como na imagem ou entre os dedos).
Mas isso varia muito de região para região. Os orientais, principalmente
mongóis e chineses, para conseguir mais força na puxada da corda, usavam o
polegar ancorado pelo indicador.
A
flecha é colocada, normalmente, entre o arco e o corpo do arqueiro, ou seja, se
o arqueiro tenciona a corda com a mão direita, a flecha ficará à esquerda do
arco. Mas isso não é uma regra, mas sim uma quase imposição ao paradoxo do arqueiro. A única diferença é que nesta posição a flecha
fica levemente mais equilibrada e segura para disparos à longa distância. Mas ela
pode ficar normalmente do mesmo lado do arco em que está o braço que tenciona a
corda, embora isso seja mais comum com arqueiros orientais ou para disparos
mais velozes à curta distância (isso será abordado futuramente) e que não primem pela precisão.
Retornando
para a mecânica de disparo da flecha, a forma de segurar o arco também influência
em muito à eficácia do disparo. Pode parecer um detalhe ínfimo, mas faz toda a
diferença. A posição correta de se segurar o arco é com a mão por detrás do grip
com os quatro dedos em uma lateral e o polegar na outra, alinhando de forma
perpendicular o arco e o braço. Isso serve para deixar que toda a pressão da
força não seja exercida nos dedos, mas sim na mão e, por conseqüência, no
braço, dando mais firmeza ao se tencionar a corda.
Puxando,
a corda é tencionada em direção ao rosto (normalmente em direção ao queixo) e
ancorada, aguardando o disparo no canto da boa. O cotovelo deve estar acima da
linha de seu ombro, pois quando deixamos o cotovelo na altura do ombro ou
abaixo estamos fazendo toda a força com o bíceps. Com o cotovelo acima do
ombro, a força exercida pela puxada está distribuída entre braço, costas e
ombro, desgastando menos o arqueiro. Outro detalhe é quer a corda deve ficar
ancorada no vão entre as articulações dos dedos e nunca sobre a carne da última
porção do dedo. Isso é necessário para um bom disparo, visto que se ela ficar
sobre a carne da última poção do dedo, ao ser disparada, tenderá a deslocar-se
além do necessário, influenciando na precisão. Ficando ancorada na articulação,
ao ser liberada, terá um movimento suave, sendo mais eficiente para a precisão.
O
disparo é realizado soltando a corda e mantendo o arco firme na mão, sem que
ele deixe a posição perpendicular, pois embora com o disparo seja muito veloz,
o arco não estando firme, poderá alterar a precisão do disparo com um leve movimento.
As formas de disparo podem ser classificadas em duas – elevação ou esticado. Elas
são utilizadas conforme o tipo de arco, distância do alvo, tipo de terreno e
objetivo do disparo, mas isso será abordado na postagem sobre combate na
arquearia e fim de mitos.
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