Campanhas em um único
lugar
- uma nova visão sobre
campanhas -
Em
nossas mesas de RPG estamos acostumados a vivenciar aventureiros percorrendo
enormes territórios em busca de aventura, fama e experiência. Não importam as
distâncias, eles cruzam continentes inteiros para completar uma simples quest
ou responder à um pedido de socorro. Mas a aventura, fama e experiência podem
estar bem ao seu lado, ali mesmo em sua cidade, sem precisar ir muito longe. O
tema me veio enquanto assistia novamente as temporadas do seriado britânico da
BBC The Musketers.
Nem
todo o personagem (ou grupo) precisa ter aquela ânsia por percorrer centenas,
milhares de quilômetros sobre um cavalo para encontrar aventura. Muitos podem querer
isso estando próximos do aconchego do lar ou da tranqüilidade de sua cidade. Muitas
vezes resolver os problemas internos de uma grande cidade pode trazer muito mais
vantagens e fama do que se imagina.
Podemos
criar uma série de jogos, sejam campanhas, ou intermináveis one-shots, sem ter
a necessidade de ir muito longe da cidade de origem dos aventureiros. Uma cidade
em um cenário de fantasia de médio ou grande porte, nas mãos de mestres
criativos, pode ser o necessário para isso. Uma grande cidade, com dezenas de milhares
(quem sabe centenas de milhares) de habitantes, tem os problemas típicos
decorrentes de seu tamanho – crime, intriga e violência. Em um mundo de
fantasia esses ‘problemas’ tomam cores muito interessantes e promissoras, além
de multiplicarem-se. Nem precisamos falar de uma cidade do tamanho de Paris ou
Londres em plena Idade Média ou no início da Moderna. Essas cidades possuem uma
estrutura que pretende administrá-la e conduzi-la com mínimos problemas. Isso
pode ser conseguido com milícias, guardas ou grupos independentes.
Os
aventureiros podem ser membros de uma dessas tantas milícias onde eles se
destacam por sua bravura, ou membros de uma guilda que tem por função proteger
a população da cidade ou mesmo de um grupo de mercenários prontos para resolver
os problemas internos e pouco comuns por um bom preço. Mesmo nessa situação ‘restrita’
os aventureiros terão a fama e a experiência desejada como em qualquer outra
aventura.
Atuar
na cidade não faz com que os problemas sejam de menor importância ou perigo.
Eles podem ser, se o mestre desejar e construir condições, tão perigosos quanto
em qualquer outra aventura clássica de RPG. A cidade terá suas guildas de
bandidos, terá seus magos e feiticeiros enlouquecidos, terá suas catacumbas e
dungeons misteriosas repletas de monstros, terá seus nemesis dentro e fora dos
portões. E para enfrentar tudo isso há o grupo de intrépidos aventureiros
agindo dentro da lei, ou a sua margem.
Eles
serão reconhecidos tanto pelos sucessos quanto pelas falhas. Eles terão dívidas
e favores para cobrar, bem como terão suas pendências cobradas em momentos
inoportunos. Eles farão pactos desagradáveis, mas necessários, ao mesmo tempo
que tentarão aparar as pontas soltas de seus assuntos pessoais. Tudo isso
dentro de sua cidade. De seu lar.
Lógico
que eles não estão proibidos de sair da cidade. Eles sairão sempre que
necessário, mas apenas quando necessário. A cidade será seu porto seguro, seu
ponto de descanso. Eles terão sua mesa especial na taverna de preferência, onde
serão encontrados quando precisarem de seus serviços. Eles terão amigos reconhecidos
que poderão correr perigo por esta amizade ou apenas serem informantes
providenciais. Tudo girando na cidade.
E
mesmo quando saírem para uma aventura rápida fora da segurança de seu lar, isso
trará sensações e emoções à aventura que proporcionará um tempero novo. Eles terão
que enfrentar as dificuldade de quem adentra à um novo ambiente, assim como
seus perigos. Será ímpar, além de divertidíssimo.
Mas
um cenário restrito acaba requerendo do Mestre mais atenção, zelo e trabalho.
Quando lidamos com campanhas tradicionais, ou mesmo one-shots ao longo de uma
jornada, a atenção do mestre e dos jogadores passa a estar fixada nos momentos
de ação e na aventura em si. Os aventureiros, saberem que devem ir para uma tal
vila para achar tal objeto ou pessoa, os coloca centrados nessa ação. O mestre
acaba por desenvolver seus cenários de forma parcial e fragmentada, pois não há
necessidade imediata de um desenvolvimentos ou particularização mais acentuada
do ambiente, visto que a ação pede detalhes em determinados locais ou
ambientes. O mestre desenvolve os personagens ou grupos pertinentes, mas sempre
com ligações em determinados aspectos ligados à ação estabelecida. O mestre
agir de forma diferente seria uma perda de tempo.
Quando
passamos a centrar nossa ação em um ambiente único, como uma cidade ou região,
isso exige muito mais atenção ao cenário, pois este passa a ser o foco da
atenção de nossos aventureiros. Toda a atenção dos personagens passa a ser as
peculiaridades do ambiente e com essas peculiaridade é que eles trabalharam. Com
a reincidência de contato dos aventureiros com locais, grupos e personagens há
a real necessidade de um desenvolvimento de todos os seus aspectos bem mais à
fundo do que seriam desenvolvidos em outra circunstância. Lembranças de ações
anteriores, de outros contatos, de diálogos, de trocas, de momentos históricos
ou mesmo de outras aventuras serão utilizados pelo grupo de jogadores ao seu
favor à cada nova sessão. Cabe ao mestre criar esse aglomerado de informações.
Se você é o mestre, não se desespere. Não é necessário que você enlouqueça e comece
a redigir uma infinidade de folhas com informações de tudo
o que puder imaginar sobre o cenário que usará. Isso é desnecessário. O
importante é ter claro duas coisas que serão a espinha dorsal deste formato de
campanha. A primeira delas é que toda a informação utilizada em suas aventuras
tem um peso de relevância para o cenário. Não quer dizer que agora você tenha
que ter um banco de dados sobre cada palavra ou informação dada, mas existem
informações relevantes e que devem ser preservadas. Coisas simples como a morte
de aluem importante na cidade ou a prisão de um assassino conhecido. Você não
precisa saber tudo sobre cada pessoa que nasce ou morre na cidade, mas se o
chefe da guarda foi morto em uma aventura e substituído pelo filho do dono da
principal taverna da cidade, isso é relevante. Muitos incêndios podem ocorrer
em uma cidade como esta, isso é irrelevante, mas se a igreja ‘x’ ou o templo ‘y’
passam por um incêndio criminoso em meio à uma aventura, isso é relevante. Eu
diria que este é um dos pontos mais importantes de uma campanha deste tipo.
Com
a continuidade das informações e acontecimentos, os jogadores começaram a se
sentir como parte do ambiente. Eles criam laços com situações, NPCs e lugares e
assim terão uma imersão ainda maior. Eles começarão a usar informações de
situações anteriores para ajudar a resolver problemas atuais e assim irão criar
insides interessantes. E é exatamente neste ponto que o Mestre ganha o grupo. Aventuras
que se interligam, personagens relevantes que migram de uma ação para outra, revisitar
locais em momentos diferentes, entre muitas outras coisas.
O
mestre deve ter essas informações organizadas, pois em algum momento ele poderá
se valer delas para uma nova aventura. Elas podem passar uma, duas ou mais
sessões sem serem utilizadas, mas em um momento ou outro elas retornarão e os
jogadores as reconhecerão e vão adorar.
Com
isso em vista, temos nosso segundo ponto crucial – a preocupação com a continuidade.
Tendo as informações relevantes em mãos, o mestre deve ter o cuidado para as
utilizar de forma coerente, organizada e linear. Isto é crucial para que os
jogadores reconheçam nelas a sua importância e para que se apeguem à elas como
parte viva do cenário. Essa linearidade criará uma forma deles inclusive
fixarem ‘momentos’ específicos que podem e devem ser usados pelo mestre na
construção de aventuras e plots de mais longo prazo.
Mas
para que tudo isso dê certo precisamos de um mestre preocupado e interessado.
Uma falha nesses dois pontos pode tornar a aventura desinteressante ou a
continuidade no cenário enfadonha. O que desejamos é que o grupo se interesse
pelo cenário e sinta-se parte, assim prolongando seu interesse.
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